(Foto: LAT/Mercedes)

O que é rake e por que a Mercedes perdeu com as regras de 2021

Quem acompanha a F1 mais de perto com certeza já ouviu o termo rake. E mais. Nas últimas semanas, essa palavra tem sido muito usada para explicar a perda da vantagem que a Mercedes tinha em relação aos rivais, especialmente a Red Bull, para a temporada de 2021.

Apesar da vitória do GP do Bahrein que abriu a temporada, ficou claro que a equipe alemã não sobra mais como conseguia nas últimas duas temporadas. E tanto Lewis Hamilton quanto o chefe da equipe, Toto Wolff, apontaram a mudança do regulamento para este ano como fator principal.

Como já explicamos aqui no Projeto Motor, a FIA alterou uma das partes mais sensíveis do carro de F1: o assoalho. E mais, para diminuir os custos em um ano de pandemia, restringiu consideravelmente o desenvolvimento dos modelos de 2021 em relação aos de 2020.

Isso significa que equipes que tinham um carro que talvez não se encaixa muito bem com o novo regulamento, como é o caso da Mercedes e Aston Martin, sofram um pouco mais para se ajustarem, pois não podiam mexer muito no projeto. E entre um dos principais fatores dessa história toda é o nosso amigo rake.

O que é o conceito de rake

Basicamente, ângulo de rake é formado pela inclinação do carro em relação ao solo. Modelos que usam esse conceito possuem o bico mais próximo do asfalto e a traseira mais alta. É o caso da Red Bull, que trabalha desta forma desde 2009 e se deu muito bem com ele até 2013.

Já a Mercedes e a Aston Martin, que não só possui uma parceria técnica com a montadora alemã como admite publicamente que copia tudo que consegue dos monopostos dela, fazem carros mais paralelos ao chão.

Diferença do ângulo de rake entre carro da Red Bull e da Mercedes é visível a olho nu
Diferença do ângulo de rake entre carro da Red Bull e da Mercedes é visível a olho nu (Fotos: Pirelli)

Teoricamente, quem usa o ângulo de rake consegue gerar mais pressão aerodinâmica. Isso acontece porque transforma todo o assoalho do carro em um grande difusor que trabalha para gerar mais aderência. Precisamos lembrar aqui que na F1 cerca de 45% de toda eficiência aerodinâmica dos carros vem desta parte dos monopostos.

A começar, o bico mais próximo do chão faz com que o carro sofra menos com saída de frente, pois asa consegue ter mais eficiência. Depois, a parte debaixo do carro vai se distanciando do chão e cria uma área de baixa pressão. Para isso, a parte da frente do assoalho fica mais próxima do chão e acelera o fluxo de ar naquela região. Assim, o ar que passa por cima do carro, mais lento, gera mais pressão que empurra o monoposto para baixo, fazendo ele “pregar” mais no asfalto.

E a grande cereja do bolo é que com a traseira no alto, as equipes com rake ganham mais volume prático de trabalho no seu difusor. Isso permite que a peça trabalhe melhor para que a traseira também ganhe pressão aerodinâmica.

“Ok, mas a Mercedes não usa esse conceito e ganhou os últimos sete campeonatos”, você deve estar se perguntando. É uma questão de cultura de projeto pela qual você tenta encontrar benefícios de outras maneiras. Acontece que os carros que usam muito rake possuem um ponto fraco. Com a traseira mais alta, nas freadas, o centro de gravidade também fica menos estável e o carro pode ter a tendência de balançar para os lados nas curvas. Claro que isso gera instabilidade. Por isso, é uma questão de encontrar o melhor meio termo.

A Mercedes preferiu nos últimos anos usar um carro com entreeixos mais longo, o que aumenta a área do assoalho e ajuda a diminuir a distância do aumento de pressão aerodinâmica dos carros com mais rake. Para conseguir isso, o ar que passa por baixo do monoposto precisa estar bem selado, pois se ele sair pelos lados, vai gerar turbulência. Por isso, o time usava bem as beiradas do assoalho na parte à frente da roda traseira para não deixar esse fluxo escapar.

