Novato, pós-julgamento e veterano: a epopeia de Castroneves na Indy 500
Helio Castroneves conquistou no último domingo (30) sua tão aguardada quarta vitória nas 500 Milhas de Indianápolis. Desta forma, ele iguala o recorde de triunfos da prova, se juntando a AJ Foyt, Al Unser e Rick Mears.
O brasileiro estava batendo na porta deste clube há mais de uma década, já que conseguiu sua terceira vitória em 2009. Desde então, terminou em segundo em duas oportunidades e entre os dez primeiros em seis edições.
Com o tempo, no entanto, tudo começou a indicar que o recorde não viria mais. Ao final de 2017, após 20 temporadas na Indy (contando quatro na ChampCars/CART), a Penske resolveu deslocá-lo para sua operação na IMSA, categoria americana de endurance. Ele seguiria, no entanto, tendo um carro da equipe garantido para correr nas 500 Milhas. Mas não terminou entre os dez primeiros em nenhuma das três edições seguintes.
Em 2020, a Acura anunciou que encerraria sua parceria com a Penske para seu programa de endurance. Isso fez com que a posição do brasileiro ficasse complicada no time, sem garantias do que fazer. Então, ele resolveu deixar a equipe, colocando fim à relação que durava desde 2000.
Ainda em 2020, ele participou de duas provas pela McLaren na Indy. Para 21, ele correu e venceu as 24 Horas de Daytona pela Wayne Taylor com o protótipo Acura. Mas talvez o que mais surpreendeu a todos foi quando anunciou que competiria pela Meyer Shank Racing em algumas provas da Indy em 2021, incluindo as 500 Milhas de Indianápolis.
A MSR foi fundada em 1989 e tem uma tradição de participações no endurance americano, com duas vitórias gerais na IMSA. Nos últimos anos, a equipe focou nos GTs, com sucesso com seus modelos Acura NSX GT3. Na Indy, no entanto, a operação sempre foi muito pequena e demorou para decolar. O time chegou a anunciar a entrada em 2012 e 13, mas em nenhuma das vezes conseguiu organizar o programa. A estreia aconteceu apenas em 17, através de uma parceria técnica com a Andretti, sendo que até 19, o programa contemplava só algumas provas.
No primeiro ano, a MSR correu apenas nas 500 Milhas de Indianápolis, em 18, participou de três etapas, em 19, de seis. Em 2020, a equipe finalmente correu todas as 14 provas do campeonato. Isso tudo sempre com apenas um carro, conduzido pelo britânico Jack Harvey. Em 21, foi a primeira vez que eles alinharam dois carros no grid, trazendo o experiente Castroneves para competir em seis corridas.
Essa consolidação do time se deu pela parceria cada vez mais forte com a Acura nos GTs – o que deu fôlego financeiro na operação na IMSA – e da entrada de um curioso novo sócio que realizou um aporte na escuderia: a Liberty Media. Isso mesmo, a dona da F1 é uma das acionistas da Meyer Shank Racing desde 2020. E com o investimento, já em setembro de 2020, a equipe começou a construção de uma nova sede de 4 mil metros quadrados na cidade de Pataskala, Ohio.
Assim, a equipe formou um tripé societário-financeiro-técnico importante para entrar de cabeça no programa da Indy. Além de caixa que permitiu a modernização de sua estrutura, ela manteve uma parceria técnica valiosa com a Andretti, o que inclui apoio de engenheiros e desenvolvimento de acerto dos carros, contrato de motores com a Honda, e a chegada do experiente Helio Castroneves para algumas provas, ao lado de Harvey.
E desta forma, o brasileiro conseguiu uma pacote bem interessante para sua nova empreitada na Indy e Indianápolis, mesmo não sendo, pelo menos em uma primeira olhada, uma grande potência. O carro de Castroneves se apresentou sempre bastante competitivo durante os treinos. Na classificação, ele entrou no Fast Nine, os nove mais rápidos que decidem a pole, e ficou com a oitava posição do grid.
