Freio é um sistemas mais complexos do carro de F1
(Foto: Clive Mason/Getty Images/Red Bull Content)

Brake-by-wire, MGU-K e cilindros: o complexo freio da F1

O freio de um carro de F1 é uma das coisas mais complexas e espetaculares que existem no mundo automotivo, e que coloca uma enorme distância da categoria para qualquer outra. Exige grandes cálculos antes mesmo da entrada na pista, e muita sensibilidade e habilidade por parte do piloto a cada tomada.

O sistema atual da F1 envolve quatro sistemas diferentes trabalhando em conjunto, com enorme influência tanto em desempenho como na segurança. Isso além, claro, do pé do piloto, que é quem comanda tudo. A grande revolução começou em 2014, com não só com a inclusão sistema híbrido da unidade de potência, mas com um grande aumento da capacidade de recuperação de energia nas freadas em relação ao antigo Kers, de 2009. O equipamento altera consideravelmente o balanço dos freios.  

E o casamento do acionamento convencional (que também passou a ser dividido em dois, como explicaremos mais à frente), freio motor e recuperação de energia exige grande precisão em alta velocidade. Para se ter ideia, uma das freadas mais complicadas do calendário, da curva 13 do circuito de Montreal, que leva para chicane antes da reta dos boxes, os pilotos vêm de um trecho enorme de aceleração e utilizam o freio por menos de 2 segundos, por uma distância média de 100 metros, diminuindo a velocidade de 330 km/h para 133 km/h.

Neste curto tempo, tem muita coisa funcionando para assegurar não só uma desaceleração segura, mas que o piloto consiga manter a linha de traçado ideal e imaginada por ele. Isso porque se o freio causar um desiquilíbrio de qualquer parte, como saída de frente ou de traseira, principalmente na entrada da curva, por mais que o piloto consiga fazer a correção, ele não irá seguir a linha ideal e vai perder tempo.

Em 2016, o Projeto Motor já fez uma bela explicação sobre o sistema, mas com a evolução dos últimos anos e abertura de mais informações, ganhamos mais elementos para um novo capítulo sobre essa questão.

A patada no pedal

Antes de mais nada, precisamos explicar que o acionamento do pedal de freio de um F1 é totalmente mecânico. Ou seja, o piloto pressiona com o pé e assim ativa dois cilindros mestres (um para frente e outro para trás). E o pisão precisa ser muito firme e forte. Em um carro de rua, quando você aciona o freio, o sistema consegue multiplicar a força que você usa. Na F1, isso é proibido porque é interpretado pela FIA como um auxílio de pilotagem.

Por isso, os pilotos precisam ter pernas fortes para pressionarem com força o freio. Com uma patada mesmo. Existe, porém, uma ajuda “natural”. Por conta da alta velocidade e forte desaceleração, quando o carro começa a “parar”, a ação gera uma força contrária proporcional a quase 5G. Para se ter ideia, em freadas bruscas de emergência, normalmente um carro de rua enfrenta um máximo de 1G. Esse é aquele momento em que quando você freia o carro, todo mundo vai para frente e aquele brinquedo que está no banco de trás vai parar lá no para-brisa.

Em um paralelo interessante para se compreender a força feita pelo piloto aqui, segundo uma das fabricantes de freios da F1, a empresa Brembo, os antigos ônibus espaciais enfrentavam desacelerações nos lançamentos e reentradas de até 3G. Sendo assim, quando freia, o pé do piloto acaba “pesando” mais no pedal. A equipe Mercedes calcula que só a perna do piloto passa a pesar cerca de 100 kg direto do freio. Mesmo assim, a patada inicial precisa ser feita com a força do piloto para iniciar o ciclo: quanto mais forte ele pisa, mais o carro vai desacelerar e aí mais sua perna vai pesar no pedal.

Agora, coloque na receita que o piloto enfrenta tudo isso e ainda precisa manter a sensibilidade para saber se precisa aumentar ou diminuir a carga, e como o carro está se comportando na trajetória.

E a receita não é única, já que mesmo passando pela mesma curva várias vezes durante o final de semana de GP, a resposta do carro à freada vai mudar dependendo da carga aerodinâmica colocada nas asas, a quantidade de combustível no tanque (que muda o peso do carro), o tipo e quão gastos estão os pneus.

