Nigel Mansell e sua Williams em 1991

Afinal, qual é o real nível de grandeza de Nigel Mansell? – Parte 1

“Aqueles que adoram Nigel Mansell são os que nunca o conheceram de perto”, afirma a sabedoria de quem acompanhou por dentro o circo da F1 nos anos 80. Na verdade tal frase não deve ser de alguém específico, mas sim uma síntese das diversas opiniões acerca do famoso e carismático volante inglês.

Nigel Ernest James Mansell, nascido em 8 de agosto de 1953 e (finalmente) coroado campeão mundial em 15 de agosto de 1992, após um segundo lugar obtido no GP da Hungria daquele ano, sempre foi uma figura capaz de provocar impressões das mais antitéticas. De “gênio do controle do carro” a “idiota veloz”, são variadas e distintas as opiniões usadas para caracterizar uma figura contraditória por si só.

Mas, afinal, o que realmente representa Nigel Mansell para o panteão das lendas da F1? É o que o Projeto Motor tenta responder agora, como homenagem aos 25 anos da conquista de seu único e merecido título.

O tortuoso começo de Mansell

Uma introdução é preciso realizar: o britânico nascido em Upton-on-Severn, pequeno município do condado de Worcestershire, centro-oeste da Inglaterra, é tido uma pessoa de personalidade difícil, porém dotado de ambições e determinações que tanto lhe ajudaram a buscar “a fórceps” um espaço no mundo do automobilismo quanto também lhe serviram de elementos autossabotadores.

Ao mesmo tempo, Mansell pode ser considerado uma espécie de talento bruto desenvolvido tardiamente e que parece nunca ter sido lapidado da maneira correta. “Ele é totalmente inseguro, mesmo depois de tudo que conquistou. E precisa que alguém o esteja apoiando e adulando o tempo todo. Deixe-o sozinho por meia hora e logo ele estará se descabelando. Não consegue fazer nada sozinho”, contou à revista Motor Sport Magazine John Thorbum, chefe de equipe na F-Ford britânica dos anos 70 e que prestou assistência a Mansell em seus primeiros anos de carreira.

A forma como os dois se conheceram, em meados de 76, quando o “Leão” disputava sua primeira temporada na F-Ford 1600, diz muito sobre a mescla de obstinação com falta de noção que marcam seu caráter: “Eu estava sentado na minha mesa [de trabalho]quando a porta abriu, ele caminhou até mim e disse: ‘Me chamo Nigel Mansell e, antes que você me expulse, eu não quero dinheiro: quero ajuda. Tenho um chassi Hawke e acho que ele não está funcionando legal’. Respondi que poderia dar uma olhada qualquer dia, se ele trouxesse o carro até mim, então ele respondeu que o chassi já estava lá. Meu mecânico deu uma olhada e falou: ‘Bem… Eu consigo fazer três rodas apontarem para a direção correta, mas tem uma que não tem como, porque o chassi está empenado’. Fizemos um rápido reparo e ele venceu a corrida seguinte com aquele pedaço de merda. Logo me telefonou para agradecer. Achei tão interessante que passei a ajudá-lo o máximo que podia”, resumiu Thornbum.

Talvez esteja aí a explicação para o estilo tão instintivo e pouco refinado do bretão nas pistas: ao invés de estudar como “fuçar” num bólido a fim de melhorá-lo, algo que o futuro nêmesis Nelson Piquet aplicava com maestria, Mansell aprendeu desde cedo a superar os rivais simplesmente se adaptando a qualquer equipamento que lhe jogassem às mãos.

Nigel, aliás, decidiu se tornar piloto aos nove anos, após assistir á vitória de Jim Clark no GP da Grã-Bretanha de 1962, em Aintree. Estreou no kartismo aos 10 e lá permaneceu até os 22 (idade em que, atualmente, qualquer jovem piloto já anseia estar na F1). Conquistou diversas vitórias. Migrou para a F-Ford em 76, mas não pôde disputar a temporada completa porque não tinha dinheiro. Custeava a carreira com o soldo de professor em engenharia eletrônica (era estudante da área, e se formou como tal ao fim daquele ano).

O ainda imberbe Mansell junto da esposa, Roseanne, e de seu kart
O ainda imberbe Mansell junto da esposa, Roseanne, e de seu kart (Foto: Reprodução/Facebook Nigel Mansell)

Em 77, conseguiu participar do campeonato integral e se sagrou campeão vencendo 33 das 42 baterias disputadas, mesmo sofrendo um grave acidente que lhe causou uma quebra de pescoço (e quase uma paralisia) em Brands Hatch. Desde então nunca mais conseguiu movimentar a cabeça da mesma forma.

Migrou para a F3, mas novamente teve a campanha de estreia comprometida pelo baixo aporte financeiro. A esposa, Roseanne, vendeu a casa do casal para custear a campanha de 79 pela escuderia March. Iniciou o ano vencendo em Silverstone e chamou a atenção de ninguém menos que Colin Chapman, mas acabou tendo o desempenho comprometido ao ser acertado por Andrea de Cesaris em Oulton Park e ir parar no hospital, com uma fratura nas costas.

