Como Senna quase ficou fora da F1 em 1990 por briga com a FIA
Para um campeão, uma derrota na briga por um novo título sempre é doída. E se ele se sente prejudicado por uma chamada errada de dirigentes esportivos ou alguma atitude controversa de um rival, é pior ainda. Lewis Hamilton tem sido o protagonista do momento ao demonstrar esse tipo de sentimento e se calar completamente em suas sempre movimentadas redes sociais após perder a disputa para Max Verstappen em 2021. E há 31 anos, Ayrton Senna foi quem passou por isso.
Tudo começou na famosa batida entre o brasileiro e seu nêmesis Alain Prost, no GP do Japão de 1989. O francês fechou o então companheiro de equipe na chicane Triangle, que leva para a reta principal. No caso dos dois ficarem fora da corrida, Prost seria o campeão de forma antecipada, já na penúltima corrida.
Senna conseguiu religar sua McLaren, mas voltou passando por trás da chicane pela área de serviço. Ele parou no box, trocou o bico quebrado de sua McLaren, e retornou em segundo. Ele fez a ultrapassagem no novo líder, Alessandro Nannini, a três voltas do final e venceu a corrida. Antes do pódio, no entanto, os comissários de prova anunciaram a desclassificação do brasileiro por cortar caminho ao retornar à pista sem contornar a chicane por dentro do traçado. O título estava decidido.
Senna e a McLaren (que já tinha perdido Prost para a Ferrari para 1990) entraram com um recurso. Sendo assim, ainda existia uma chance jurídica do sul-americano reverter a situação e ficar com o título. Porém, essa pequena esperança acabou de vez quando Senna bateu no GP da Austrália, duas semanas depois. Sem a vitória na prova no circuito de Adelaide, mesmo que sua desclassificação de Suzuka fosse revertida, ele não tinha os pontos necessários para conquistar o campeonato.
De qualquer maneira, Senna se sentiu bastante prejudicado por toda a situação. Cinco dias depois da prova na Austrália, em 10/11, ele disparou contra a direção da FISA (braço esportivo da FIA que administrava a regulamentação de provas de automobilismo na época), comandada pelo polêmico Jean-Marie Balestre.
“Ficou claro que a pressão de grupos políticos e econômicos manipulou nos bastidores para fazer de Prost o campeão mundial”, disse o brasileiro em uma coletiva já em seu país.
Senna foi convocado pela FISA no dia 6 de dezembro para uma conversa com Balestre e fechar uma trégua. Só que ele não mostrou arrependimento por suas declarações contra a decisão de Suzuka e o dirigente francês. O resultado foi que no dia seguinte o Conselho Mundial da FISA votou por não aceitar a renovação da Superlicença do brasileiro para 1990 enquanto ele não se retratasse publicamente. Sem o documento, ele não poderia competir.
O lado de Senna
Aqui, a história se divide em dois lados. Primeiro, vamos contar o lado do piloto, que, segundo relatos, teria considerado abandonar a F1 diante de todo o caso e por se sentir perseguido e prejudicado pelo sistema. “Fui tratado como um criminoso. Isso é totalmente inaceitável”, disse Senna em coletiva ainda na Austrália.
De volta ao Brasil para as férias de final de ano, ele teria deixado em aberto seu futuro ao chefe da McLaren, Ron Dennis, dizendo que precisaria refletir sobre o que faria no ano seguinte. Em entrevista ao documentário “Senna”, de 2010, Dennis confirmou que teve que convencer o piloto a seguir adiante.
“Eu o deixei sozinho por um tempo. Então, gentilmente, o persuadi, dizendo que se ele era fiel aos seus valores, que se ele acreditava que seus valores eram os corretos, então, fugir das forças sombrias que ele estava enfrentando não era uma opção”, contou o dirigente.
Em uma entrevista à emissora inglesa BBC, em fevereiro de 1990, durante os testes de pré-temporada e com a situação já solucionada, Senna colocou, no entanto, outro ponto de vista. Em que ele teria deixado a decisão nas mãos da McLaren e da Honda para decidirem se valia a pena seguir batendo de frente com a FISA ou se preferiam desistir da batalha jurídica e de narrativa, mas ao mesmo tempo abrir mão de ter o brasileiro correndo.
