Em 1978, Fittipaldi fez a festa da torcida brasileira com segundo lugar em Jacarepaguá

O dia em que Fittipaldi consumou um dos maiores feitos do Brasil na F1

Dia 29 de janeiro de 1978. Nesta data, foi escrita uma das histórias mais relevantes do automobilismo nacional: no autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, Emerson Fittipaldi conseguiu o segundo lugar no GP do Brasil com o Copersucar-Fittipaldi F5A.

A temporada de 78 começou com o prenúncio do domínio da Lotus, com o seu modelo 78 e a introdução plena do efeito-solo. Não que fosse algo novo e que muita gente vinha “tateando” há alguns anos, mas a equipe de Colin Chapman conseguiu aproveitar melhor as possibilidades do conceito e Mario Andretti, embora tenha abandonado várias vezes, conseguiu ganhar 4 corridas no ano anterior.

A Brabham era outra que merecia ser levada a sério, já que contratou Niki Lauda, campeão em 75 e 77. A indefectível Ferrari, que contava com Carlos Reutemann e trazia Gilles Villeneuve no segundo carro, mesmo após uma estreia conturbada.

A Fittipaldi partia para a temporada de 78 com grandes expectativas. Em 77, a equipe anunciou a contratação de Ralph Bellamy, um dos projetistas da Lotus responsáveis pelo 78. Como o tempo era curto e a Copersucar fazia pressão, os Fittipaldi resolveram ir à Itália e contratar o Studio Fly, composto por dois ex-engenheiros da Ferrari: Giacomo Caliri e Luigi Marmiroli, para “remendar” o F5, carro usado na temporada de 77.

O F5 nada mais era do que uma cópia melhorada do Ensign N176, feito pelo mesmo projetista, David Baldwin. Mas os problemas eram tantos (culminando em duas não-classificações) que o inglês foi mandado embora pouco depois da estreia do carro. Mesmo assim, os irmãos apostaram na base do modelo e assim teve origem o F5A, que aproveitava a estrutura anterior, mas incorporava o conceito do efeito solo (isso se observa pelo formato das laterais).

Como o habitual dos anos 70, a temporada começou na América do Sul. Em 15 de janeiro, a primeira prova foi disputada na Argentina, com Mario Andretti ganhando com uma certa facilidade e Niki Lauda com uma Brabham/Alfa provisória (o revolucionário BT46 não aprovou nos testes iniciais e a equipe teve que adaptar o BT45 aos novos motores) ficou em segundo, com Patrick Depailler da Tyrrell em terceiro. Fittipaldi chegou em nono lugar, após ter largado em décimo sétimo. Um resultado aceitável diante das dificuldades enfrentadas em 77.

Chegada ao Rio de Janeiro

As equipes desembarcaram no Brasil para a segunda corrida, duas semanas depois. Mas ao invés de irem para São Paulo, como habitual, seguiram para o Rio de Janeiro. Após uma série de desacordos com a organização e problemas de infraestrutura (o asfalto saindo da Curva 3 e causando o abandono de sete carros por acidente), a corrida foi transferida para o recém-inaugurado Autódromo de Jacarepaguá.

Que alegria para a brava gringalhada! Rio de Janeiro em pleno verão! Pena que não era para turismo…A Muy Leal e Heroica Cidade de São Sebastião recepcionou a F1 com um verão de manual: sol a pino, com os termômetros marcando mais de trinta graus e o asfalto batendo mais de cinquenta.

Como se tratava de uma pista nova, houve um treino extra de reconhecimento. E Emerson conseguiu um ótimo quarto lugar. Como era de costume, a Fittipaldi praticamente se mudava para o circuito nas etapas brasileiras, se aproveitando da proximidade com a fábrica. Tanto que para esta prova especifica, a equipe contava com um carro reserva.

Para auxiliar, a Goodyear cedeu à equipe jogos de pneus que normalmente ela passava para os clientes “especiais”. A equação desta vez acabou dando liga: confirmando o bom desempenho, na classificação de sexta-feira, Fittipaldi conseguiu um ótimo terceiro.

A euforia voltava entre a torcida brasileira: será que o nosso campeão conseguiria voltar às vitórias com um carro feito por ele mesmo? O clima de festa continuou no sábado. No treino livre, a equipe optou por testar acertos mais voltados para a corrida. Mas mesmo assim, o carro mostrou um ótimo desempenho.

Emerson e o Copersucar-Fittipaldi no histórico GP do Brasil de 1978
Emerson e o Copersucar-Fittipaldi no histórico GP do Brasil de 1978

Só que em meio a tanto otimismo, surgiu o primeiro problema: no final do treino, o F5A teve uma quebra do semieixo traseiro. Ao ficar parado quase na entrada do box, Emerson pediu para que o carro fosse empurrado, o que o regulamento proibia durante a corrida, mas não deixava claro se também durante os treinos. Como a direção de prova não permitiu, uma confusão começou e o piloto deu uns safanões em um fiscal, conhecido como “Pulguinha”.

Resultado foi que os mecânicos não conseguiram terminar o serviço a tempo e Emerson não pôde treinar para tentar melhorar seu tempo. Ao final da classificação de sábado, ele ficou com o sétimo lugar, o que não significava um resultado ruim para a Fittipaldi, dado o histórico da equipe. Além disso, o brasileiro levou uma multa de US$ 2.500,00 pela agressão ao fiscal.

