(Reprodução/Site Bird Clemente)

Bird Clemente: incrível às que se tornou lenda das corridas no Brasil

Bird Clemente morreu na noite do último domingo (01), aos 85 anos. O paulista é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores pilotos da história do Brasil. Para alguns, incluindo estrelas que tiveram carreira internacional de mais destaque, ele foi o maior.

Por não ter conquistado tantos triunfos na Europa ou corrido na F1, Clemente pode não ter a fama que merece, especialmente nas gerações mais novas, que ficaram mais acostumadas a acompanhar os feitos de pilotos do país no Mundial. Mas ele é figura essencial na história do automobilismo nacional, com técnica quase que inigualável e com diversos feitos importante dentro e fora das pistas em uma era que transformou o esporte a motor no país.

Paulistano, Clemente entrou no automobilismo através de amigos que fez no curso técnico de Agrimensura no Mackenzie. Enquanto trabalhava na empresa da família, uma indústria do ramo papeleiro, ele foi se envolvendo cada vez mais com as corridas, com certo apoio do pai, Francisco Vitor Clemente, um argentino fã de Juan Manuel Fangio e que, assim, também era apaixonado por automobilismo.

Tanto que em uma entrevista ao Projeto Motor, em 2020, sobre os 80 anos do Autódromo de Interlagos, ele lembrou com carinho a primeira vez que esteve na pista, ainda criança, em um passeio de família.

“Eu era criança, com meu pai e meu irmão. Meu pai me levava sempre que tinha alguma coisa importante. Eu via aqueles carrões do Chico Landi e companhia. Eu ficava deslumbrado e nunca poderia imaginar que um dia faria parte daquele elenco, daquela história. É uma coisa muito forte”, contou.

Clemente desenvolveu um estilo agressivo, derrapando com as quatro rodas e fazendo mudanças de marcha no meio da curva, segurando o carro com apenas uma das mãos, algo que era considerando extremamente ousado para os padrões da época. E logo chamou a atenção de adversários e chefes de equipe.

Seu início nas pistas coincidiu com uma era importante para o automobilismo nacional, pois as grandes marcas automotivas começavam a realizar investimento considerável nas corridas e em seu parque indústrial. No começo dos anos 60, a Vemag criou o seu departamento de competições, criando uma equipe oficial de corridas.

Pelo time, além dos famosos DKW, ele também competiu com vários outros chassis preparados pela marca, como um Fórmula Junior construído por Toni Bianco. A equipe Vemag e Clemente empilharam troféus importantes e chamaram a atenção do público e mídia. E isso fez com que outras montadoras corressem atrás.

Clemente abriu o profissionalismo do automobilismo brasileiro

Mesmo com as chegadas das marcas às pistas brasileiras, os pilotos tinham poucos benefícios na época, e Clemente plantou algumas sementes importantes sobre essa questão.

Até então, os competidores recebiam apenas uma ajuda de custo referente principalmente aos dias que se dedicavam aos testes de desenvolvimento dos carros. Clemente negociou com a Vemag pelo menos um carro zero na versão de rua para os integrantes do time oficial, além de desconto para a compra de outros modelos.

Mas a mudança radical foi alguns anos depois, quando ele mudou de cores. Em 1963, com a morte de Christian Heins em um acidente em Le Mans, a equipe Willys perdeu o seu grande líder dentro e fora das pistas. Luiz Antônio Greco, outro dos mais importantes nomes do automobilismo brasileiro, assumiu o time, que já tinha na época Luis Pereira Bueno e Wilsinho Fittipaldi.

Para a vaga de Heins, era necessário mais um piloto experiente e que trouxesse de imediato bons resultados. Clemente era o nome óbvio no mercado, mas a negociação não seria tão simples.

Como já tinha alguns benefícios importantes na Vemag, Clemente conseguiu que a Willys fizesse um contrato profissional para que ele se transferisse. Isso significava, entre outras vantagens e bônus por resultados, um salário fixo para que ele fosse piloto do time em tempo integral, sem precisar se preocupar com outros trabalhos.

Com Clemente como um das principais estrelas, a equipe Willys se tornou um marco para o automobilismo brasileiro
Com Clemente como um das principais estrelas, a equipe Willys se tornou um marco para o automobilismo brasileiro

Pouco tempo depois, Bueno, Fittipaldi e outros pilotos que chegariam ao time, como Francisco Lameirão e José Carlos Pace, também receberam os mesmos benefícios, o que representou uma mudança radical no automobilismo brasileiro.

