Volkswagen ID R recebe bandeira quadriculada em Pikes Peak
(Foto: Volkswagen Motorsport)

Recorde, tecnologia elétrica, dieselgate: como a VW dominou Pikes Peak

O recorde em Pikes Peak do modelo ID R, da Volkswagen, sob o comando do piloto francês Romain Dumas, é algo que merece um verdadeiro destaque dentro do automobilismo e da indústria automotiva. Um carro elétrico mostrou em um âmbito esportivo que pode ser tão ou até mais competitivo do que os movidos a combustão.

Ok, vamos com calma. É uma prova de apenas 12 milhas (cerca de 19 quilômetros), que não exige muita autonomia – o ponto fraco dos elétricos. Além disso, já existem diversos esportivos de rua sendo lançados com trem de força elétrico e que colocam os tradicionais queimadores de combustível no bolso. Mesmo assim, o feito é algo importante que pode abrir uma gama de novas pesquisas para supercarros elétricos.

Para quem não conhece, a corrida de subida de montanhas de Pikes Peak, no estado americano de Colorado, é um dos eventos mais importantes do calendário internacional do automobilismo mundial. Para se ter ideia, é a segunda competição do esporte a motor mais tradicional do país. A primeira edição aconteceu em 1916, apenas cinco anos depois da prova inaugural das 500 Milhas de Indianápolis. Para os mais ligados, como não lembrar nas incríveis imagens de Ari Vatanen nas beiradas da montanha nos anos 80? (cenas abaixo)

E o leitor pode até perguntar: mesmo assim, para que gastar dinheiro de uma montadora para bater o recorde de subida de montanha quando existem campeonatos com mais publicidade? A Volks tinha vários motivos.

Para começar, o foco sempre foi no desafio elétrico. A indústria automotiva mundial está indo toda neste sentido e enquanto certames do tipo brotam para todos os lados, a ideia de tentar o recorde em um evento anual como o de Pikes Peak, em que ainda pode-se ter um retorno de mídia considerável, não é nada mal.

Além disso, não nos esqueçamos. A marca alemã ainda sofre com a péssima imagem deixada nos Estados Unidos pelo Dieselgate, caso em que foi descoberto que ela fraudava índices de gás carbônico e óxido de nitrogênio de alguns dos seus motores a diesel e gasolina nos testes das agências reguladoras do país. Ou seja, voltar ao país com um supercarro elétrico não é uma má ideia quando se tem um plano de lançamento de 30 modelos de rua do tipo, entre suas várias marcas, para os próximos sete anos.

A última incursão oficial de uma montadora Pikes Peak aconteceu em 2013, quando Sebastien Loeb bateu o recorde da subida com o modelo 208 T16 da Peugeot, com o tempo de 8min13s878. O carro tinha um motor V6 biturbo de 3,2 litros e uma impressionante relação de peso potência de 875 kg para 875 cavalos.

Como um carro elétrico poderia bater isso? Na verdade, segundo os relatos dos executivos da empresa, o foco no começo do projeto nunca foi exatamente esse. A ideia sempre teria sido de bater o melhor tempo dos modelos elétricos, de 8min57s118, marca também considerável.

O Conselho Administrativo do grupo autorizou o início de projeto em setembro de 2017. Isso significa que o departamento esportivo teria apenas nove meses para colocar tudo em pé, sem margem para vexames. Por isso, a ideia de chamar Dumas, experiente piloto com o histórico de dois triunfos nas 24 Horas de Le Mans, testes na F1, entre outros. O francês compete em Pikes Peak há alguns anos com um time independente próprio em um protótipo fabricado pela Norma (construtora francesa) e já tinha conquistado por três vezes a vitória.

No lado técnico, a principal preocupação para alcançar o objetivo era a questão do peso. A Volks sabia que não precisava se preocupar tanto com a autonomia por se tratar de um stint curto, porém, precisava de muita entrega de potência, o que poderia exigir baterias grandes. Por isso trabalhou em um projeto de duas baterias de lítio, ao contrário das convencionais quatro para modelos de tração integral como este.

