Frank Williams e parceiros na apresentação do Politoys FX3

As loucas aventuras de Frank Williams antes de atingir a glória na F1

Ninguém seria insano de negar que Frank Williams é uma das figuras mais bem-sucedidas da história da F1. Sua esquadra foi responsável por sete títulos de pilotos e nove de construtores, além de 114 vitórias, 128 presenças no posto de honra do grid e 310 pódios. São números que a colocam atrás apenas de Ferrari e McLaren nas estatísticas, formando com as duas arquirrivais, mais a antiga Lotus, o seleto panteão das manufatureiras que mais se renomaram na categoria.

Muito se sabe acerca dos anos de sucesso da Williams, especialmente a partir dos anos 1980, mas pouco se fala sobre a trajetória que o time atualmente sediado em Grove traçou até chegar lá. Acredite: antes de alcançar o primeiro triunfo, no GP da Grã-Bretanha de 1979, pelas mãos de Clay Regazzoni, o dono da escuderia que eternizou seu sobrenome entre os amantes do automobilismo teve que penar por mais de uma década. Foram anos de tentativas frustradas, parcerias infrutíferas, bolso vazio e até tragédias que adiaram o inevitável encontro de “Sir Frank” com a glória.

São essas histórias um tanto dramáticas e desconhecidas as que nos interessam neste artigo do Projeto Motor. Antes, claro, é preciso esboçar um pequeno resumo sobre como o bretão nascido em Shout Shields, cidadezinha ao norte da Inglaterra, se tornou um empreendedor do automobilismo: até 1966 Frank Williams era, como a maioria dos garagistas clássicos, piloto. Não se tratava de um exímio e estrondoso talento do asfalto, obviamente, mas quem o viu competir conta que o jovem, à época com 20 e poucos anos, não passava vergonha.

O começo de Frank Williams no automobilismo

Entrementes, ao contrário do que se propaga por aí, ter suporte financeiro para consolidar a carreira era tão importante quanto hoje nos anos 60. Isso Frank Williams não possuía. Filho de uma família de classe média – o pai era aviador da Força Aérea Britânica e a mãe, professora; ambos se desquitaram e, a partir de então, o pré-adolescente passou a ser criado por tios maternos -, o inglês custeava a participação em corridas locais com o emprego de caixeiro viajante. Sem condições de competir profissionalmente, aproveitou a facilidade para lidar com a parte mecânica dos automóveis e encontrou outra forma de seguir trabalhando na área: tornou-se preparador de carros.

Foi então que fundou, ao fim de 66, a Frank Williams Racing Cars. O primeiro cliente foi o amigo Piers Courage, este sim um abastado. Herdeiro de família influente no mercado de cerveja do Reino Unido, Courage financiou as primeiras empreitadas da Williams na F3 Britânica, em 67, usando um Brabham particular. No ano seguinte, subiram juntos à F2, também usando chassis comprados da Brabham. Ao mesmo tempo, ases como Richard Burton, Tony Trimmer e até um tal de Max Mosley contrataram os serviços de Williams para disputar a F3.

De Tomaso 308 da equipe Frank Williams, pilotado por Piers Courage, no GP de Mônaco de 1970
De Tomaso 308 da equipe Frank Williams, pilotado por Piers Courage, no GP de Mônaco de 1970

Com morte de Courage, Brian Redman e Tim Schenken conduziram Dallara 505 da De Tomaso nas rodadas finais de 1970, mas clima era de total luto

Após bons resultados obtidos por Courage e Jonathan Williams, autor da primeira vitória da história da equipe, numa etapa disputada em Monza durante 1969 – e que não era tinha qualquer parentesco com Frank, apesar do sobrenome -, a Williams ganhou clientes cada vez mais promissores: Jacky Ickx, Derek Bell e Graham McRae foram alguns deles. O preparador decidiu, então, que era hora de encarar a F1. Em parceria com Alessandro de Tomaso, modesto construtor argentino radicado na Itália, encomendou um chassi exclusivo da Dallara, batizado “De Tomaso 505″ e equipado com motor Ford Cosworth, e iniciou uma campanha que se mostraria desastrosa.

Muito além da falta de resultados expressivos ao longo do certame de 70 (o time não marcou nenhum ponto), Williams sofreu um duríssimo golpe na 22ª passagem do GP da Holanda, em Zandvoort, a quinta de um total de 13 etapas: Courage sofreu um acidente que fez o bólido capotar e pegar fogo, morrendo carbonizado (assista a uma das raras imagens do acidente logo abaixo). Sem seu principal aliado, Williams contratou Brian Redman e, depois, Tim Shenken como substitutos “tampões” para encerrar a temporada, cindindo com a De Tomaso logo depois.

Nova fase com a March

Em 71, tornou-se cliente da March e, usando um modelo 711 guiado pela futura lenda das provas de resistência Henri Pescarolo, sempre empurrado por um Cosworth DFV, conquistou seus primeiros quatro pontos na categoria (três em Silverstone e um em Osterrëichring. Nessa mesma época, inscreveu esporadicamente um velho March 701 como segundo carro para algumas etapas. Foi num desses que o brasileiro José Carlos Pace tentou estrear na F1, no GP da Itália, mas o monoposto não ficou pronto a tempo de permitir que ele fosse à pista.

O brasileiro Carlos Pace estreou na F1 pelo time de Frank Williams, usando um March 711 com motor Ford Cosworth; Moco anotou três pontinhos em seu primeiro ano

Para 72, a fabricante italiana de brinquedos Politoys, então mera patrocinadora da Williams, decidiu se tornar construtora (não, você não leu errado: uma fábrica de brinquedos já quis criar seu próprio F1) e encomendou a Frank Williams um carro para estrear em meados daquela estação. Enquanto o garagista trabalhava no bólido, Pescarolo e Pace conduziam dois March 711 particulares para representar a esquadra. O paulistano deixou ótima impressão, pois superou o parceiro com frequência e conquistou os três primeiros pontinhos de sua carreira (um na Espanha e dois na Bélgica).

