
Da glória à agonia: como a Lotus original desapareceu da F1?
O nome “Lotus” cravou sua marca na história da F1 como sinônimo de excelência, inovação e vitórias. Desde os seus tempos áureos, com nomes como Jim Clark e Emerson Fittipaldi, até uma passagem relativamente recente, a Lotus teve presença firme em diferentes eras do Mundial.
No entanto, a cronologia da equipe original, fundada por Colin Chapman, chegou ao seu fim no término da temporada de 1994. Cerca de 12 anos depois da morte de seu criador, a Lotus flertou com o sonho de se manter como equipe de ponta, mas, pouco a pouco, perdeu terreno até agonizar e fechar as portas.
Mas como que a Lotus original chegou ao fim na F1? Começamos na virada da década de 70 para a de 80, e contextualizando um aspecto importante da história da Lotus.
O império do lendário fundador, Colin Chapman, podia ser dividido em duas empreitadas diferentes: o Team Lotus, a sua equipe de corridas, e a Lotus Cars, dedicada à construção de carros de rua.
Dentro da pista, a Lotus era conhecida por seu espírito inovador, tendo conquistado seu título mais recente em 1978, com Mario Andretti, no auge da corrida pelo efeito-solo.
Já no mundo corporativo, a Lotus Cars havia fechado uma parceria com o americano John DeLorean, idealizador do lendário DeLorean DMC, para desenvolver novos carros de rua na Irlanda do Norte, e com apoio financeiro do governo britânico.
No entanto, em 82, alguns acontecimentos mudaram o curso da história. DeLorean foi preso por tráfico de drogas, em uma investigação conduzida pelo FBI. Além disso, a justiça descobriu que parte do dinheiro dado pelo governo britânico para o desenvolvimento dos novos carros havia desaparecido.
Quando o cerco das investigações estava apertando, Chapman faleceu de forma repentina, com um infarto fulminante, apenas aos 54 anos de idade. A morte de Chapman é cercada de mistério e teorias.
A Lotus pós-Chapman
Com as contas atrasadas e a perda trágica de seu fundador, a Lotus precisou passar por importantes adaptações para sobreviver. Primeiro, Peter Warr, o então diretor esportivo, foi nomeado como chefe de equipe.
E foi quando algumas alianças importantes surgiram: a Lotus abraçou a era turbo com os motores Renault, e trouxe Gérard Ducarouge para liderar o seu departamento técnico. Isso, estreitando a parceria com a John Player Special, fez a Lotus viver a sua última fase de real competitividade na F1.
Com a chegada de Ayrton Senna, a Lotus obteve suas últimas vitórias e o último sonho de lutar pelo título, incluindo o ano de 87, já com os carros amarelos e motores Honda. Mas a partir dali a Lotus nunca mais foi a mesma, quando se deu início à sua real decadência.
Em 88, contando com Nelson Piquet no lugar de Senna, a Lotus tinha um carro problemático, com fraquezas grandes na estrutura do chassi. Foi o ano em que o time conquistou seus últimos pódios, mas, em todos eles, sem chances realistas de lutar pela vitória.
Ducarouge foi demitido do time, e, com o fim da era turbo, os motores Honda foram substituídos pelos muito mais modestos Judd. A Lotus foi apenas a sexta colocada no Mundial de Construtores em 89, inclusive sem conseguir se classificar para o GP da Bélgica, em um vexame histórico.
Warr deixou o posto de chefe de equipe, sendo que Piquet se mandou para a Benetton, o que fez a Lotus de novo passar por uma fase de transição.
Repaginada em busca de um último suspiro
Em 1990, a dupla de pilotos passaria a ser completamente nova, e a patrocinadora Camel ajudou a bancar um contrato pelos motores V12 da Lamborghini. Mas, de novo, o chassi era um problema – já que eram uma adaptação do modelo do ano anterior.
A partir dali, ficava claro que a Lotus passava a ser uma equipe de meio para fundo do pelotão. Em 90, ela nem sequer conseguiu ser a melhor equipe com motores Lamborghini, sendo superada no Mundial pela Larrousse Lola.
A Camel também encerrou o acordo de patrocínio, o que teria um impacto enorme nas finanças do time. No geral, o período foi marcado por acidentes graves, com Derek Warwick na Itália e Martin Donnelly na Espanha, que já detalhamos aqui no Projeto Motor.
Era um momento extremamente delicado para a sobrevivência da Lotus. Assim, quem assumiu o comando do barco foi Peter Collins, que pegou um empréstimo no banco, e encabeçou a adaptação do carro anterior da Lotus a um motor V8, criando o modelo 102B, e de novo empurrado pelas unidades da Judd.
Foi neste contexto que houve a estreia de um promissor Mika Hakkinen, campeão da F3 Inglesa, enquanto a outra vaga passou na mão de três pilotos diferentes. O momento alto foi em Imola, com ambos os carros nos pontos, mas ainda era muito pouco perto do que o time um dia já havia rendido.
Para se ter uma ideia, em nove provas, um carro do time não conseguiu se classificar para o grid. De toda forma, o objetivo era sobreviver e iniciar uma recuperação – o que aconteceu com a compra de um túnel de vento que antes pertencia à Williams.
Além disso, também se investiu no desenvolvimento de uma nova versão de uma suspensão ativa, tecnologia que em que a Lotus também havia sido pioneira na década anterior.
Assim, a grande aposta da Lotus para 92 foi o modelo 107, que ostentava uma elegante pintura verde e amarela, que nem os carros clássicos da Lotus, e contava com mais patrocinadores do que na temporada anterior.