Em contrapartida, o piloto tem a possibilidade de no volante alterar durante a volta o equilíbrio da carga de freio, jogando mais para frente ou mais para trás, em configurações diferentes pré-determinadas. Se o carro está saindo de frente na entrada de curva, ele joga mais carga para trás e tira da frente e assim “arrasta” menos as rodas dianteiras. Mas se ao apertar o pedal do freio, ele percebe que o carro tem a reação de sair de traseira e até rodar, ele coloca a carga mais para frente e menos atrás. Existe também a possibilidade de fazer uma configuração com que essa carga mude durante a curva, que vamos explicar mais à frente.

Outra coisa importante de explicarmos. Ao contrário da maioria dos modelos de rua da atualidade, os carros de F1 não possuem hoje ABS ou qualquer outro sistema antitravamento de rodas. Este tipo de dispositivo era permitido na categoria até o começo dos anos 90 e foi proibido em 1994, já que passou a ser visto como um auxílio de pilotagem. Por isso você vê tantas rodas travando nas corridas e o mesmo não acontece quando você precisa frear com força nas ruas.

O freio dianteiro

Já cabe aqui explicar que o freio dianteiro e o traseiro, mesmo que interligados no pedal, funcionam de formas bem diferentes. As rodas da frente de um carro de F1 não são tracionadas, além da região carregar menos peso, já que além de ser menor, praticamente todo equipamento (motor, radiadores, transmissão, baterias e etc) fica na traseira.

Como já apontamos, o pedal de freio é ligado a dois cilindros mestres, um para os freios da frente e outro para os traseiros. O das rodas dianteiras aciona diretamente os quatro pistões da pinça, o que provoca o atrito entre as pastilhas e o disco. Isso faz a roda desacelerar, assim como o carro.

Sim, é bem simples mesmo e, ao contrário do que muita gente imagina, sem nenhum auxílio para o piloto, que precisa fazer a força necessária para movimentar o cilindro mestre e pressionar o disco, sem aliviar.

O acionamento do freio de um F1, com dois cilindros mestres: um para as rodas da frente e outro, com sensor do BBW, para as da trá
O acionamento do freio de um F1, com dois cilindros mestres: um para as rodas da frente e outro, com sensor do BBW, para as da trás (Imagem: Mercedes)

Freio traseiro: a parte complexa do sistema da F1

Aqui a coisa fica mais complexa. Para o acionamento do freio traseiro, que são as rodas de tração de um carro de F1, três sistemas diferentes entram em ação e precisam ser calculados e coordenados antes mesmo do carro ir para a pista. O eletrônico de brake-by-wire (freio-por-fio, na tradução livre), pelo qual nos referimos normalmente pela sigla BBW, o bom e velho freio motor e o sistema de recuperação de energia cinética nas freadas.

Repare que não necessariamente os três artifícios nasceram para ajudar a frear o carro, mas são questões que precisaram entrar com o tempo na equação de engenheiros e pilotos para acertarem seus monopostos.

Assim como os sistema do freio dianteiro, o traseiro também é acionado pelo mesmo pedal, que pressiona um cilindro mestre paralelo. A semelhança para por aí. No final do cilindro mestre, existe um sensor que mede a pressão exercida pelo fluído interno do equipamento. Quanto mais forte o piloto pressiona o pedal, maior será o sinal vai para a ECU (Unidade de Controle Eletrônica), que aciona os freios.

Louco, não? Imagino que você está se perguntado por que o sensor do BBW fica em um cilindro mestre e não é direito no pedal de freio. O motivo principal é segurança, pois desta forma, caso o sensor falhe ou o sistema eletrônico tenha uma pane, o piloto ainda conseguirá frear as rodas traseiras com um dispositivo convencional totalmente hidráulico paralelo ao principal.

Então, qual é a vantagem do BBW? Desempenho. E aqui está a grande chave do trabalho de acerto dos carros com a participação de pilotos e engenheiros. Quando recebe a informação do sensor do cilindro mestre, a ECU calcula o quanto o piloto quer frear e verifica a participação na frenagem naquele momento do freio motor e o sistema de recuperação de energia, que estão ligados diretamente ao virabrequim. Assim, a ECU mede a pressão precisa na pinça de freio que vai responder ao que o piloto pediu.