Ainda em tratamento (e sem que Chapman soubesse de seu estado físico precário), aceitou um convite para testar o Lotus 79 de Mario Andretti e Carlos Reutemann em uma sessão voltada a novatos no autódromo francês de Paul Ricard. Seus colegas seriam Elio de Angelis, Stephen South, Eddie Cheever e Jan Lammers. Sem condições plenas, Mansell foi mal e a vaga de titular para o lugar de Reutemann em 80 acabou ficando com De Angelis. Ainda arrumou uma “boquinha” de piloto de testes à base da sorte, porque South, originalmente convidado para o posto, mudou de ideia na última hora.

A contestada chegada

Sob a tutela de Chapman, disputou a F2 em 80 sem muito brilho e ganhou a chance de estrear na categoria principal em um terceiro carro da Lotus a partir do GP da Áustria. Classificou-se em 24º e último, e completou 40 das 54 voltas no sacrifício: os mecânicos derramaram combustível no habitáculo enquanto abasteciam o 81B para a largada, o que causou fortes queimaduras nas costas e pernas do ás ao longo do páreo. Na etapa seguinte, Holanda, alinhou em 16º na grelha e abandonou no 15º giro, devido a um acidente. Na Itália, não conseguiu se colocar entre os 26 participantes da prova.

Nada de muito impressionante, não é mesmo? Ainda assim, foi promovido a titular em 81, como companheiro de De Angelis. O que Chapman via naquele jovem conterrâneo? Pouca gente sabe dizer. “Nigel não tinha nenhuma estatística [que impressionasse]. Quando ele entrou na F1, todos ficaram pensando: ‘Que diacho é isso?’. Houve certa incompreensão”, relembrou Derek Warwick, à época ás da Toleman na F2, também em depoimento à Motor Sport Magazine.

A resposta estava em Peter Collins, gerente da Lotus, e Peter Windsor, jornalista especializado. Ambos eram amigos e fãs de Mansell, e convenceram Chapman a lhe dar uma segunda chance. Aí, claro, o patriotismo falou alto: o fundador da esquadra viu em Nigel a oportunidade de formar um novo Clark. “Não acho que Colin acreditasse tanto assim nele”, minimizou Peter Warr, à época diretor da esquadra e um dos grandes desafetos de Mansell na F1. “Mas ele queria formar outro campeão britânico e, no fundo, estava buscando alguém com quem tivesse uma relação parecida com a que tinha com Jimmy [Clark]”, analisou.

Curiosamente, Mansell era o oposto de Clark: enquanto este se mostrava um caipira pacato que raramente reclamava de algo, porque estava mais preocupado em vencer, aquele transformava qualquer detalhe em drama, e adorava colocar a culpa por seus próprios problemas em terceiros. “Nigel era um bom rapaz, mas muito emotivo. Ele era capaz de chorar copiosamente em determinadas circunstâncias. [Não era fácil de lidar], mas era algo sincero”, rememorou Warr.

A relação, portanto, se tornou quase paternal. “Em Colin eu conheci um ser humano muito amável, que por vezes era mais compreensivo comigo do que meu próprio pai”, descreveu Mansell em sua autobiografia, Staying on Track.

A estranha consolidação de Mansell

Os primeiros testes para a estação de 81, em Silverstone, foram mais animadores. “Ficamos aliviados em constatar que ele não era um mero punheteiro”, brincou Nigel Stroud, mecânico da Lotus, à Motor Sport Magazine. [Nota do editor: traduzimos a frase ipsis litteris para manter a força da expressão usada por Stroud, mas é importante destacar que “punheteiro”, neste caso, teria sentido de “moleque” ou “aventureiro”]. Aí veio o princípio do calendário e, com ele, um sétimo posto na grelha de Long Beach e um terceiro lugar no GP da Bélgica, em Zolder. Mansell passou a se sentir uma peça importante na equipe, até demais, de uma forma que desagradou o diretor Peter Warr.

“Analisando hoje, depois de tudo que ele conquistou, fica fácil esquecer o quanto ele era imaturo e incompleto quando corrida na Lotus. Depois da prova em Zolder, ele passou a se enxergar como uma superestrela e imediatamente pediu aumento de salário. Depois foi terceiro no grid em Mônaco e começou a se sentir um piloto brilhante em circuitos de rua, mesmo sabendo que na verdade nós estávamos burlando o regulamento com saias que ficavam abaixo dos 6 cm de vão livre regulamentares durante a classificação. Se ele não conseguia ser honesto consigo mesmo, como conseguiria ser honesto com o time e como poderíamos progredir daquela forma?”, criticou Warr.

A verdade é que Mansell era constantemente dominado por De Angelis e, em dezembro de 82, perderia seu maior aliado: Chapman morreu. A partir de então, ficaria sozinho num time liderado por alguém que não lhe nutria nenhuma simpatia, Warr, e teria que tomar uma decisão rápida para não ver a carreira ser soterrada como um mero coadjuvante. O problema é que este artigo já está demasiado longo, então precisaremos de uma segunda parte para desvendar como Nigel saiu desta encruzilhada e se tornou em um piloto de ponta, vencedor. Também, é claro, responderemos à questão nevrálgica desta análise. Até lá!

Confira:
Nigel Mansell – Parte 2

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