(Foto: Ferrari)

Spa escancara que problema da Ferrari em 2020 vai muito além do motor

O GP da Bélgica de 2020 se tornou não apenas mais um final de semana ruim para a Ferrari como também um verdadeiro constrangimento. Nenhum dos carros da equipe passou ao Q3, fase final da classificação, no sábado e ainda ambos terminaram a corrida, sem grandes eventualidades, fora da zona de classificação.

Para piorar a situação, tanto Sebastian Vettel, 13º, como Charles Leclerc, 14º, ainda receberam a bandeira quadriculada atrás da Alfa Romeo de Kimi Raikkonen, 12º, que também utiliza motor da Ferrari. Isso comprova que o problema do time vai muito além da falta de potência.

Sim, o propulsor é um dos grandes déficits de desempenho do time italiano, porém, as características do circuito de Spa exacerbaram outras falhas da equipe, especialmente quanto ao equilíbrio do modelo SF1000. O carro tem claros problemas de equilíbrio e não consegue colocar os pneus na faixa de temperatura ideal para funcionamento e assim aumentar a aderência mecânica.

Características do circuito de Spa que atrapalharam a equipe

Um dos mais tradicionais circuitos da F1, Spa-Francorchamps é sempre lembrado por ter uma volta muito grande, de mais de 7 km. Isso normalmente faz com que as diferenças entre os carros fiquem ainda mais claras no tempo total de volta. Além disso, o traçado tem um trecho intermediário bastante particular que normalmente dá bastante dor de cabeça para pilotos e engenheiros acertarem seus modelos.

Como vemos no mapa, entre a linha de partida/chegada (onde tem a bandeira quadriculada) até o final do primeiro setor (S1) existe um ponto de baixa, a curva 1 (La Source), e depois se segue para um enorme trecho de aceleração plena que começa em descida e depois passa por uma forte subida até o final da reta Kemmel, passando pelas famosas Eau Rouge e Raidillon.

Nesta parte do circuito se destacam os carros com boa velocidade máxima. Isso quer dizquer que é só ter um motorzão? Não necessariamente. Ajuda, porém, o arrasto aerodinâmico do chassi faz uma enorme diferença.

Em seguida, os pilotos partem para o segundo setor do circuito. E aqui está a pegadinha de Spa. A sequência de curvas que começa na 5 (Les Combes) e vai até a 14 (Campus) cheia de tomadas de média velocidade e algumas freadas, exige que os carros tenham bom equilíbrio. Para último setor, temos novamente um grande trecho em aceleração, com uma forte freada para a chicane antes da reta dos boxes.

Acertar o carro para andar bem tanto nos trechos de alta velocidade como no setor intermediário não é fácil. E se você tentar um balanço de desempenho muito grande entre os trechos, pode ficar com um pacote que perde para os rivais em todos os pontos. Por isso, dependendo das características de nascimento de cada conjunto, as equipes preferem focar em um ou outro setor.

A Mercedes, por exemplo, mesmo tendo um bom motor, já vem desde 2019 apostando em um carro com grande pressão aerodinâmica para andar bem em curvas de baixa e média. Tanto que os dois carros do time marcaram as duas piores velocidades registradas no primeiro setor durante a corrida, com Lewis Hamilton passando a 307 km/h e Valtteri Bottas a 310 km/h contra 323 km/h da melhor passagem, de Daniil Kvyat, da Alpha Tauri-Honda. Lando Norris, da McLaren-Renault, foi o piloto que fez o melhor tempo no primeiro setor durante a prova, 30s576, e bateu a segunda melhor velocidade no speed trap, com 322 km/h.

Só que aí vemos onde a estratégia da Mercedes é compensada. No setor intermediário, o melhor tempo de Hamilton é 0s8 melhor do que de Norris. Ou seja, quase um segundo em apenas um setor. E os dois ficaram praticamente empatados no terceiro setor. Isso se tratando de corrida, em que existe administração, é uma diferença gritante.

O grande problema da Ferrari é que ela não consegue andar bem nem no setor de alta nem no setor que exige um chassi no chão. É realmente uma passagem para o inferno.