Desta forma, o time alemão encontrou uma forma que, mesmo perdendo um pouco na questão aerodinâmica para os rivais com maior ângulo de rake, ganha no compromisso geral ao manter o centro de gravidade bastante baixo. Além disso, a equipe também fez um trabalho de suspensão traseira para também tentar pregar mais a região, ganhando estabilidade na compensação de um difusor menos eficiente.

Onde o regulamento de 2021 está ferindo a Mercedes

Dois pontos específicos fazem com que o conceito da Mercedes perca um pouco de eficiência para 2021. Para começar, a FIA mandou as equipes recortaram uma área triangular do assoalho que fica à frente das rodas traseiras. O regulamento estipula uma linha diagonal que sai da metade do pneu ou a 650mm do centro do carro até um segundo ponto, na metade do carro, em que o limite do assoalho pode ficar a 800mm do centro do centro.

Corte no assoalho no regulamento de 2021 da F1 (Imagem: Reprodução regulamento FIA F1)

Isso prejudica aquele efeito que a Mercedes usava para “selar” o ar que passava pelo assoalho. Assim, cria-se uma área de turbulência que faz o modelo ficar mais instável, como os pilotos do time alemão afirmaram pelo rádio durante os treinos durante o final de semana no Bahrein.

Para piorar, a FIA ainda encurtou as aletas do difusor em 50mm. Isso significa que aquele volume extra que os carros com mais rake conseguem produzir na peça passa a fazer ainda mais diferença. A McLaren criou uma maneira interessante de diminuir essa perda, que muito provavelmente será estudada pelos rivais.

Para piorar a situação de Mercedes e Aston Martin, o desenvolvimento dos carros para este ano segue um sistema de tokens. Para você mudar seu carro de um conceito de assoalho paralelo ao chão para um de maior ângulo de rake, você precisa mexer praticamente em tudo. Não só na maneira como assoalho trabalha, mas também suspensão, asas traseira e dianteira e toda carenagem, pois com o ângulo da traseira, o carro passa pelo ar de uma forma diferente.

Esses dois times ficaram bastante limitados para realizarem essas mudanças. O caminho foi tentar ao máximo detalhar as beiradas do assoalho para buscar uma diminuição do prejuízo.

Diferença do assoalho do carro da Mercedes de 2021 em relação ao de 2020
Diferença do assoalho do carro da Mercedes de 2021 em relação ao de 2020 (Fotos: Pirelli)

O que pode ser feito pela Mercedes?

Em outros momentos dessa sua era de domínio, a Mercedes já foi ameaçada. Em 2018, principalmente, a Ferrari chegou a bater de frente e até ser superior em algumas provas. Mas o time alemão sempre conseguiu reagir.

A base do carro da Mercedes é boa. Perdeu vantagem e pode até ficar atrás em algumas pistas, porém, como quase todas as escolhas na F1, na questão do rake também existe uma questão de compensação e compromisso. Vimos no GP do Bahrein que no começo da corrida, quando Hamilton e Verstappen estavam em condições iguais de pneus, o inglês conseguiu acompanhar o ritmo.

A Mercedes tem tempo e espaço para trabalhar e tentar encontrar soluções de acerto e ainda pode fazer ajustes pontuais no seu projeto dentro das limitações dos tokens. Além disso, Wolff ainda admitiu que existe uma melhora que a marca espera fazer no sistema de recuperação de energia para equilibrar melhor o carro nas freadas. Ou seja, descartar a Mercedes do jogo, como alguns quiseram fazer antes da corrida em Sakhir, é uma loucura. E o time, mesmo ainda precisando melhorar o carro, mostrou isso na corrida.

Comunicar erro

Comentários

Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial