(Foto: Divulgação)

Sonho, obscuridade, fiasco: como a Arrows sumiu da F1?

A Arrows se tornou um dos clássicos casos da F1 de equipes que tinham praticamente cadeira cativa no pelotão intermediário. Em mais de duas décadas e quase 400 largadas na categoria, o time nunca conseguiu se aproximar do pelotão da frente, mas, em vários momentos, ela tentou mudar este cenário.

O plano de montar uma operação de elite, inclusive com a contratação de um campeão do mundo, logo depois saiu dos trilhos, inclusive com uma mal explicada participação de um príncipe nigeriano que depois sumiu do paddock. Mas como que a Arrows foi da época de sonho até agonizar rumo à sua extinção?

Essa história começa em 1978, quando cinco funcionários deixaram a equipe Shadow para formar uma escuderia própria: a Arrows, cujo nome nada mais era do que uma referência às iniciais dos fundadores.

O começo da trajetória já foi cercado de controvérsia, pois o time montou o seu primeiro modelo, o FA1, como uma cópia do chassi DN9 da Shadow. Depois de ser condenada nos tribunais, a Arrows precisou fazer um novo carro a toque de caixa para poder competir na F1.

Entre os anos 70 e 80, a Arrows teve seus momentos de altos e baixos. Por um lado, ela ajudou a revelar nomes que futuramente se tornariam vitoriosos na F1 como Riccardo Patrese, Thierry Boutsen e Gerhard Berger, além de conseguir pódios esporádicos ao longo dos anos.

Por outro, ela nunca conseguiu se desvencilhar em definitivo do pelotão intermediário, mesmo chegando a ostentar uma parceria com a BMW.

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Sequência de vendas da Arrows nos anos 90

Na virada para os anos 90, a Arrows foi vendida para o empresário japonês Wataru Ohashi, o que fez com que a operação passasse a ser chamada de Footwork.

O período de maior ambição, pelo menos no papel, foi quando a equipe teve uma aliança com a Porsche, mas nós já detalhamos por aqui como que o resultado foi um enorme fiasco.

A Footwork colocou dinheiro no time até o fim de 93, mas foi só em 95 que Jackie Oliver e Alan Rees conseguiram comprar novamente as ações que pertenciam a Ohashi.

Porém, naquele período, a situação era crítica do ponto de vista financeiro, que por pouco não fez todo o time entrar em colapso. Foi quando entrou em cena uma figura central de nossa história: Tom Walkinshaw.

A era Walkinshaw

Walkinshaw era um dirigente com forte reputação no meio do automobilismo. A sua operação, a Tom Walkinshaw Racing, ou simplesmente TWR, foi responsável por gerenciar a empreitada da Jaguar no Mundial de Esporte-Protótipos, assim como fez com a Porsche anos mais tarde.

E isso só para citar algumas de suas aventuras pelo mundo do esporte a motor. Além disso, o próprio Walkinshaw esteve envolvido com a equipe Benetton na F1, inclusive participando diretamente do período de sucesso de Michael Schumacher por lá.

Porém, durante o ano de 94, Flavio Briatore decidiu comprar a Ligier de olho nos motores Renault, em história que já contamos por aqui, e nisto, Walkinshaw se transferiu para a equipe francesa e comandou as operações do dia a dia.

No entanto, Walkinshaw fracassou no seu desejo de se tornar dono da Ligier, então, ele voltou o seu foco para uma outra escuderia que precisava de socorro, no caso, a Arrows. E é aqui que o tema deste vídeo de fato começa.

Ao longo de 1996, Walkinshaw se tornou proprietário da Arrows, e o seu primeiro passo mais ambicioso viria para o ano seguinte. Em um movimento que chocou o mundo da F1, a Arrows garantiu a contratação de Damon Hill, em um momento em que o inglês estava prestes a se sagrar campeão mundial pela Williams.

Quanto aos motores, a Arrows chegou a sonhar com a Honda, mas acabou fechando um acordo com a Yamaha, que tinha um conjunto interessante na combinação de peso e potência.

Além disso, a equipe contaria com os novos pneus Bridgestone, e, em seu corpo técnico, com ninguém menos do que John Barnard, um dos projetistas mais vitoriosos da história da F1. Ou seja, Walkinshaw não queria deixar dúvidas de que seu plano era sério, e com ambição de construir uma operação campeã do mundo.

O superprojeto não começou nada bem. Hill e seu parceiro, Pedro Paulo Diniz, ocupavam as últimas posições do grid, sendo que a falta de ritmo e de confiabilidade impedia qualquer chance de bom resultado.

Mas as coisas melhoraram drasticamente ao longo do ano. Houve a quase vitória e o segundo lugar de Hill na Hungria, quando perdeu a liderança na última volta. Isso sem contar a classificação em Jerez de la Frontera, quando ficou em quarto lugar, apenas 0s058 atrás do trio que empatou pela pole position.

Só que era necessário dar um passo além para 98, mas o que aconteceu foi o contrário. Primeiro, ela perdeu Damon Hill para a Jordan, e repôs o campeão mundial pelo muito menos badalado Mika Salo.

Quanto aos motores, acabou tendo de se contentar com um plano muito mais modesto. A TWR comprou a fabricante Hart e usou os seus motores, os rebatizando com o nome de Arrows. Assim, tanto 98 quanto 99 foram anos muito mais discretos, com raros pontos, estando mais perto do fundo do grid do que da ponta.

A derrocada da Arrows

Em 1999, a Arrows esteve envolvida em um dos capítulos mais estranhos da F1 moderna, o que também foi o ponto de partida para o fim de sua história. Para aquele ano, a equipe havia perdido a sua patrocinadora principal, além do apoio financeiro de Pedro Paulo Diniz, que se mandou para a Sauber.

Assim, Walkinshaw se envolveu com o príncipe nigeriano Malik Ado Ibrahim, que, apesar de sua reputação um tanto nebulosa, adquiriu parte das ações da Arrows. O novo dirigente trouxe a bordo um novo patrocinador, uma marca bastante obscura, e que fazia uma contagem regressiva, dando a entender que algo grandioso estava por vir. Mas, no fim, aquilo não deu em nada.

E aquilo nem seria o pior de tudo. Walkinshaw e Ibrahim trouxeram a bordo o fundo de investimentos Morgan Grenfell, que também compraria 45% das ações do time.

Só que, em setembro, quando Ibrahim deveria concluir a compra de sua parte das ações da Arrows, ele simplesmente desapareceu do paddock, o que colocou de novo a equipe em situação delicada. Assim, para arcar com o prejuízo, a Arrows pediu um empréstimo para a Morgan Grenfell, algo que se tornaria fatal anos mais tarde.

Nos bastidores, a equipe tentava de tudo para se reerguer. A partir de 2000, fechou com uma nova patrocinadora principal, o que trazia esperança e uma nova cara icônica Arrows. Porém, a situação financeira ainda era delicada, já que a Arrows registrou significativas perdas financeiras de US$ 63 milhões em 99, e de US$ 15 milhões em 2000. O empresário australiano Paul Stoddart, na época um patrocinador da Arrows, cogitou comprar a equipe, mas recuou quando viu o rombo financeiro em que o time estava envolvido.

Para piorar, na parte técnica e esportiva havia um enorme senso de instabilidade. Por exemplo, no departamento de motores, fez duas trocas em dois anos. Em 2000, usou os Supertec, que eram os antigos motores Renault preparados por Flavio Briatore.

Já em 2001, foi a vez dos Asiatech, nada mais do que as unidades que eram da Peugeot antes de sua saída da F1. Dentro do cockpit, ela se envolveu em controvérsias ao dispensar, de última hora, nomes como Mika Salo, Pedro de la Rosa e Jos Verstappen.

Mesmo assim, como um último suspiro, a Arrows fez mais uma mudança para 2002. Ela passaria a adotar os motores Ford Cosworth, unidades que, na época, eram consideradas relativamente caras.

A sua intenção era usar o seu túnel de vento como pagamento, mas acabou se comprometendo a uma dívida de US$ 22 milhões. A grande esperança da Arrows, na verdade, seria com a chegada de um novo sócio ou investidor. Nomes como Craig Pollock, antigo dono da BAR, ou até a Red Bull, que patrocinava a equipe por conta do piloto Enrique Bernoldi, chegaram a ser cogitados, mas nada foi para a frente.

Assim, a situação como um todo foi ficando cada vez mais crítica, já que a Arrows acumulava dívidas, desde com os antigos investidores da Morgan Grenfell, até com a nova parceira Cosworth.

O caso chegou aos tribunais ingleses, que estabeleceram que, até meados de julho de 2002, a equipe teria de pagar US$ 8 milhões de dívidas a seus credores. Além disso, a justiça considerou a administração da Arrows como “dissimulada, imprópria e desonesta”.

O fundo do poço chegou no GP da França de 2002. Sem dinheiro para competir, a equipe instruiu seus pilotos, Heinz-Harald Frentzen e Enrique Bernoldi, a andarem propositalmente lentos, para assim não conseguirem se classificar para a prova.

Ou seja, era uma forma de a Arrows dizer que “participou do evento”, escapando de qualquer punição, mas sem andar de fato  para evitar problemas judiciais. Isso, é claro, não agradou a FIA, que acusou a Arrows de tomar uma atitude prejudicial à dignidade do esporte.

De forma inusitada, a Arrows competiu normalmente na corrida seguinte, na Alemanha, a última prova da F1 antes da pausa de verão. Era uma tentativa da equipe em ganhar tempo até, quem sabe, a chegada de um novo investidor.

No entanto, aquela corrida seria, na verdade, a última aparição da Arrows em um GP de F1. Quando o recesso de verão terminou, a equipe não havia conseguido concretizar sua venda, e confirmou que não participaria do GP da Hungria. Ela chegou a levar seus equipamentos para a Bélgica e Itália, mas sequer saiu da garagem e ficou novamente de fora.

A Arrows tentou arrastar a situação o quanto pôde – inclusive, até tentou se inscrever para a temporada seguinte da F1, o que foi negado pela FIA. Apenas em julho de 2003, a Arrows entrou em liquidação, e seus bens foram leiloados para o pagamento de seus credores.

E um dos grandes compradores foi o já citado Paul Stoddart, que, agora como proprietário da Minardi, adquiriu cinco carros. E isso, de certa forma, deu uma sobrevida à Arrows.

O A23, carro da Arrows em 2002, foi rebatizado de Minardi PS04, e chegou a ser testado pela equipe italiana na pista, além de ter servido como base para o desenvolvimento dos modelos da Minardi de 2004 e 2005.

Já para 2006, Stoddart vendeu dois A23 originais para a nova equipe Super Aguri, que usou o modelo em sua estreia na F1. Já explicamos essa história aqui.

Assim, a Arrows chegou ao fim após 24 anos de história, na qual obteve nove pódios, uma pole position, e um quinto lugar no Mundial de Construtores em 88 como melhor resultado. Com 382 largadas, o que também inclui os tempos de Footwork, foi a equipe com mais participações na F1 e que nunca venceram um GP sequer.

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