Mansell e Senna protagonizaram imagem histórica em Barcelona em 1991
(Imagem: Reprodução)

Afinal, qual é o real nível de grandeza de Nigel Mansell? – Parte 2

Na primeira parte de nosso especial sobre Nigel Mansell, tentamos deixar claro o quanto o campeão mundial de 1992 fez um caminho pouco ortodoxo até encontrar a glória na F1. Na verdade, desde seus tempos de base até a fase de Lotus eram poucos, muito poucos, os que realmente acreditavam em suas habilidades.

“Nós não o enxergávamos como um cara muito talentoso. Ele estava sempre reclamando e nunca demonstrou aquele brilho verdadeiro. Homem, máquina e equipe nunca se encaixaram”, contou Martin Ogilvie, projetista-chefe da Lotus no período. Havia, porém, quem o defendesse. “Não me considero bom o suficiente para reconhecer um futuro campeão, mas ele tinha determinação para superar obstáculos”, contrapôs Ron Tauranac, dono da escuderia onde o “Leão” correu na F2.

Determinado e estabanado, Mansell virou pedra no sapato do sucessor de Colin Chapman na Lotus, Peter Warr, que queria dispensá-lo já no fim de 83. Só não o fez porque a John Player Special, patrocinadora máster, exigia a permanência de um britânico ao volante.

Nigel, porém, sabia que sua chapa estava esquentando, e logo iniciou a procura por outra casa na F1. Não sem antes provar a Warr que tinha seu valor. Uma de suas grandes mágoas era ver Peter elogiar incansavelmente as habilidades do companheiro Elio de Angelis sobre pista molhada, ao mesmo tempo em que dizia que seu outro piloto possuía um estilo pouco suave para tais condições. No famoso GP de Mônaco de 84, Mansell estava determinado a desmenti-lo e vinha conseguindo, com uma impressionante atuação que o levou à liderança do páreo mesmo usando os pouco aderentes pneus Goodyear, inferiores aos Michelin naquelas condições.

Entrementes, ao invés de controlar na liderança, o inglês tentou obter uma vitória massacrante e consagradora, o que o levou a errar e bater sozinho na 15ª passagem, na entrada da Massenet. “Acho que ele estava mais preocupado em provar a Warr quem era o melhor sob chuva do que verdadeiramente em fazer o que era necessário para vencer”, analisou o amigo Peter Windsor em entrevista à Motor Sport Magazine. Tal atitude só fez aumentar o desgosto do patrão.

Curiosamente, ter sido jogado para “escanteio” na Lotus foi o que melhor poderia ter acontecido na vida de Mansell. Porque aí ele encontrou uma inesperada guarida na Williams, inicialmente no papel de segundo piloto de Keke Rosberg. A opção veio por acaso, aliás: Derek Warwick era a escolha inicial de Frank Williams para o lugar de Jacques Laffite, mas o também inglês tomou a errônea decisão de preferir a Renault. Sobrou Nigel… E ele soube aproveitar a chance. É bem verdade que foi superado por Rosberg em boa parte da temporada 85, mas sejamos justos: mostrou ótima evolução ao longo da campanha e obteve suas duas primeiras vitórias em Brands Hatch e Kyalami.

Mansell e Williams: a associação necessária para transformar o inglês em piloto de ponta
Mansell e Williams: a associação necessária para transformar o inglês em piloto de ponta

Os triunfos desmentiram todas as previsões de Warr, que adorava desmerecer Mansell a outros dirigentes do padoque. “Ele nunca será capaz de vencer um GP enquanto eu tiver um cu em minha bunda”, teria bradado o diretor da Lotus a certa altura daquele ano.

A explicação para o repentino sucesso recai muito sobre Patrick Head. Na mesma proporção em que tinha rusgas com Warr, Mansell caiu nas graças de um dos sócios da Williams, sabe-se lá por quê. “As pessoas costumam não ter a dimensão do quanto Nigel é um piloto de primeira linha”, enfatizou recentemente Head em um mini-documentário oficial da Williams sobre o FW14B. Tal relacionamento é decisivo para entender como Mansell conseguiu, repentinamente, mudar da água para o vinho.

Na esquadra de Grove o bretão encontrou um ambiente acolhedor, em que engenheiros estavam muito mais felizes em servi-lo e ceder a seus caprichos temperamentais. Tudo cortesia de Head. É curioso saber que o próprio fundador da operação, Frank Williams, não tinha opinião tão otimista a respeito. “Frank gostava de pilotos que se comprometiam profundamente [com a causa]. Ele sentia que Nigel frequentemente lhe causava problemas, mas é aquela coisa… Ser [um volante]competitivo não significa que seja fácil de lidar…”, ponderou o já falecido Sheridan Thynne, antigo diretor comercial da Williams, também em depoimento à Motor Sport Magazine.

