Única prova de Donington da F1 foi organizada às pressas por conta da desistência de Autopolis

Donington-93: como a histórica prova da F1 quase aconteceu no Japão

O GP da Europa de 1993 ficou marcado como uma das melhores atuações da carreira de Ayrton Senna. Para muitos, talvez, sua obra-prima na F1 em uma corrida com chuva intermitente que destacou sua habilidade em pista escorregadia. Uma das grandes curiosidades desta prova, no entanto, é que ela entrou às pressas no calendário para tapar um buraco deixado pelo colapso de outro evento.

Na época, a ideia de Bernie Ecclestone, então chefão da F1, era de apostar na crescente popularidade da categoria na Ásia e mais especificamente no Japão. Por isso, o dirigente estava trabalhando com o proprietário do novo circuito japonês de Autopolis, o empresário Tomonori Tsurumaki, por uma etapa por lá.

O GP da Ásia de 1993 entraria no calendário na vaga do México, que deixaria a F1 depois de 1992. O GP do Japão, seguiria normalmente em Suzuka, no final do ano. O autódromo de Autopolis chegou a aparecer em uma primeira versão da programação daquela temporada publicada pela FIA.

Só que em um dos recorrentes dominós da economia internacional, tudo desabou rapidamente. Ecclestone teve que sair correndo já nos meses finais de 92 para encontrar uma alternativa para preencher o calendário da F1 e Donington, de cara, foi a opção viável encontrada para uma prova logo no começo do ano.

O projeto de Autopolis

O Japão viveu um grande bom econômico nos anos 80, já seguido de um bom final de década de 70, o que criou uma sequência de 16 anos de crescimento do Produto Interno Bruto. Durante os últimos anos desta tendência, em quatro oportunidades o avanço do PIB foi acima dos 5%.  

Empresas japonesas se tornaram grandes multinacionais e o dinheiro não parou de entrar na economia local. A consequência desta expansão foi um aumento da inflação e principalmente dos preços dos imóveis. Investidores do setor se deram bem. Entre eles, o empresário Tomonori Tsurumaki.

Amante de automobilismo e das artes, ele ficou conhecido na época pela aquisição de obras importantes. Em 1989, ele se tornou manchete por todo o mundo ao arrematar em um leilão em Paris o quadro “Les Noces de Pierrette”, de Pablo Picasso, por U$ 51,3 milhões [o que corrigido para os valores de hoje, daria algo em torno de U$ 110 milhões ou aproximadamente R$ 300 milhões].

Circuito de Autopolis é incrustado em uma região bastante montanhosa do Japão

Na mesma época, Tsurumaki começou a construção de um circuito na região de Fukuoka, no sudeste do Japão. É uma zona bastante montanhosa do país, a mais de 1.000 km de Tóquio e com poucos hotéis próximos. O outro projeto que pretendia também receber esta segunda corrida no Japão era o de Aida, também em um local de difícil acesso e de pouca estrutura.

Tsurumaki derramou por volta de U$ 500 milhões para a construção de seu autódromo e conseguiu inaugurá-lo em 1990, pulando na frente da disputa. O circuito foi projetado por Yoshitoshi Sakurai, que tinha trabalhado na Honda durante anos 60. O traçado, a 3 mil metros do nível do mar, tinha 4.674 metros e a diferença de relevo chegava a 50 metros.

Com sua pista pronta, Tsurumaki iniciou o lobby para convencer Ecclestone e a F1 a irem para seu autódromo. Entre as ativações, ele patrocinou a Benetton nas temporadas de 1990 e colocou o logo de Autopolis nas asas traseiras dos carros da equipe, que na época tinha o tricampeão Nelson Piquet.

O brasileiro, seu companheiro de equipe, Alessandro Nannini, e o chefe da Benetton, Flavio Briatore, estiveram na grande festa de inauguração, que incluiu a apresentação de carros de diversas categorias, inclusive da própria equipe de F1.

Marca do circuito de Autopolis na Benetton de Nelson Piquet, em 1990

Em outubro de 1991, Autopolis recebeu um grande teste, com a final do Mundial de Marcas da FIA. A corrida foi vencida pela dupla da Sauber-Mercedes, formada por Michael Schumacher e Karl Wendlinger.

Depois de tanta conversa, e querendo de qualquer maneira fazer uma segunda corrida no Japão, Ecclestone fechou acordo com Tsurumaki para a F1 correr em Autopolis em 1993. A corrida aconteceria em abril, após os GPs da África do Sul e do Brasil, e levaria o nome de GP de Ásia, seguindo a mesma de ideia de GP da Europa, que de vez em quando acontecia em países do Velho Continente que já possuíam outras provas, como Inglaterra e Alemanha.

O colapso de Autopolis e o acordo com Donington

Só que quando tudo parecia se encaixar para Tsurumaki levar a F1 para sua pista e para Ecclestone conseguir realizar seu segundo GP no Japão, a bolha imobiliária japonesa explodiu e causou uma grande crise econômica no país.

Entre os acometidos, estava o próprio Tsurumaki, que foi à falência. E claro que o circuito de Autopolis acabou sendo bastante impactado também. A construtora Hazama Corporation, que ergueu o autódromo, se tornou proprietária da pista em troca das dívidas pela obra.

Isso tudo em setembro de 1992, apenas sete meses antes de quando estava marcado o GP da Ásia. Bernie Ecclestone então teve que olhar em sua agenda de contatos para não ficar com um GP a menos na temporada de 1993. E lembrou de Tom Wheatcroft, proprietário de Donington Park e que desde o começo dos anos 80 tinha o objetivo de colocar sua pista no calendário da F1.