Cirquinho e o Recorde de resistência

Clemente se tornou o grande líder da equipe Willys, que formou um dos grandes conjuntos de pilotos da história do país. O time era tão estrelado que passou a realizar eventos pelo interior do país em finais de semana que não tinham corridas. Era uma forma, também, do departamento de competições justificar o alto custo com salários de pilotos e técnicos.

Assim, os pilotos andavam nas ruas de cidades brasileiras com Gordinis e Berlinetas simulando corridas, fazendo acrobacias e manobras, além de levarem como passageiros autoridades locais e clientes da marca. Isso muitas décadas antes de equipes de F1 começarem a realizar este tipo de demonstração, que hoje se tornaram tão comuns.

Mas junto com a necessidade de promover a marca da Willys, também vieram desafios esportivos importantes. E um dos mais lembrados foi o recorde de resistência mundial, realizado em Interlagos. A ideia era provar que o Gordini podia competir no quesito com seu principal concorrente no mercado, da Jeep, que apesar de menos confortável e econômico, tinha a fama de resistente.

A Willys então enfrentaria o teste dos 50 mil Km, supervisionado pela FIA, em que um veículo retirado de forma aleatória da linha de produção da fábrica, andaria com paradas apenas para controles, abastecimentos, trocas de óleo e revezamento dos pilotos até completar o percurso.

Para o evento, a Willys reasfaltou todo o anel externo do circuito paulista e construiu nova estrutura de boxes. O desafio começou no dia 26 de outubro de 1964 e dez pilotos, incluindo Clemente, passaram 22 dias em Interlagos andando com o Gordini praticamente sem descanso. No final, eles completaram 51.233 quilômetros, com a média global de 97 km/h, fazendo história para a indústria nacional.

“Eu, o Moco [José Carlos Pace], Chico Lameirão, Danilo de Lemos, Carol Figueiredo, Wladimir Costa, Luiz Pereira Bueno… Nós ficamos morando em Interlagos por 22 dias. A Willys asfaltou o circuito externo. Tínhamos refeitório, dormitório, sala de lazer… Andamos 51 mil km e batemos o recorde mundial [de resistência]com o Gordini. Foi um período muito importante porque ficamos morando lá 22 dias. É muito importante”, contou Clemente ao Projeto Motor.

“E foi algo importante para nós. Já pensou ficar lá todo este tempo? E eu capotei aquele carro. No meio do recorde eu entrei em um colchão de pedra. Mas conseguimos seguir em frente e cumprimos nossa meta. Esse foi um marco muito importante”, continuou relembrando a história.

Bird Clemente se tornou um dos pilotos mais desejados pelas marcas que atuavam no automobilismo brasileiro
Bird Clemente se tornou um dos pilotos mais desejados pelas marcas que atuavam no automobilismo brasileiro (Reprodução/Site Bird Clemente)

Na década seguinte, Clemente ainda conquistou vitórias marcantes da Chevrolet e Ford no Brasil. Primeiro, ele levou o modelo Opala, que se tornaria um ícone no Brasil, à sua primeira vitória de destaque vitória no país ao conquistar as 24 Horas de Interlagos de 1970.

Três anos depois, ele levou as “25 Horas de Interlagos”, os “500 km de Interlagos” e as “Mil Milhas Brasileiras” com o Maverick, da Ford, outro importante esportivo que circulou nas ruas do país.

Clemente se tornou ídolo e referência para toda uma geração

Apesar de nunca ter tido uma carreira internacional de destaque, Clemente sempre foi citado por toda uma geração de pilotos pós-anos 60 como o grande ídolo que motivou pilotos que seguiram para a Europa nas décadas seguintes.

Suas vitórias nas provas mais importantes do automobilismo brasileiro da época, como 24 Horas de Interlagos, Mil Milhas Brasileiras, entre outras tantas, além de seu estilo de pilotagem bastante chamativo, marcou pilotos e seguidores do automobilismo da época.

Muitos, como os irmãos Emerson e Wilsinho Fittipaldi e José Carlos Pace, que chegaram à F1 nos anos 70, se referiam a ele como uma espécie de professor. A conceituada revista britânica Autosport, o colocou em 2013 na lista dos 50 maiores pilotos história que não correram na F1.

E mesmo depois de sua aposentadoria das pistas, em 1974, ele seguiu como um embaixador do esporte a motor no Brasil, participando de eventos e publicando livros sobre a história do automobilismo nacional.

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