Senna conquistou três dos cinco pódios da Hart na F1

Hart: a pequena que quase surpreendeu os grandes | Motores independentes #2

Brian Hart foi mais um desses clássicos casos de pessoas que se apaixonaram pelo automobilismo na adolescência, assistindo uma corrida das arquibancadas, tentou ser piloto, mas encontrou sua vocação ligada às corridas de carros fora do cockpit.

O inglês competiu até que com algum sucesso em categorias menores da Inglaterra, passando por Fórmula Junior, F3 e F2, inclusive, com algumas vitórias. Ele chegou até mesmo a participar de uma prova da F1 não válida para o campeonato, em 62, em Crystal Palace, em que terminou em quinto. Um lance com Jim Clark, no entanto, já no final da década de 60, lhe fez perceber que ele deveria focar em outra área do esporte a motor.

“Eu já tinha percebido que não seria uma estrela”, explicou Hart, em uma entrevista em 2004 para a revista Motorsport. “Em Mallory, estava em um Lotus Cosworth 22, à frente de Clark, me dirigindo para a [curva]Gerards, com o pé absolutamente no fundo, quando Jimmy me passou por fora. Ele me olhou e acenou!”

Dois anos depois, em 69, ele fundou a Brian Hart Ltda, escolhendo a preparação e fabricação de motores como seu alvo dentro do automobilismo. E como chegou a isso? Não seria mais natural um ex-piloto se tornar construtor de chassis ou algo assim? Bem, durante o período em que estava ao volante, Hart trabalhou como responsável pelos testes dos motores da Cosworth.

O interesse em propulsores ficou impregnado em seu sangue. Após o lance com Clark, Hart conseguiu um emprego na empresa de aviação Havilland, onde ele recebeu treinamento em projeto e construção de motores para aviões. Ele ainda voltou à Cosworth, agora como engenheiro, para uma rápida passagem antes de começar sua própria firma.

Brian Hart, de piloto frustrado a fabricante de motores da F1
Brian Hart, de piloto frustrado a fabricante de motores da F1

O começo da emprensa Hart foi com a preparação de motores Ford FVA, fabricados pela Cosworth, para times ingleses da F2 e outras séries menores. Os bons resultados fizeram com que a companhia fosse contratada pela Ford para desenvolver e preparar uma nova série de motores, o BDA, que seriam utilizados no programa de rali e da F2 da marca nos modelos no começo dos anos 70, enquanto a Cosworth estava concentrada em seu DFV na F1.

Com resultados ruins até 71, a Ford queria que o modelo de 1,6 litro ganhasse uma versão de 2 litros. Mas não foi só isso que Hart fez. Com sua experiência em materiais que eram utilizados na indústria aeroespacial, na Havilland, o engenheiro inglês apostou em uma versão utilizando novas ligas na fabricação do motor e anéis de pistão cromados. As vitórias e títulos vieram logo de cara na temporada de 72, tanto no offroad como dentro das pistas, deixando todos na companhia americana bastante impressionados.

No meio da década, porém, a Ford, de olho nos altos investimentos de alguns concorrentes na F2, especialmente a BMW, resolveu diminuir sua participação. Foi quando Hart sentiu pela primeira vez a oportunidade de se lançar como fabricante, produzindo seu primeiro motor inteiramente caseiro: o 420R.

O novo propulsor de 2 litros ganhou algumas corridas tanto em 77 quanto em 78 e se tornou um sucesso comercial considerável para a empresa, que recebeu diversos pedidos de equipes da categoria e outras em que ele se encaixava.

Em 1980, a Toleman, campeã europeia de F2, resolveu entrar na F1 e pressionou a Hart para ser sua parceira na empreitada. De repente, a empresa se viu em uma posição de ter que enfrentar grandes fabricantes do setor automotivo com uma estrutura de apenas 30 pessoas.

Para piorar, a F1 vivia o começo da explosão dos turbos, que até 1983, se tornariam dominantes no grid. Hart nunca tinha trabalhado com o sistema em toda sua vida, e teria que encarar o desafio.

Para a estreia, em 1981, ele desenvolveu uma versão do 420R de 4 cilindros com 1,5 litro com turbo. Logo de cara, o propulsor se mostrou longe da potência dos rivais e com problemas de confiabilidade. Pilotos e o projetista do carro, Rory Byrne, entraram em rota de colisão com Hart, que sem recursos suficientes, não tinha como desenvolver mais seu equipamento.