Na corrida, Castroneves andou entre os cinco primeiros praticamente o tempo todo, nitidamente fazendo as ultrapassagens quando achava que precisava avançar e segurando o ritmo quando sentia que era melhor. A estratégia foi de sempre andar no vácuo para economizar combustível e no final, ele deu o bote certeiro no concorrente mais próximo, Alex Palou, da gigante equipe Ganassi, para receber a bandeira quadriculada que lhe valeu finalmente o recorde.
O curioso é que se parece que essa vitória teve nuances especiais para Castroneves, os outros triunfos do brasileiro em Indianápolis também tiveram seus contornos especiais. Se durante a carreira, ele se mostrou um piloto de altos e baixos e muitas vezes claudicante perante as chances de grandes conquistas, o paulista criou uma história íntima muito interessante com as 500 Milhas. E convenhamos, se é para criar vínculo com alguma corrida em especial, por que não com a maior de todas?
Em 2001, um surpreendente novato
Ao final da temporada de 1999, Castroneves fechava o ano pela equipe Hogan Racing na 15ª posição do campeonato. Era seu segundo ano na ChampCar (durante essa era, a Indy era dividida em duas categorias rivais) e ele tinha no currículo dois finais no top 3 e duas pole positions, sempre correndo por equipes pequenas.
Helinho não tinha contrato para 2000 e quando a bandeira quadriculada foi dada na última etapa, em Fontana, ele não sabia se teria uma nova chance na categoria americana. Na época, ele era agenciado por Emerson Fittipaldi, com quem depois teve uma séria briga (que incluiu processos judiciais) e a quem ele faz fortes críticas em sua autobiografia, publicada em 2010, pela maneira como o ex-piloto conduziu sua carreira. O brasileiro negociou com as equipes Walker, que estava perdendo Gil de Ferran para a Penske, e Rahal, mas sem sucesso pela falta de verba de patrocínios.
Naquela prova, no entanto, uma tragédia acabou mudando os rumos de sua carreira. A estrela ascendente Greg Moore já tinha assinado para ser companheiro de De Ferran no ano seguinte na Penske. Só que o canadense sofreu um acidente fatal na prova do superoval californiano.
Uma semana depois do final da temporada em Fontana, Castroneves foi chamado para uma conversa com Roger Penske e Tim Cindric, CEO da Penske, e foi convidado para integrar o time ao lado do compatriota De Ferran, que, segundo o relato no biografia de Castroneves, também estava na reunião. Assim, de desempregado e sem perspectivas, Helinho era promovido à uma das maiores e mais importantes equipes da Indy.
A Penske não corrida na IRL, a versão da Indy que na época corrida em Indianápolis. Em 2000, De Ferran foi campeão da ChampCar, organizada pela CART, e Castroneves terminou apenas sétimo no campeonato. Em 01, a equipe resolveu criar uma operação especial para Indianápolis, por conta da importância da corrida. Hélio teve um começo de campeonato forte na ChampCar, superando constantemente De Ferran e dando pinta que brigaria pelo título. Foi nesta condição em que ele chegou para sua primeira participação na Indy 500.
Castroneves largou em 11º, mas logo a corrida passou a ser dominada por ele e seu companheiro, Gil de Ferran. A prova foi paralisada por duas vezes por conta da chuva. Alguns adversários chegaram a ameaçar em certos momentos, mas a dupla da Penske destacadamente mostrava sua força.
No final, os dois brigaram até a linha de chegada, com Castroneves cruzando 0s4 à frente de De Ferran e se tornando o oitavo novato vencedor das 500 Milhas em 90 anos de realização da prova. Para celebrar a conquista, ele escalou o alambrado entre a pista e a arquibancada. O apelido de Homem-Aranha o acompanhou para o resto da carreira.
Bi de Castroneves com ponta de drama e polêmica
Em 2002, após o bicampeonado de Gil de Ferran na ChampCar, a Penske resolveu trocar de lado na divisão da Indy e passou a competir regularmente na IRL. Após as quatro primeiras etapas da temporada, a briga pela ponta da classificação geral estava apertada entre Sam Hornish Jr, da equipe Panther, Castroneves e De Ferran.