A luta da Ferrari em Spa

Em 2019, o carro da Ferrari tinha com conjunto em que andava muito bem nos trechos de alta velocidade, mas sofria muito em circuitos de setores de média e baixa. Para 20, a equipe teve que ajustar seu motor após um acordo secreto com a FIA, e ainda decidiu tentar fazer um chassi com mais pressão aerodinâmica. A mudança se mostrou um desastre desde o começo e time não só deixou de brigar por vitórias com a Mercedes como tem sofrido no pelotão intermediário. Em Spa, o cenário foi ainda pior

Vencedora das últimas das edições de 2018 e 19 do GP da Bélgica, o time sabia que sua situação nesta temporada era bastante diferente porque vem sofrendo desde o começo do campeonato com a falta de velocidade em reta. A decisão inicial foi então de fazer um acerto no carro com pouco arrasto aerodinâmico para andar melhor nos longos trechos de aceleração.

A medida até que trouxe resultado na sexta-feira ao olharmos os tempos do time no primeiro setor. Só que exacerbou outro problema do carro: a falta de equilíbrio nas curvas e freadas. Se o time andou até melhor do que Mercedes e junto da McLaren no primeiro trecho, como mostra o quadro, tomou 1s8 do time alemão e 1s do inglês no segundo setor. Isso tudo em UM SETOR do traçado.

Ferrari perdeu muito para os rivais no segundo setor de Spa nos treinos livres de sexta

Obs: A escolha do comparativo com Hamilton e Norris é porque o primeiro ficou com o melhor tempo no Q2, fase da classificação em que a Ferrari ficou fora na classificação, e o segundo terminou em 10º, posição necessária para passar ao Q3.

Ou seja, utilizar um pacote de alta até colocou a Ferrari no jogo no primeiro trecho, mas causou um desastre no segundo irrecuperável. Isso porque além de perder o pouco equilíbrio que tem no carro pela aerodinâmica, quando chega no segundo setor, os pneus simplesmente não estavam suficientemente aquecidos e o carro também não gera aderência mecânica. A equação, por mais velocidade de reta que consiga fazer, simplesmente não fechava.

A Ferrari resolveu então fazer uma mudança para o sábado e apostar em um carro com um pouco mais de pressão. Os engenheiros e pilotos do time sabiam que isso poderia ser um problema na corrida para fazer ultrapassagens e defender posição na corrida, porém, tinham como objetivo tentar melhorar um pouco a posição no grid, pois já percebiam que existia a chance de real de sequer passarem do Q1(!).

Tudo certo na teoria, só que aí vemos como o carro do time é ruim e os problemas vão muito além do motor. A Ferrari até continuou próxima dos adversários no primeiro setor, só que agora um pouco mais atrás, e não melhorou como esperava no segundo. Se aproximou, mas a perda de tempo continuou considerável.

Mesmo com ajustes, Ferrari continuou perdendo para os rivais no sábado em Spa

O time passou raspando para o Q2 na classificação de sábado, superando basicamente outros carros que usam motor Ferrari e uma das Williams, e nem teve chances de entrar no Q3.

Na corrida, Vettel e Leclerc tiveram um carro que não ultrapassava ninguém nas retas e era absolutamente vulnerável na defesa de posição, e também não tinha equilíbrio no setor intermediário para fazer pelo menos bons tempos de volta. Um vexame completo que acabou com os carros da equipe de Maranello, a duas etapas de “celebrar” seus mil GPs na F1, se arrastando de forma vexatória e sem poder nenhum contra times do pelotão intermediário.

A situação deve ser um pouco menos pior em pistas em que a Ferrari não precise fazer tantas compensações para um lado ou para outro. Spa realmente exacerbou os problemas, que não se mostraram tão graves outras pistas. Porém, o time, se não tiver atualizações e ajustes urgentes em seu carro, dificilmente devemos ver a Ferrari lutando por pódios sem ajuda de eventualidades e problemas de rivais, como já vimos por duas vezes em 2020.  

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