Mesmo assim, ele seguiu a cada ano buscando novas ideias, e até 1984 conseguiu um ganho considerável de potência. Para aquele ano, ele entrou na casa dos 700 cavalos de potência, algo próximo do que as principais marcas estavam tirando de seus propulsores em corrida (em classificação, muitos já passavam dos 950).

Além disso, naquela temporada, o time ganhou destaque pela estreia de Ayrton Senna, que surpreendeu muita gente com seu trabalho junto com a equipe, apesar de ser apenas um novato.

“Ele era surpreendente”, afirmou Hart, sobre o brasileiro, à Motorsport. “Nenhum piloto antes de Schumacher conseguia motivar uma equipe como Ayrton. Eu pedi uma vez que ele se lembrasse da leitura da pressão do turbo em uma curva por uma volta, ele voltou depois da volta com todas as leituras de todas as curvas na cabeça. Era um novo nível de participação.”

O famoso segundo lugar de Senna com a Toleman no GP de Mônaco de 1984 foi o melhor resultado da história da Hart na F1
O famoso segundo lugar de Senna com a Toleman no GP de Mônaco de 1984 foi o melhor resultado da história da Hart na F1

A temporada foi realmente boa para o trio Toleman-Hart-Senna, com três pódios no total e 16 pontos no campeonato de construtores, além de boas apresentações em pistas de alta como Brands Hatch, Monza e Estoril.

Na temporada seguinte, mesmo sem o brasileiro, o time conquistou, com Teo Fabi, sua primeira pole position. No final do ano, porém, a equipe foi vendida para a Benetton. Hart ainda seguiu como fornecedor por mais alguns GPs para a Beatrice, time americano de Carl Haas, que não foi muito longe.

Terminava naquele momento, a primeira participação como fabricante, sem muito sucesso, da empresa na F1. Hart voltou a preparar motores Cosworth para equipes da F1 como Arrows, Tyrrel, Larrousse e AGS.

No começo dos anos 90, porém, vendo que Ford e Cosworth se preparavam para lançar uma nova linha de motores na categoria, Hart, mais confiante em uma F1 sem turbos, sentiu a necessidade de tentar se arriscar mais uma vez como fabricante para se manter no mercado.

Sem condições financeiras de desenvolver um V12, ele se inspirou no sucesso que a Renault estava colhendo com seu V10 na Williams, e resolveu partir na mesma direção. Durante o GP de San Marino de 92, em uma conversa com Gary Anderson e Eddie Jordan, ele chegou a um acordo com a equipe do irlandês.

O Hart 1035 tinha 3,5 litros, não estava entre os mais potentes, mas quebrava pouco. Para o ano seguinte, atendendo pedidos de Anderson, a empresa fez um motor mais baixo e leve. Mesmo não conseguindo aumentar a potência, o novo desenho ajudou ao time a fazer um carro mais consistente, terminando o campeonato com 28 pontos e uma boa quinta posição entre os construtores, incluindo um pódio e uma pole position, ambos com Rubens Barrichello. Esta participação e a de 84 acabaram se tornando os dois grandes momentos da pequena empresa no Mundial.

Mesmo assim, para 95 a Jordan resolveu se aliar à uma grande marca, a Peugeot. A Hart desenvolveu um V8 de 3 litros para a Footwork por mais duas temporadas, porém, sem dinheiro para desenvolvimento e um time que também não conseguia evoluir, os resultados não vieram. Em 97, a Minardi ainda comprou os propulsores de oito cilindros.

Hart chegou a projetar um novo V10, mas sem dinheiro para construí-lo, vendeu o projeto para a Arrows de Tom Walkinshaw, que rebatizou o modelo com o nome do time. As duas empresas trabalharam juntas, mas acabaram em uma separação que chegou aos tribunais, fazendo com que Hart abandonasse definitivamente a categoria.

Brian Hart morreu em 5 de janeiro de 2014, aos 77 anos.

Série Motores independentes:
1 – Judd: o V8 que reinou da F1 das equipes médias

3 – O sonho da Motori Moderni e a bizarrice da Life
4 – BRM: do sonho patriótico pós-guerra ao título

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