Os dois pilotos da Penske largaram fora do top 10 e, diferente do ano anterior, não mostraram um desempenho tão forte na prova. Restou então a Castroneves fazer uma aposta. Na volta 173, a 27 do final, Tomas Scheckter, que liderou 85 voltas, bateu na curva quatro e causou uma bandeira amarela. Os líderes foram para o pit para um último reabastecimento enquanto Helinho resolveu ficar na pista. Assim, ele tomou a ponta, com alguma margem para os rivais, mas tinha uma situação de combustível crítica para chegar ao final da corrida.
A relargada aconteceu na passagem 181, com Castroneves na liderança seguido por Felipe Giaffone e Paul Tracy. Só que com a aproximação do final e sem uma nova bandeira amarela, o brasileiro da Penske começou a ficar com combustível mais baixo e precisando economizar cada vez mais, o que fez com que os adversários se aproximassem muito.
No meio do tráfego, a três voltas do final, Giaffone cometeu um erro e Tracy tomou a segunda posição. A briga deu um respiro para Helinho, mas não por muito tempo. Na penúltima volta, Tracy encostou e chegou a iniciar a manobra para fazer a ultrapassagem por fora na curva três. Ao mesmo tempo, porém, Laurent Redon e Buddy Lazier, que não tinham nada a ver com a briga, bateram na curva um, causando uma bandeira amarela imediatamente.
Do outro lado do circuito, Tracy completou a manobra por fora em Castroneves na curva três. Assim que viu a sinalização de bandeira amarela, o piloto da Penske tirou completamente o pé do acelerador (o que fez muito gente achar que ele tinha ficado sem combustível). Desta forma, Giaffone e o retardatário Dario Franchitti acabaram também o ultrapassando logo em seguida a Tracy.
O canadense então começou a comemorar no rádio a vitória, só que logo recebeu uma mensagem de Barry Green, dono de sua equipe: “Existe um problema”. Acontece que assim que a bandeira amarela foi acionada, o diretor de provas, Brian Barnhart, avisou no rádio geral para todas as equipes: “amarela, amarela, amarela, carro três [número de Castroneves] é o líder”. A interpretação era de que Tracy tinha completado a ultrapassagem sobre o brasileiro após a neutralização da prova.
O piloto da Penske recebeu a bandeira quadriculada lentamente, economizando cada gota de combustível. Tracy e Giaffone, que tinham feito a ultrapassagem e estavam à frente na pista não esperaram o piloto da Penske e foram ignorados na linha de chegada quando completariam a 200ª volta.
Era só o início da confusão. Barry Green protestou da decisão imediatamente após a bandeira quadriculada. No rádio, a Paul Tracy, ele chegou a dizer “eles não vão deixar um de NÓS vencer”, fazendo alusão ao fato de que a Green na verdade era uma das equipes que competiam na ChampCar e participavamm apenas das 500 Milhas de Indianápolis no calendário da IRL.
Cinco horas depois da prova, o resultado foi oficializado com Helio Castroneves como vencedor. A equipe Green fez novo protesto e uma audiência foi marcada para o dia seguinte da prova. Na sessão, os comissários da Indy mantiveram o brasileiro como vencedor. A justificativa foi que as posições na bandeira amarela são definidas pela passagem no último ponto de cronometragem antes da corrida ser neutralizada. Esse ponto era a entrada da curva três, quando o brasileiro e Tracy estavam praticamente lado-a-lado, mas com o piloto da Penske 0s0371 à frente. O canadense completou a manobra, porém, quando passou pelo ponto seguinte de cronometragem, a bandeira amarela já tinha sido acionada.
A Green, no entanto, não desistiu e entrou com uma apelação por escrito. Apesar de admitir que era possível que o sinal de bandeira amarela poderia ter aparecido no volante de Castroneves e o diretor de provas ter avisado no rádio antes da ultrapassagem ser completada, as luzes no circuito teriam aparecido só depois.
Em 2 de julho, mais de um mês depois, Tony George, presidente do Autódromo de Indianápolis, anunciou que o brasileiro claramente ainda liderava a prova quando a bandeira amarela foi acionada e que o resultado seria mantido.
