Vexame histórico da F1 também foi estopim para Barrichello na Ferrari
Sempre que a F1 desembarca no circuito de Zeltweg, na Áustria, é impossível não lembrar da fatídica corrida realizada por lá em 2002, em que Rubens Barrichello cedeu passagem a Michael Schumacher pela primeira posição nos metros finais do GP. No entanto, a relação do brasileiro com a Ferrari somente chegou à sua gota d’água alguns anos depois, no GP dos Estados Unidos de 2005.
No dia 19 de junho de 2005, a F1 atingia o fundo do poço. Os pneus Michelin não resistiam ao estresse imposto pelo circuito de Indianápolis, o que foi exemplificado com o forte acidente de Ralf Schumacher no segundo treino livre.
Como o regulamento da época não permitia troca de pneus durante a corrida, apenas os carros calçados com a borracha da Bridgestone, ou seja, Ferrari, Jordan e Minardi, largaram para a prova. Um momento único e bizarro em mais de 50 anos de F1.
Este cenário, indiretamente, acabou proporcionando o desentendimento derradeiro entre Barrichello e a Ferrari. Com os favoritos fora da disputa, o brasileiro e Schumacher fariam corrida mano a mano pela vitória. Era a oportunidade de ouro para a Scuderia, que fazia campanha fraca no campeonato. Nem Schumacher, nem Barrichello estavam dispostos a desperdiçar a rara chance de triunfar.
Àquela altura, a situação de Rubens com a Ferrari já não estava exatamente às mil maravilhas. Três corridas antes, no GP de Mônaco, o brasileiro ficou furioso com Schumacher depois de ser ultrapassado pelo alemão na última volta da corrida, em manobra para lá de arrojada na saída do túnel.
“Um campeão mundial como ele não precisa fazer coisas como essa. Isso poderia ter acabado com a corrida de nós dois. Eu não teria feito o que ele fez”, disparou o brasileiro no principado
Em Indianápolis, era a vez de Barrichello responder na pista. Na largada, o heptacampeão, quinto no grid original, manteve a ponta, seguido de perto por Barrichello, que havia se classificado em sétimo. Logo nas primeiras voltas, as duas Ferrari dispararam na frente. O alemão liderou no primeiro stint, sempre com Barrichello na cola – a diferença entre os dois não chegava a 1s5.
Chegava a hora da primeira rodada de pitstops. Schumacher, que parou duas voltas mais tarde que o brasileiro, acabou perdendo tempo em sua parada, ficando sete segundos a mais no pitlane em relação ao seu colega de equipe. A liderança mudava de mãos, com Barrichello com mais de três segundos de vantagem na ponta.
Barrichello liderou a corrida com relativa tranquilidade no segundo trecho. No entanto, foi justamente a diferença confortável para Schumacher que o fez ser pego de guarda baixa, quando o alemão andou em ritmo alucinante antes de seu segundo pitstop, duas voltas depois do brasileiro – repetindo uma estratégia que já lhe havia rendido diversos frutos ao longo de sua carreira.
A volta à pista foi apertada, de modo que Schumi e Rubens dividiram a Curva 1 de maneira acirrada na luta pela ponta. Sobrou para o brasileiro, que, para evitar uma colisão que seria catastrófica para a Ferrari, passou pela grama.
Surpreendentemente, Barrichello não viu problemas com a postura de Schumacher na disputa pela posição. Depois da corrida, ele disse que considerou dura a manobra do alemão, mas dentro das normas. O problema real apareceu algumas voltas depois.
O brasileiro tentava a todo custo caçar Schumacher na luta pela liderança, com a diferença, que era quase dois segundos, sendo reduzida a 0s4. Contudo, entre as voltas 60 e 61, a Ferrari pediu para que Barrichello reduzisse os giros de seu motor, uma mensagem sutil (já que ordens de equipe eram proibidas) para que as posições fossem mantidas. Com isso, Schumacher venceu pela única vez naquele ano, com Barrichello logo atrás.
Assim que Barrichello desceu do carro, era visível seu descontentamento. O fato de a Ferrari ter lhe impedido de lutar pela vitória com Schumacher, quando ambos estavam sem chances de lutar pelo título, o fez ter certeza de algo que o mundo inteiro já sabia: na equipe, ele seria sempre um coadjuvante. Ainda no calor do momento, Barrichello soltou uma frase que acabou se tornando folclórica:
“Sou só um brasileirinho contra um mundo muito grande. É uma luta intensa. Tenho de dar de frente com muita coisa que não gosto”
Como Schumacher possuía contrato com a Ferrari até o fim da temporada de 2006, a mesma duração que Barrichello, o brasileiro, enfim, decidiu buscar novos ares. O caminho mais óbvio era a BAR (que seria Honda a partir do ano seguinte), cujo diretor esportivo era seu amigo de longa data, o também brasileiro e ex-piloto Gil de Ferran. As conversas evoluíram de maneira rápida, e o acordo entre as partes foi oficialmente anunciado em agosto, perto do GP da Turquia.
Barrichello deixou a Ferrari com 102 GPs disputados, nove vitórias, 11 pole positions, dois vice-campeonatos e 24 dobradinhas ao lado de Schumacher. O GP dos Estados Unidos de 2005 foi amargo para o brasileiro, mas foi um divisor de águas em sua carreira.
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