A incerteza que melou a ida de Barrichello para a McLaren em 1995
Rubens Barrichello e McLaren. Estas duas partes chegaram a flertar por um longo período, e parecia que a união seria só uma questão de tempo. Na verdade, Rubinho até chegou a assinar um documento com a equipe inglesa de olho na temporada de 1995, mas mesmo assim a parceria nunca saiu do papel.
Existem alguns motivos para isso. A McLaren mostrou certa relutância e propôs termos que não casavam bem com os planos de Barrichello para a época. Mas como as negociações se desenrolaram? E quais incertezas melaram o acordo? O Projeto Motor vai explicar a história em detalhes.
Barrichello e McLaren no contexto da época
Na fase inicial de sua carreira, o jovem Rubens Barrichello ganhava seu espaço, o que o colocou em conversas com várias equipes do pelotão da frente, como Williams, Benetton e Ferrari. Com a McLaren, no entanto, a conversa progrediu por mais tempo – mas, para entender como foi, precisamos relembrar em detalhes o contexto da época.
Em 1994, Barrichello fez uma temporada de bastante destaque, quando conquistou seu primeiro pódio, sua primeira pole position e terminou num forte sexto lugar na tabela. Ele estava a bordo da equipe Jordan, que ainda compunha o pelotão intermediário e utilizava os motores Hart.
Já a McLaren tentava reencontrar o rumo. Depois de perder o apoio da Honda ao fim de 1992, ela foi cliente da Ford em 1993 e passou aos Peugeot em 1994, em uma parceria marcada por falta de competitividade e de confiabilidade. Quanto aos pilotos, ela já estava comprometida em longo prazo com Mika Hakkinen, e a segunda vaga ficou com Martin Brundle depois de uma tentativa frustrada de persuadir Alain Prost a retornar da aposentadoria. Mas a equipe ainda buscava um nome que inspirasse mais confiança para correr ao lado de Hakkinen, e Barrichello surgiu como um candidato natural.
Como as conversas progrediram
Em meados de 1994, as conversas da McLaren com Barrichello avançaram. Durante o GP do Canadá, em junho, um executivo da Marlboro levantou informações importantes com as principais partes envolvidas nas negociações, como Ron Dennis (chefe da McLaren), Eddie Jordan (chefe da Jordan) e Geraldo Rodrigues (empresário de Barrichello). A Marlboro, vale lembrar, era patrocinadora principal da McLaren e também tinha um acordo de menor porte com a Jordan.
Peter Schreer, na época presidente da Philip Morris na divisão da América Latina, enviou uma carta de duas páginas a John Hogan, diretor de marketing da empresa. Nos documentos, ele relatou os detalhes de todas as conversas:
- A McLaren não havia se comprometido com um segundo piloto nem mesmo para o fim de 94. Ela não descartava fazer mudanças pensando no longo prazo.
- Ron Dennis não reconhecia grandes promessas da nova geração, e havia apenas dois nomes que, se bem trabalhados, poderiam ter sucesso. Um era Barrichello, e outro “um dinamarquês que atualmente está na F3”. Se trata de Jan Magnussen, que se sagrou campeão da F3 Inglesa quebrando recordes em 1994.
- Quanto a Barrichello, a McLaren queria tê-lo na equipe, porém somente depois de ser testado. Uma possibilidade seria colocá-lo no segundo carro nas últimas três ou quatro corridas de 94. Isso aconteceria por dois motivos: primeiro, para ver como seria a performance de Barrichello em um carro melhor e mais rápido. Segundo, porque a McLaren e a Marlboro estavam relutantes em pagar a multa rescisória do contrato do brasileiro com a Jordan, na casa de US$ 3 milhões. Então, Dennis conversaria com Eddie Jordan para ver se ele concordaria com a ideia, talvez reduzindo esta multa para a casa de US$ 1 milhão.
- Sem entrar em detalhes da conversa que teve com Dennis, o executivo sondou Geraldo Rodrigues, na época empresário de Barrichello. Quando questionado se o piloto estaria disposto a fazer um teste com a McLaren, a resposta foi “a qualquer hora, em qualquer lugar”.