Um dos maiores desafios da subida de Pikes Peak é questão de que são 12 milhas em um percurso que possui 156 curvas e começa a 2.862 metros de altitude em relação ao nível do mar e termina a incríveis 4.302 metros. O carro necessita de força, tração nas curvas, reações rápidas e ainda é preciso enfrentar a questão do ar rarefeito.

Em motores a combustão, que precisam de oxigênio para a explosão interna, a cada 100 metros que se sobe em relação ao nível do mar normalmente se perde algo próximo de 1% de potência. Isso quer dizer que ao final da subida no Colorado, a perda chega a aproximadamente 43%. Para se ter ideia, isso significa que o Peugeot de Loeb, que tinha 875 cavalos, recebeu a bandeirada entregando pouco menos de 500 cavalos.

O Volkswagen ID R que fez história em Pikes Peak
O Volkswagen ID R que fez história em Pikes Peak (Foto: Volkswagen Motorsport)

O elétrico ID R da Volks consegue entregar 680 cv. Só que são 680 cv até o fim, já que ele não é afetado tão intensamente pelo ar rarefeito de Pikes Peak por não precisar de combustão. Uma vantagem e tanto! Além disso, como a maioria dos modelos do tipo, a aceleração é extremamente eficiente, fazendo de 0 a 100 km/h em 2s5, mais rápido que um F1.

Por outro lado, existe o problema do regulamento. Em caso de uma bandeira vermelha, todos os carros devem poder relargar devidamente recarregados em 20 minutos. A Volks precisou desenvolver um sistema de recarregamento rápido e que ao mesmo tempo não superaquecesse suas baterias.

A aerodinâmica ficou sob responsabilidade de Willy Rampf, experiente engenheiro alemão que trabalhou muitos anos na F1 pela Sauber (incluindo a fase sob propriedade da BMW) e depois no time da Volkswagen no WRC. O desafio nesta área é igual para todos em Pikes Peak: o ar rarefeito.

Nesta altitude, a densidade do ar chega a ser 35% menor do que ao nível do mar. Isso significa 35% menos força aerodinâmica. E como você pode reparar nas imagens abaixo, isso pode fazer falta nas curvas apertadas do traçado, ainda mais quando se está correndo na beirada de um barranco de mais de 2 mil metros de altura.

Com o intuito de se encurtar o tempo de desenvolvimento, utilizou-se como base o protótipo Norma da equipe de Dumas. Rampf trabalhou na cobertura do cockpit e principalmente na enorme asa traseira de 2,4 metros de largura, além do spoiler dianteiro.

https://www.youtube.com/watch?v=0c3ndL0mSAQ

E todo este trabalho de apenas nove meses deu um retorno acima do esperado para a Volkswagen. O carro não só bateu o recorde de subida dos elétricos, mas também esmagou o geral, de Loeb e da Peugeot, se tornando o primeiro andar na casa dos 7 minutos em Pikes Peak com um tempo total de 7min57s148. Realmente fez-se história.

A empresa, claro, promete que muito do que foi desenvolvido para o modelo estará em sua linha elétrica, a ID, em breve. Estamos falando principalmente de baterias superleves, de recarregamento rápido, sistema de recuperação de energia eficiente e  (muita) potência.

Segundo rumores, o primeiro a receber alguns desses novos equipamentos será um modelo hatch, do tamanho de um Golf, que será lançado em 2020 com a promessa de alcançar uma autonomia de 600 quilômetros por carga.

Enquanto isso, o ID R seguirá correndo. Depois de Pikes Peak, sua próxima aparição será no tradicional Festival de Velocidade de Goodwood, na Inglaterra, onde tentará bater um novo recorde de subida de montanha.

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