Projetado por Len Bailey, o Politoys FX3-Ford Cosworth, que ilustra a imagem principal deste artigo, ficou pronto para o GP doméstico de Frank, o da Grã-Bretanha, e mais parecia um Frankenstein: bico copiado do BRM P160, aerofólios inspirados no Tyrrell 002 e cockpit muito semelhante ao do March 711. Pescarolo foi o responsável por debutá-lo em Silverstone, com resultado tétrico: 26º e penúltimo posto na grelha, a 5s2 do pole Jacky Ickx, e batida feia na sétima volta de corrida, destruindo o único exemplar do FX3 confeccionado até então. Fim de sonho. O time seguiu operando com carros comprados até o fim da campanha, mas foi quase todo desfeito após a última etapa (até Pace abandonou o barco). Williams se viu obrigado a recomeçar do zero.

Politoys FX3: um bólido com linhas aparentemente fluidas, mas que pagou mico em sua única aparição oficial

Transformação da Williams em construtora

Como persistência não lhe faltava, logo outra parceira entrou na jogada, novamente procedente do “país da bota”: a pequena montadora Iso-Rivolta. Com patrocínio da Philip Morris  – o que levou a esquadra a se chamar Iso-Marlboro -, Frank encontrou fundos para contratar John Clarke, ex-projetista da March, e o bem-visto neozelandês Howden Ganley como primeiro piloto. O segundo assento virou leilão: Nanni Galli, Jackie Pretorius e Gijs van Lennep se revezaram na função. Quando nenhum deles tinha dinheiro para pagar pela vaga, Frank recorria a velhos conhecidos, como Pescarolo, Ickx e Graham McRae.

O campeonato começou com o uso de uma versão B do FX3. O IR-Cosworth só passou a ser usado oficialmente em Montjuïc, trazendo mais personalidade e cara de “carro de corrida decente”. Ainda assim, dois únicos tentinhos, anotados por Van Lennep (Zandvoort) e Ganley (Mosport), acabaram por ser o fruto da temporada de estreia.

No ano sequente, a Marlboro exigiu a entrada do protegido Arturo Merzario como volante principal, deixando o outro cockpit vacante para um revezamento entre Van Lennep, Tom Belso e o então iniciante Jacques Laffite. 1974 foi o primeiro ano em que um F1 foi batizado com as iniciais FW. Criado por Clarke, o FW-Cosworth era mais harmonioso e limpo aerodinamicamente do que o IR, ajudando Merzario a ser quarto colocado no GP da Itália e sexto na África do Sul. Os quatro pontos não foram suficientes para convencer Iso-Rivolta e Philip Morris a seguirem na empreitada. Frank Williams estava sozinho novamente.

Graças ao aporte financeiro da Ambrozium, empresa suíça do ramo de saúde, o perseverante britânico se inscreveu para a temporada seguinte com uma operação que, enfim, passara a ser denominada Williams. Merzario e Laffite foram mantidos como companheiros, em princípio, mas a grana era curta e logo italiano e francês tiveram de ser substituídos, vez ou outra, por uma sucessão de pagantes: Tony Brise, Ian Scheckter (o irmão mais velho e menos badalado do campeão de 1979, Jody), Jo Vonlahten e Renzo Zorzi assumiram a direção do FW04 (obra de Ray Stokoe) em algum momento do ano.

Em dadas ocasiões, não era possível inscrever mais do que um bólido para os GPs. Foi numa dessas situações, em Silverstone, que Laffite, então representante solo da esquadra, obteve um quase-milagreiro segundo lugar, após partir de 15º. Primeiro pódio da história da escuderia. Champanhe não traz dinheiro sozinho e, sem recursos para custear outra temporada completa, Frank teve de vender as operações a Walter Wolf. Assim, numa canetada, a Frank Williams Racing Cars se tornou Walter Wolf Racing. O time adquiriu o espólio da Hesketh, incluindo chassis 308C (rebatizados de FW05), e contratou funcionários demitidos pelo velho Lorde, caso do competente projetista Harvey Postlethwaite.

Novo comandante das operações, Wolf aos poucos afastou Williams das funções de comando: trouxe Peter Warr para tomar dele o posto de chefe de equipe, e criou para o antigo dono um cargo figurativo de “diretor geral”. Sentindo-se cada vez mais deslocado (sua participação na concepção do vencedor WR1, que levou Jody Scheckter ao surpreendente vice-campeonato de 77, foi quase nula), Frank deixou nos primeiros meses de 1977 a casa que fundara dez anos antes. No processo, convenceu um de seus antigos engenheiros, um talentoso jovem chamado Patrick Head, a ser seu sócio em outra em outra equipe: a Williams Grand Prix Engineering.

A estreia ocorreria em 1978 e, com a certeira aposta no australiano Alan Jones como piloto número 1, mais o suporte de infindáveis petrodólares vindos do Oriente Médio (empresas como a companhia aérea Saudia e até a família de Osama Bin Laden encheram os bólidos de decalques desconhecidos do consumidor ocidental), a nova Williams enfim encontrou a estrutura necessária para, em pouco tempo, tornar-se uma das forças mais devastadoras e que mais influenciaram os rumos da F1 a partir de dos anos 80. O resto da história, bem… Essa parte você já sabe de cor.

Comunicar erro

Comentários

Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial