Como a Porsche passou vergonha em sua última passagem pela F1
A Porsche é uma das marcas mais consagradas do cenário automotivo mundial, sendo que a fabricante alemã também possui um histórico bastante vencedor no universo das corridas. Afinal, ela tem uma longo e glorioso legado no mundo do endurance, além de estar presente em outras categorias relevantes como a Fórmula E.
O histórico na F1 também é recheado de troféus, especialmente com a aliança entre McLaren-TAG-Porsche que enfileirou títulos entre 84 e 86. Porém, o que nem todos se lembram é de que a Porsche teve momentos vergonhosos em sua última passagem pela F1.
Tudo começou quando a F1 proibiu os motores turbo, no final dos anos 80. A Porsche começou a olhar com atenção a possibilidade de retornar ao grid. A marca alemã estava afastada desde o fim de 87, quando concluiu a parceria de sucesso com a McLaren e os turbo da TAG-Porsche.
Inicialmente, houve certos rumores de que a fabricante poderia traçar uma aliança com a modesta equipe Onyx, mas isso nunca se concretizou. O caminho da volta viria por meio de uma outra operação de menor porte: a Footwork.
A Footwork nada mais era do que a continuação da equipe Arrows, um nome tradicional da F1. Ao fim de 89, os proprietários da Arrows, Jackie Oliver e Alan Rees, aceitaram uma generosa proposta de compra do empresário japonês Wataru Ohashi, que se tornaria dono único do time. Ohashi atuava no ramo da logística, e era líder de um enorme conglomerado japonês chamado Footwork. A intenção de Ohashi era modernizar o time, e, em médio prazo, transformá-lo em uma potência da F1.
A ambição era maior para a temporada de 91. O time passaria a se chamar Footwork, embora Jackie Oliver, um dos antigos sócios, permanecesse no comando da operação. E, para simbolizar a intenção de crescer, a nova equipe Footwork fechou um contrato de fornecimento de motores com a Porsche, válido por quatro temporadas.
A Porsche despejou US$ 20 milhões no desenvolvimento de um novo motor, o que era a grande esperança da Footwork em se tornar uma equipe do pelotão da frente. Bem, mas nem todos estavam tão confiantes assim. Oliver originalmente se opôs à ideia de usar motores Porsche, mas, como foi voto vencido, se mobilizou para implementar no contrato de fornecimento uma cláusula de performance, que estabelecia parâmetros mínimos de desempenho à unidade. E este acabou sendo um ponto importante para o desdobramento da história toda.
O novo motor da Porsche e seus problemas
Com a parceria comercial com uma equipe do grid fechada, a Porsche começou a trabalhar em seu mais novo motor de F1, o 3512. O nome já indicava suas configurações: era um motor V12, de 3,5 litros, a mesma configuração usada pela Honda, que foi a campeã daquele ano com a McLaren. Só que as semelhanças acabavam ali.
O motor Porsche era bastante pesado e grandão, sendo muito maior do que a Footwork esperava. Quando se deu conta do tamanho da unidade, a equipe precisou refazer completamente os seus planos e redesenhar a traseira de seu carro para comportar o motor, de modo que o novo conjunto ficou pronto com atraso. Isso significou que a Footwork precisou iniciar a temporada de 91 ainda usando uma adaptação do carro de 90, pois este encaixava mais facilmente o produto da Porsche.
E as notícias ruins estavam só começando. Quando foi à pista, o motor Porsche se mostrou pouco potente e pouco confiável, com problemas crônicos de pressão de óleo. Ainda por cima, seu tamanho afetava negativamente toda a distribuição de peso do conjunto, o que o deixava desbalanceado. Só para se ter uma ideia, o motor Porsche pesava 190 kg e tinha estimados 680 cv de potência. O V12 da Honda pesava 30 kg a menos e gerava 30 cv a mais.
Ou seja, faltava competitividade em todos os aspectos. Com um motor pouco competitivo e um chassi defasado, as coisas previsivelmente não correram nada bem. Na abertura da temporada, Michele Alboreto largou em 25º e sequer recebeu a bandeirada, abandonando com problemas mecânicos. O outro piloto do time, Alex Caffi, sequer se classificou para o grid. No Brasil, a segunda corrida, os dois pilotos ficaram de fora ainda na classificação e foram para casa mais cedo.
A Footwork estreou seu novo carro em Imola, mas Alboreto destruiu um dos modelos em um teste antes da prova, num acidente na curva Tamburello após uma falha mecânica. Assim, apenas Caffi estreou o FA12, que também se mostrou pouco competitivo. Os dois caíram já na classificação e nem participaram da corrida. Em uma pista que na época era de alta velocidade, com longas retas, Alboreto e Caffi ficaram mais de 8s acima do tempo da pole position de Ayrton Senna, o que simbolizava bem a situação.
Em Mônaco, Alboreto se classificou para correr, mais uma vez em 25º, mas novamente não recebeu a bandeirada, com problemas mecânicos. Caffi sofreu um acidente forte nos treinos e mais uma vez não se classificou para a corrida.
Rompimento com a Footwork e fim do projeto
Com tantos problemas, a Footwork já estava extremamente insatisfeita e queria desfazer imediatamente a já fracassada parceria com a Porsche para usar os velhos motores V8 que usaram até 90.
O acordo para voltar a usar os Ford foi concluído, mas, devido ao tempo de preparação, isso não seria viável para as duas corridas seguintes, que seriam fora da Europa, o que significava que a Footwork teria de ficar com a Porsche por mais algum tempo.
E as coisas até que melhoraram levemente. No Canadá, tanto Alboreto quanto Stefan Johansson, substituto do lesionado Alex Caffi, conseguiram se classificar para a corrida, na única vez em que a Footwork-Porsche colocou os dois carros no grid em um GP. Mas a alegria durou pouco, já que os dois tiveram problemas e abandonaram.
No México, só Alboreto se classificou para o grid, em último lugar, e abandonou com problemas de pressão de óleo, justamente o ponto fraco da confiabilidade do motor Porsche. Foi a gota d’água. A Footwork perdeu de vez a paciência com o mau rendimento de sua parceira e acionou a cláusula de performance, que era o desejo de Jackie Oliver no início de toda a história.
A parceria foi desfeita após somente seis corridas, e a Footwork ainda por cima recuperou todo o dinheiro que pagou à Porsche pelo fornecimento dos motores, o que resultou em um tremendo mico para a marca alemã.
Para a Footwork, o patamar de performance não mudou muito com a troca para os Ford. Devido aos maus resultados, o time foi rebaixado a participar das temidas pré-classificações no segundo semestre da temporada, e precisou remar para reconstruir a sua reputação, já que o ano de 91 estava praticamente perdido.
A Porsche, por sua vez, relutou para confirmar que estava saindo da F1, já que ela desenvolvia um novo motor, um V10, e tinha mais três anos de contrato com a Footwork. Mas, em 17 de outubro de 91, a empresa confirmou que encerrou em definitivo a parceria com a equipe e deixaria a categoria pela porta dos fundos.
O motor V10 foi usado no desenvolvimento do protótipo LMP2000, desenvolvido pela Porsche no final da década de 90 para competir no endurance, mas este projeto nunca chegou a correr. Foi assim, de forma melancólica, que a Porsche fechou este tenebroso capítulo na F1.
Pelo menos por enquanto. A Porsche já sinalizou sua intenção de retornar à F1 na temporada de 2026, quando quem sabe poderá passar uma borracha em sua experiência mais recente na categoria.
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