- Já Eddie Jordan se mostrou flexível quanto à escolha dos pilotos para o futuro, pois àquela altura ele acreditava ser muito difícil manter Barrichello para a temporada de 1995. De acordo com Jordan, o brasileiro era um dos únicos jovens com real potencial. Além da McLaren, Benetton e Ferrari também estariam dispostas a investir no brasileiro.
- Por fim, o ponto mais importante mencionado era o desejo da Jordan em fechar um acordo com a Ford para a temporada de 95. Isto seria “crítico” para o futuro da equipe.
O motor da Jordan e as consequências para 1995
Esta situação do motores da Jordan foi crucial para o desdobramento dos fatos. Na época, a Jordan contava com motores da fabricante independente Hart, que eram mais limitados e com menos recursos financeiros do que os equipamentos de fábrica. Mesmo assim a equipe tinha bons desempenhos, mas considerava que seria fundamental estabelecer parceria com uma montadora para poder se tornar um time de ponta. O problema é que as negociações não caminharam tão rapidamente para a Jordan neste quesito, o que também teve consequências na situação de Rubinho.
Na altura do GP da Grã-Bretanha, em julho de 94, não era descartada a possibilidade de a Jordan permanecer com os motores Hart para 95, o que não era o cenário ideal para Barrichello. Foi quando a McLaren ofereceu um pré-contrato ao brasileiro. O documento dava preferência de negociação à equipe inglesa por alguns meses, sendo que era esperado que, após sua data de expiração, fosse concluído acordo definitivo. E Barrichello assinou o pré-contrato. O problema é que os termos da proposta não traziam garantia alguma de titularidade, o que poderia acabar jogando Rubinho ao posto de piloto de testes.
Esta prática não era algo tão incomum para a McLaren. Vale lembrar que menos de dois anos antes, ela contratou Mika Hakkinen e inicialmente o colocou na reserva, priorizando Ayrton Senna e Michael Andretti. Por isso, Barrichello até admitiu que seu estafe não era favorável ao documento que havia sido assinado, já que ele abria margem para o piloto sequer competir em 95. Por ser um talento em ascensão, Rubinho julgava ser muito importante permanecer ativo e no grid da F1, e não escondido em sessões de testes.
Além disso, Barrichello se sentiu “deixado de canto” pela McLaren depois que assinou o pré-contrato, pois a equipe voltou seu foco a resolver a sua própria situação de motores. Ela queria desfazer a malsucedida aliança com a Peugeot e engatar um acordo com a Mercedes. A nova parceria foi anunciada no fim de outubro. Porém, o quebra-cabeças se encaixou de forma curiosa, pois na mesma época a Peugeot confirmou que seria parceira da Jordan, o que enfim daria suporte de fábrica à ascendente equipe irlandesa.
Já desencantado com as possibilidades na McLaren, e vendo a Jordan ter um acordo oficial, Barrichello deixou o pré-contrato expirar em novembro, para em seguida renovar com sua atual equipe para 95. A McLaren, por sua vez, apostou suas fichas em Nigel Mansell, o que até indica que Barrichello possivelmente seria preterido caso mudasse de casa. Porém, o campeão de 92 teve uma passagem repleta de problemas e foi dispensado depois de somente duas corridas. No restante do ano, ele foi substituído pelo piloto de testes, Mark Blundell.
A aliança Jordan-Peugeot nunca emplacou da forma que Barrichello esperava. Entre 95 e 96, ele conquistou somente um pódio, sendo que ele nunca conseguiu ser presença constante no pelotão da frente. Sem grandes perspectivas na Jordan e precisando de novos ares, Rubinho se transferiu para a Stewart em 97, o que posteriormente o levaria à Ferrari em 2000.
Já a McLaren demorou alguns anos para fazer a parceria com a Mercedes emplacar de vez. As primeiras vitórias vieram em 97, quando Hakkinen já formava dupla com David Coulthard. Em 98 e 99, o finlandês conquistou seus dois títulos mundiais pela equipe inglesa.
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