Assim, Castroneves se tornava apenas o quinto piloto da história (e até o hoje o último) a vencer a Indy 500 em dois anos consecutivos. Além disso, ele é até hoje o único a ter conquistado as duas primeiras corridas em que participou.
2009: o triunfo semanas após o fundo do poço
A vitória de Helio Castroneves em 2009 é uma daquelas histórias de volta por cima que o esporte de tempos em tempos nos apresenta. Não por algum motivo dentro da pista, mas pelos problemas que o piloto enfrentou fora dela.
No final de 2008, a Receita Federal americana acusou o brasileiro de não pagar U$ 5,5 milhões em impostos entre 1999 e 2004. Ele já vinha sendo questionado pelo órgão em pelo menos 150 pontos diferentes em seus negócios e procurações as quais ele concedeu a pessoas que faziam seus negócios por ele.
A acusação, que incluía sua irmã e sócia, Katiucia, e seu advogado, Alan Miller, tinha dois flancos. O primeiro era de que o piloto usava uma empresa no Panamá para esconder da Receita americana um patrimônio tributável. A segunda, era que ele fez a Penske depositar parte de seu salário em um offshore na Holanda, que não declarava os recebimentos. Essa, depois, movia o dinheiro para contas em países como Mônaco, que não taxam renda.
Em 3 de outubro de 2008, ele chegou a ser levado à uma audiência vestindo macacão laranja de uniforme presidiário e com mãos e pernas algemadas. Nesta sessão, ele alegou inocência e pagou U$ 10 milhões de fiança (U$ 2 milhões em dinheiro e assinou uma promissória de outros U$ 8 mi) para poder ser liberado. Mesmo assim, ele teria que enfrentar um julgamento com risco de pegar uma pena de até seis anos de prisão sob acusação de evasão e conspiração. Por ser brasileiro, ele também poderia ser deportado e proibido de retornar aos Estados Unidos.
Na argumentação de seu advogado, nem ele, sua irmã ou Miller tinham relação com as empresas citadas e sequer faziam parte de seus quadros de acionistas. Além disso, que Castroneves estava focado em sua carreira e deixava seus negócios serem administrados por outras pessoas, e que assim poderia ter assinado papeis ou dado autorizações sem total consentimento. O pai de Helio e Katiucia também testemunhou afirmando que ele abriu uma empresa de promoções no Panamá para investir na imagem de seu filho no Brasil.
Em 17 de abril de 2009, após seis dias de julgamento, um júri considerou os irmãos Castroneves inocentes da maior parte das acusações por considerar que a acusação não conseguiu provas o suficiente para fazer a ligação entre o piloto e as empresas envolvidas na denúncia. Desta forma, restou apenas uma multa a ser paga para a Receita, que inclusive ficou em menos de 10% do que o órgão alegava que os brasileiros deviam.
Vice-campeão de 2008 na Indy, Castroneves ficou afastado das pistas por um tempo e foi substituído por Will Power na etapa de abertura de 2009, em São Petersburgo. Mas assim que saiu o resultado de seu julgamento, em um comunicado, a Penske, em conjunto com patrocinadores, congratulou o brasileiro e abriu as portas para uma volta.
Ele então pegou um avião em Miami (onde aconteceu o julgamento) e no dia seguinte participou da classificação para a etapa de Long Beach, na Califórnia, da qual ele participou e terminou em sétimo. Na corrida seguinte no Kansas, ele chegou em segundo, 0s7 atrás do vencedor, Scott Dixon.
Ele chegou então em Indianápolis como um dos grandes personagens por tudo que tinha passado nos meses anteriores. E não decepcionou. Conquistou a pole position e passou boa parte da prova em um embate direto com a dupla da Ganassi formada pro Dixon e Franchitti. Nas últimas 50 voltas, ele tomou conta da corrida e venceu com uma margem de quase dois segundos para o segundo colocado, Dan Wheldon.
Era a redenção que já o garantia, com três vitórias na Indy 500, entra os maiores nomes da prova.
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