Mais do que isso, o carro já tinha aplicado aquele sistema mais simples da suspensão ativa, o que prometia dar uma vantagem competitiva. Por debaixo da carenagem, a equipe sondou usar motores V10 da Judd, e até testou na pista um V12 da Isuzu, mas acabou recorrendo aos confiáveis e econômicos V8 da Ford Cosworth, em uma versão inferior às unidades de fábrica da Benetton.
Foi um belo e necessário respiro para a Lotus. Juntos, Hakkinen e Herbert anotaram 13 pontos, com destaque para dois quartos lugares para o finlandês. Isso colocou a Lotus no quinto lugar no Mundial de Construtores, o seu melhor resultado desde que perdeu o apoio da Honda.
O bom desempenho também valorizou as ações de Hakkinen no mercado de pilotos, e a Lotus viu nisto uma oportunidade de levantar dinheiro. Quem levou foi a McLaren, que contratou o piloto quando ainda não sabia se teria Senna em 93.
Mas o momento, mesmo animador, ainda exigia cautela. Apesar de contar com alguns patrocinadores sólidos, as finanças do time ainda estavam apertadas, e isso em uma fase da F1 onde houve grande desenvolvimento da eletrônica embarcada.
A Lotus chegou para a temporada de 93 com uma nova versão de seu carro de 92, e ainda contando com sua versão da suspensão ativa. Isso ajudou Johnny Herbert a conquistar dois quartos lugares em corridas na chuva, em Interlagos e Donington Park. Mas, com seu orçamento limitado, a Lotus foi ficando para trás com o passar do ano no desenvolvimento tecnológico.
Mais um susto veio em Spa, quando Alessandro Zanardi sofreu uma falha na suspensão ativa em uma ondulação da Eau Rouge, e bateu forte na barreira de proteção, o que encerrou ali a sua temporada. Ao fim do ano, a Lotus terminou em um razoável sexto lugar entre os construtores, mas com o sinal de alerta ligado para a sua situação financeira.
Isso porque, para 94, a Lotus perdeu o patrocínio da Castrol, e acumulava dívidas com seus credores – só com a Cosworth, a dívida era mais de 1 milhão de libras. Com isso, a Lotus usou nada menos do que seis pilotos diferentes ao longo do ano por questões financeiras.
Entre as notícias promissoras, veio o acordo para ter, com exclusividade, os motores V10 da Mugen Honda, sua quarta fornecedora diferente nos últimos cinco anos.
Mas a Lotus teria de iniciar 94 com mais uma adaptação do modelo 107, e o motor maior e mais pesado comprometeu bastante a distribuição de peso do conjunto. Isso, aliado à perda da suspensão ativa, com o banimento da eletrônica embarcada, fez a equipe perder muita competitividade.
O novo modelo, esse sim concebido pensando no motor Mugen Honda, ficou pronto só em maio, e teve de passar por todas as adaptações de segurança que a F1 introduziu a toque de caixa devido aos acidentes graves que teve naquele primeiro semestre.
Antes disso, a Lotus passou por mais um enorme susto em Silverstone, com um grave acidente envolvendo Pedro Lamy quando este testava o Lotus 107C adaptado às mudanças de regulamento de meados de 94. Segundo a FIA, o português só se acidentou porque a equipe não conseguiu se adaptar direito às mudanças.
Com isso, voltou Zanardi ao cockpit, e por um tempo a Lotus teve de se dividir, com apenas Herbert usando o novo carro. Mas o problema ia muito além disso: sem resultados de destaque e com o prejuízo financeiro só aumentando, a Lotus voltava a ficar em uma situação bastante crítica.
Para se ter uma ideia, ela ainda tinha uma dívida com a antiga fornecedora Cosworth, que a justiça ordenou que fosse paga até dezembro. Outros antigos empréstimos que a Lotus havia feito também começavam a bater na porta.
Foi quando a Lotus começou a abrir as portas para pilotos pagantes, como o belga Philippe Adams, que assumiu o carro de número 11 em Spa e Estoril. Mas, no intervalo destas duas provas, a Lotus anunciou que estava pedindo para entrar em recuperação judicial, tendo já acumulado 13 milhões de libras em dívidas.
Era um último recurso para a equipe ganhar tempo, conseguir terminar a temporada e sair em busca de uma alternativa para conseguir sobreviver. Curiosamente, foi neste período em que o time teve seu melhor momento em 94, quando Herbert colocou a Lotus no quarto lugar no grid em Monza.
Mas o fim da temporada foi em modo de sobrevivência. Com os administradores judiciais no comando da empresa e de olho em levantar dinheiro, a Lotus vendeu o contrato de Herbert para Tom Walkinshaw pouco antes do GP da Europa. Então o piloto fez uma corrida pela Ligier antes de se mudar para a Benetton.
Para o final do campeonato, a solução foi de novo em apostar em um piloto pagante, desta vez com o novato Mika Salo. E foi assim, de maneira discreta, que a Lotus fechava sua última temporada na F1, e sem conseguir marcar um pontinho sequer.
O fim da Lotus original
No fim de 94, David Hunt, irmão do campeão mundial de 76, James Hunt, comprou a equipe e os seus ativos, com o objetivo de manter a Lotus na pista em 95. Nos bastidores, um novo carro vinha sendo desenvolvido em túnel de vento.
Porém, em janeiro de 1995, a Lotus anunciou que, sem recursos financeiros, estaria deixando de competir na F1. Para manter o nome vivo, a lendária marca se aliou à modesta equipe Pacific, mas esta também faliu ao término de 1995.
Foi assim, de maneira melancólica, que a Lotus saiu de cena na F1. O nome e a marca chegaram a voltar no começo dos anos 2010, e em dose dupla, em uma história que já contamos por aqui. Porém, a cronologia original, daquela operação fundada por Colin Chapman, teve um desfecho de baixa, mas que não apagou toda a história de brilho das décadas anteriores.
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