O show de Fittipaldi em Jacarepaguá

O domingo chegou. Jacarepaguá foi tomada por cerca de 60.000 pessoas para assistir ao grande desfile de carros em alta velocidade e para torcer por Fittipaldi. Quem sabe uma vitória? Aquele calor todo não poderia nos ajudar?

O semieixo havia sido consertado e Emerson foi para o warmup (sim, naquela época ainda tínhamos treino de aquecimento na manhã das corridas). O carro estava bom como jamais esteve, fazendo tempos próximos de Lotus e Ferrari. Seria este o grande momento? Afinal, em 76, fizeram um ótimo treino, mas uma peça de US$ 25 pôs tudo a perder; em 77, uma corrida estratégica junto com a carnificina da Curva 3 os levou a um quarto lugar.  Ali poderia ser a hora de marcar história. E o segundo problema surgiu.

Ao sair para a volta de alinhamento, o F5A titular simplesmente não funcionou. O motor de arranque quebrou. Não daria tempo de consertar. Todo o esforço feito ao longo daquele fim de semana parecia se esvair em poucos momentos. A única opção era usar o F5A reserva, que não havia andado nenhum metro na pista e não contava com os ajustes para refrigeração para o piloto, mas que, pelo menos, estava com todos os acertos feitos durante os treinos no titular.

Às pressas, Emerson pulou no carro e foi para a pista. Wilsinho Fittipaldi, então chefe de equipe, ficou apreensivo esperando o retorno do carro para saber se todo o trabalho não foi em vão. O F5A amarelo número 14 se posicionou em seu lugar no grid de largada. E vem o veredicto: este carro está tão bom quanto o outro. As esperanças se renovam.

Os 24 carros qualificados alinharam. Na primeira fila, Ronnie Peterson (Lotus) e James Hunt (McLaren); Mario Andretti (Lotus) e Carlos Reutemann (Ferrari) na segunda; Patrick Tambay (McLaren) e Gilles Villeneuve (Ferrari); na terceira; Fittipaldi vinha na quarta fila, ao lado de Alan Jones, da Williams.

Quando o diretor de prova Mario Patti deu o sinal verde, Reutemman pulou na frente enquanto Emerson fez uma ótima largada, terminando a primeira volta em 5º lugar. Hunt, Andretti e Peterson andavam juntos. O inglês fazia malabarismos para se manter à frente, só que com isso desgastou seus pneus, que sofriam com o forno que estava Jacarepaguá. Andretti, Peterson e Fittipaldi acabaram o deixando para trás.

Àquela altura, era o melhor desempenho da Fittipaldi até então, mostrando que o bom desempenho apresentado nos treinos não era fogo de palha. Emerson vinha acompanhando Peterson e no final da reta, na 12ª volta, o Fitti F5A ultrapassou o Lotus 78, assumindo a terceira colocação.

A situação ficou mais cômoda quando Peterson e Villeneuve se enroscaram na 15ª volta. Isso permitiu a Fittipaldi ter uma tocada mais segura e manter uma distância próxima de Andretti. E um terceiro problema surgiu: o peso do balanceamento de uma das rodas começou a sair do lugar, o que iniciou uma séria vibração no carro, dificultando a condução.

Enquanto isso, Reutemann ia em ritmo de cruzeiro tocando a sua Ferrari e parecia que a situação ficaria desta forma até o final, já que as diferenças se mantinham. Só que a velha máxima “Deus é Brasileiro” se materializou: Andretti começou a enfrentar problemas com seu câmbio e a partir da volta 53, a diferença, que era de 8 segundos, começou a cair.

Em quatro voltas, Emerson se aproximou e ultrapassou o ítalo-americano, conseguindo a segunda posição para delírio do público nas arquibancadas de Jacarepaguá. De acordo com o brasileiro na coluna que mantinha na revista Quatro Rodas, foram as sete voltas seguintes até o final foram as mais longas de sua vida até então.

E o problema de vibração foi ficando cada vez pior, com o pneu dianteiro praticamente na lona, correndo risco de deixar o carro parado na pista a qualquer momento. O público não sabia de nada disso e começou a invadir a pista. A última volta já teve uma multidão no meio da reta e quando Fittipaldi cruzou, já quase não havia espaço para mais carro.

A partir deste momento, tudo virou festa: Maria Helena (esposa de Emerson) chorando de emoção; Wilsinho Fittipaldi fumando um charuto imenso dado por um amigo e o pódio foi comemorado como se Emerson tivesse ganho a prova. Uma catarse coletiva na Zona Oeste carioca. Quase ninguém se lembra que o argentino Reutemann venceu a corrida de ponta a ponta.

Este acabou sendo o melhor resultado da história da equipe, que conseguiu um outro segundo lugar em uma corrida extracampeonato na Inglaterra, e mais dois quartos e quintos lugares, totalizando 17 pontos e ficando em sétimo lugar na tabela de construtores, à frente de McLaren e Renault (sem contar a Williams, que fazia seu primeiro ano como a equipe que conhecemos hoje) e somente 2 pontos atrás da Ligier.

O esforço empreendido pelos irmãos Fittipaldi acabou sendo por muitas vezes ridicularizado e até hoje não tem o devido reconhecimento, embora nos últimos anos várias ações vêm sendo tomadas, como a restauração dos FD01 e FD04. Mas, de qualquer maneira, o segundo lugar em Jacarepaguá, com uma equipe tupiniquim, será sempre lembrado com carinho como um dos momentos mais importantes da história do automobilismo brasileiro.

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