No princípio de 86, Frank sofreu o terrível acidente de trânsito que o deixou paraplégico, e o comando da Williams ficou inteiramente nas mãos de Head. Foi ali que Mansell mais cresceu. É bem verdade que o ilustre companheiro bicampeão do mundo, Nelson Piquet, ajudou no processo ao fazer uma primeira metade de campeonato bem abaixo do esperado naquele ano, mas a questão é que Mansell recebia do time um cuidado até incompreensível para o status que tinha. Talvez Head enxergasse algo que ninguém até ali conseguia ver.

Portanto, douto leitor, temos a explicação sobre por que Mansell foi um ás tão melhor na Williams do que em qualquer outra de suas casas, incluindo a Ferrari. Ao migrar para Maranello, Nigel esperava continuar a ser o centro das atenções sem precisar de muito esforço técnico para tal, e até conseguiu o protagonismo desejado em 1989. Só que aí… Eis que apareceu um pequenino francês chamado Alain Prost para dividir consigo a garagem, e logo roubou do colega o papel de líder.

“Acredito que, àquela altura da carreira, Nigel começou a acreditar que podia andar sobre as águas e esqueceu os princípios que é preciso ter para manter as pessoas ao seu redor. Ele tinha isso [a equipe ao seu redor]quando Prost chegou, mas Prost soube inverter as coisas. Nigel não fez nada para proteger seu espaço. Ao invés disso, adotou sua postura habitual de acusar publicamente a equipe de desfavorecê-lo”, relembrou Windsor.

O próprio Prost, em recente entrevista à Sky Sports, rememorou o caso. “Nigel aparecia para o fim de semana, corria e logo depois ia embora para jogar golfe, enquanto eu ficava na fábrica trabalhando com os mecânicos e engenheiros”. Não é preciso dizer que o tetracampeão francês dominou o companheiro com inesperada tranquilidade naquela estação, o que levou Mansell a anunciar sua aposentadoria, em mais uma de suas atitudes um tanto… intempestivas.

Para a sorte do “Leão”, a Williams sentia saudades de seus serviços, e o convenceu a repensar a decisão. “[Thierry] Boutsen e Riccardo [Patrese, os titulares da esquadra em 89 e 90] eram caras legais, mas fazia falta alguém que chegasse e conseguisse extrair o máximo do carro de maneira imediata”, disse Sheridan Thynne. Nigel, então, regressou aos braços de quem sempre lhe quis bem, e lá pôde novamente encontrar sua melhor forma.

O FW14B, carro do título, foi talhado a seu estilo. Embora facilitassem a vida, as assistências eletrônicas exigiam um condutor corajoso a bordo, que não tivesse hesitação de apontar o volante, cravar o pé no acelerador e esperar que controle de tração e suspensão ativa fizessem o resto. “O carro exigia um estilo de pilotagem mais bruto, que Nigel conseguia fazer com maestria. Riccardo jamais se adaptou da mesma forma”, narrou Frank Dernie, chefe de engenharia da Williams à época, no documentário oficial sobre o FW14B.

“Em Silverstone, a diferença de velocidade entre os dois nas curvas mais rápidas era gritante, porque Mansell não tinha medo de manter o pé cravado e usava a força dos braços para esterçar o volante de forma mais agressiva”, detalhou Paddy Lowe, responsável pela eletrônica do time naquele período.

O próprio Nigel reconheceu a característica em depoimento a esse mesmo documentário. “Eu já conhecia o comportamento da suspensão ativa e me sentia à vontade. Era preciso entender que o carro iria subesterçar na entrada da curva, mas as próprias assistências se encarregariam de corrigi-lo e você chegaria ao ápice [da perna]com um leve sobre-esterço. Riccardo não tinha a mesma confiança que eu no equipamento e acabava aliviando o pé nessas horas”.

Pronto: agora já sabemos por que a diferença entre os dois aumentou tanto de 91 para 92. Mas, no geral, a que conclusão chegamos? Conforme já apontamos na primeira secção deste material, Mansell representava um talento bruto que parecia não saber como se autolapidar. Um homem que precisava de alguém para lhe pegar no colo e lhe conseguir extrair todo o potencial. A Williams e, mais precisamente, Patrick Head souberam fazer isso.

Gênio? Não, claro que não. Mansell está abaixo de muitos campeões anteriores e ulteriores a ele, principalmente pela falta de refinamento técnico. Mas era alguém que, se estivesse no ambiente certo, poderia alcançar o nível de qualquer um. Além, é claro, de ser um personagem ímpar, capaz de incrementar harmoniosamente o tempero da sempre tão cultuada F1 da segunda metade dos anos 80. “Se misturarmos o gênio de Senna, a inteligência de Prost, os truques de Piquet e as bolas de Mansell, teríamos o maior piloto de todos os tempos”, alguém teria afirmado certa feita. E não existe na história da F1 uma análise tão certeira quanto esta.

Confira:
Nigel Mansell – Parte 1

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