“Eu não apenas considerei [deixar a F1] como fiz a proposta, no último minuto esse mês, em fevereiro. Que eu estava preparado para parar e, assim, todas as partes envolvidas, a McLaren, a Honda e todos os patrocinadores, teriam um fim automático para essa disputa e tudo ficaria quieto”, disse Senna. “A outra opção era continuar e lutar. Eu apresentei essas duas opções tanto para o Ron Dennis quanto para o Senhor Kawamoto, vice-presidente da Honda, para eles decidirem. Para eles tomarem a decisão, e qualquer que fosse a decisão, eu iria aceitar completamente em paz”, continuou.
Ao ser questionado sobre o que ele, pessoalmente, gostaria de fazer, ele deixou claro que sempre quis continuar. “Meu instinto é de ir em frente e lutar, pois acho que meu conhecimento pessoal e minha crença é que se você acredita em algo, se você tem princípios, você deve ir até o fim. E até que isso não esteja terminado, você não desiste”, declarou.
A “luta” que Senna se refere é o outro lado dessa história, que não estava nas mãos apenas do piloto, e que envolvia o orgulho dele, de Balestre e até mesmo do chefe da McLaren, Dennis.
A batalha com a FISA
Como explicamos antes, em dezembro de 1989, o Conselho Mundial da FIA resolveu negar a Superlicença a Senna até que ele pedisse desculpas e voltasse atrás de suas críticas e acusações ao presidente da entidade, Balestre, de manipulação do resultado do campeonato de 1989. O dirigente, para mostrar seu poder, ainda chegou dar declarações durante o mês de dezembro que, se quisesse, Senna poderia correr na F3000, que era a F2 da época.
A McLaren também esteve na mira do francês por ter entrado na justiça comum contra a decisão do GP do Japão, mesmo Senna não tendo mais chances matemáticas de vencer o campeonato.
Em 31 de janeiro de 1990, a FISA rejeitou a inscrição dos dois carros da McLaren para a próxima temporada, alegando que Senna ainda não tinha feito seu pedido público de desculpas à entidade e que a multa de U$ 100 mil imposta ao brasileiro por direção perigosa em Suzuka ainda não tinha sido paga.
Percebendo que nem Senna ou Balestre iriam recuar, a McLaren acabou pagando a multa e teve a confirmação de sua inscrição pela FISA, com Gerhard Berger em um dos carros e um piloto “ainda a ser anunciado” no outro.
No último dia de inscrições dos pilotos, em 15 de fevereiro, a FISA então emitiu uma lista de competidores com Berger e Jonathan Palmer (piloto de testes da equipe) como pilotos da McLaren, indicando que Senna realmente ficaria fora da F1. Apenas duas horas depois, no entanto, a FISA publicou uma nova lista, dessa vez com o brasileiro confirmado ao lado de Berger na equipe de Ron Dennis. A própria entidade ainda comunicou uma declaração do piloto.
“Durante o encontro do Conselho Mundial da FISA em que participei em 7 de dezembro de 1989, eu ouvi declarações e testemunhos de várias pessoas. E dessas declarações pode-se concluir que elas provam que nenhuma pressão de um grupo ou do presidente da FISA influenciaram as decisões sobre os resultados do Campeonato Mundial de 1989 da F1.”
É preciso atentar que em nenhum momento Senna pediu desculpas por suas declarações, mas a FISA interpretou o comunicado como suficiente para conceder a Superlicença ao piloto para a temporada de 1990.
Não muito depois, no entanto, Senna emitiu um comunicado usando a sua própria equipe de comunicação, explicando que a declaração fazia parte de um acordo com a FISA e deixando claro que foi a McLaren, e não ele, que pagou a multa imposta no GP do Japão. Obviamente que a nova declaração não caiu bem para Balestre, que voltou a ameaçar a licença do piloto e até mesmo o GP do Brasil, que voltaria a São Paulo, cidade de Senna, naquela temporada.
Como se sabe, no final, nada mais aconteceu e o campeonato começou com Senna e Berger competindo pela McLaren. E, como a história conta, na penúltima etapa de 1990, o brasileiro bateu propositalmente em Prost, em uma forma de vingança, para vencer o campeonato.
Em 1996, em entrevista ao jornal francês L’Equipe, Balestre finalmente admitiu que ajudou Prost na decisão de 1989. “Eu lhe dei uma mão para a conquista do título em Suzuka… Mas Senna também cometeu uma falta naquele dia”, disse o já ex-dirigente.
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