O objetivo é que o processo de frenagem seja realizado mais próximo possível do objetivo do piloto, mesmo com tantas variáveis no sistema, e mantendo o equilíbrio do carro. Por isso que o BBW foi introduzido na F1 em 2014, quando as unidades de potência híbridas também retornaram.

Enquanto o antigo Kers, de 2009, recuperava apenas 80 hp da energia cinética nas freadas (que é de forma resumida e simplificada a energia dissipada pelo motor quando ele vai contra o movimento que fazia anteriormente de aceleração), o atual sistema, MGU-K, recupera o dobro, 180 hp. Esta interferência poderia gerar rodadas e dificuldades ao pilotos, por gerar pouco aviso no formato de sensibilidade no pedal.

Além disso, existe um sistema ligado ao BBW que se chama “Migração de Freio”, que durante a curva, a ECU pode rebalancear a pressão entre freios dianteiros e traseiros durante o contorno da curva, fazendo a leitura do trabalho de pedal do piloto. Ou seja, se o carro começa a sair de frente ou de traseira, o condutor vai pressionar ou soltar um pouco mais o pedal de freio de forma intermitente e o sistema eletrônico vai entender isso como uma correção. Isso tudo precisa seguir o comando de pedal do piloto, caso contrário, pode ser interpretado pela FIA como auxilio de pilotagem, o que é proibido.

Discos e pinças do freio

O sistema como um todo aqui funciona de forma muito parecida com a dos modelos de rua. A grande diferença está nos materiais. O disco do carro de F1 é feito de carbono.

O material em si não é melhor em frenagem em uma situação normal, mas existem dois grandes diferenciais que o fazem valer a pena para as equipes de F1, mesmo que o custo seja muito mais alto. Para começar, ele é bem mais leve. Muito mesmo. Segundo a fabricante Brembo, enquanto um disco de carro de rua pesa em média 15 kg, o da F1 leva 1,2 kg.

Números dos discos de freios da F1 da marca Brembro (Imagem: Brembo)

O outro fator é que ele mantém a eficácia em altas temperaturas. Precisamos lembrar aqui que os carros de F1 são levados sempre ao extremo. Os discos de freio dos modelos comerciais têm uma faixa ideal de funcionamento entre 50°C e 500°C. Os da F1 vão de 350°C a 1.000°C.

Isso também causa uma preocupação extra para pilotos e projetistas. Se o freio não chega à temperatura mínima, ele não funcionar direito. Podemos ver muito isso nas largadas, quando por mais que os pilotos tentem fazer procedimentos para alcançar nível mínimo, o disco nunca está no ideal. Por isso a freada na primeira curva é sempre tão crítica.

Outro momento de problema é em grandes retas, como do Azerbaijão, em que entre uma curva e outra na reta dos boxes, o disco perde temperatura e pode deixar a freada da curva um mais complicada, com o sistema de freio respondendo de uma forma inesperada ao piloto.

O outro lado da moeda é quando ele superaquece. É possível vermos nas transmissões e fotos os discos ficarem incandescentes nas curvas e soltarem fumaça e até mesmo labaredas de fogo quando o carro para no grid de largada ou para um pit stop. Estamos falando aqui de mais de 1.000°C! Em geral, o carbono aguenta bem a situação, porém, se ficar por muito tempo neste patamar, pode sofrer oxidação e aumentar o desgaste.

Dutos de refrigeração dos freios da Mercedes em 2020 (Foto: Mark Sutton / LAT / Mercedes)

O fogo e a fumaça surgem em momentos em que carro para porque o sistema de refrigeração deixa de levar ar para o disco. Ele é composto basicamente por dutos que nas retas direcionam o fluxo de ar para os discos de freio e assim amenizam o calor. Sem velocidade, não existe entrada de ar, e a temperatura explode.

Os discos recebem em sua fabricação cerca de mil pequenos buracos para melhorar sua refrigeração e deixá-los ainda mais leves. As empresas fabricantes (basicamente a italiana Brembro e a francesa Carbone Industrie) vão ao máximo aqui do que é possível na equação ventilação sem gerar possível problemas na estrutura da peça.

Com tudo isso, na próxima vez que você vir um piloto entrando em curva, lembre de quanta coisa está acontecendo na cabeça dele e no carro quando ele pressiona o pedal de freio.

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