A ideia inicial do inglês era de entrar no rodízio do GP da Grã Bretanha, que até 1987 tinha uma alternância entre Brands Hatch e Silverstone. Ele chegou a receber apoio do Automóvel Clube Real, que na época ainda fazia parte da organização da etapa britânica no Mundial, e até do presidente da FIA, Jean-Marie Balestre.

Só que Ecclestone acreditava que seria mais saudável para o GP da Grã-Bretanha não só que Donington Park não entrasse na rotação de circuitos, como o rodízio em si deixasse de existir. Assim, a partir de 1988, Silverstone passou a ser a única sede da prova, enquanto Brands Hatch e Donington Park ficaram sem a F1.

Com o problema do calendário de 93 na mesa, Ecclestone entrou em contato com Wheatcroft e perguntou se ele poderia organizar uma corrida em seu circuito em abril para entrar no lugar do fracassado GP da Ásia. Com a chance de ouro de mostrar Donington Park para o mundo, já que a pista a esta altura já tinha sua tradição nos campeonatos britânicos, o empresário topou o desafio.

Ecclestone sacou do arquivo o nome “GP da Europa”, que não era utilizado desde 1985, quando também se tornou uma opção para duas corridas inglesas no calendário, com Brands Hatch.

Sega e Sonic em Donington Park

Assim que foi anunciado que Donington entraria no lugar de Autopolis no calendário, ainda no final de 1992, o circuito inglês iniciou uma série de obras às pressas para adequação de partes do traçado e do paddock. O trabalho foi tão intenso, que Wheatcroft chefou a sofrer um infarto neste período, enquanto dirigia um carro pelo traçado remodelado.

Tudo ficou pronto de última hora, apenas algumas semanas antes da corrida, mas no geral, as coisas funcionaram como esperado. Claro que era preciso se levar em conta o pouco tempo que Donington teve para se preparar. As principais reclamações acabaram mesmo ficando em torno do tamanho do paddock, que apesar de ter recebido uma reforma, ainda ficou menor e com menos estrutura do que as principais pistas do mundo tinham na época.

Sonic se tornou o mascote da prova em Donington Park, em 1993
Sonic se tornou o mascote da prova em Donington Park, em 1993

A empresa japonesa de videogames Sega, que estava em negociações até o ano anterior para apoiar o GP da Ásia, foi acionada para participar do novo evento. Em 1993, ela também estava patrocinando a equipe Williams e por isso, a negociação para se tonar parceira comercial do GP da Europa foi tranquila.

A Sega comprou os naming rights da prova, que se chamou oficialmente “Sega European Grand Prix” e colocou um de seus principais personagens, o Sonic, para ser uma espécie de mascote promocional do evento. Além de aparições antes e durante o final de semana da prova, o ouriço ultra veloz também foi representado no troféu levantado por Senna ao final da corrida.

O que aconteceu com Donington, Autopolis e a segunda prova no Japão

Apesar do sucesso esportivo do GP da Europa de 1993, Donington Park, mesmo se candidatando diversas outras vezes, nunca mais conseguiu voltar a receber a F1. O circuito, no entanto, passou a sediar provas de outras categorias internacionais importantes como FIA GT, MotoGP e Superbike.

Autopolis também sobreviveu, apesar de passar por alguns anos de quase inatividade. Enquanto tentava vender o autódromo, a construtora Hazama aproveitou parte do terreno e construiu três hotéis, piscinas e uma pista de esqui artificial para tentar rentabilizar a área de alguma forma.

Em 2005, Autopolis finalmente foi arrematado por um novo comprador, a icônica marca de motocicletas Kawasaki. A empresa conseguiu aos poucos revitalizar o autódromo e colocou o circuito no mapa das principais competições japonesas como o Super GT e a Super Formula (veja on board desta última abaixo).

Em 2019, a pista passou ainda a fazer parte do cardápio do game Gran Turismo, um dos mais importantes do mundo para quem gosta de simulação. A própria FIA utiliza sua plataforma como base para o Mundial de automobilismo virtual.

E a ideia de Ecclestone de um segundo GP no Japão? Como sabemos, o inglês não era exatamente de desistir de projetos que ele considerasse importantes. E  ele achou outro investidor para a empreitada: Hajime Tanaka, cuja família ganhou muito dinheiro do ramo da mineração e que investia também na construção de campos de golfe. Além, claro, de ser amante de automobilismo.

Tanaka construiu o TI Circuit, mais conhecido por todos como Aida, nome da cidade mais próxima na mesma época de Autopolis. Apesar de ser mais próximo de Tóquio, a pista também era bastante remota, em uma região montanhosa e sem boa infraestrutura hoteleira e de turismo nas cercanias. A cidade grande mais próxima é Okayama, a duas horas de trem.

Aida também foi inaugurada em 1990 e apesar de vencida na disputa inicial para sediar o GP da Ásia de 1993, manteve o foco em receber a F1 em breve. Tanaka manteve contato com Ecclestone e, em junho de 1993, convenceu o inglês a assinar um contrato de cinco anos para o Mundial visitar seu autódromo.

Em outubro, a FIA confirmou a entrada da prova no calendário de 1994, só que com o nome de GP do Pacífico, que Tanaka achava mais bonito e com mais classe do que a nomenclatura original, de GP da Ásia.

Apesar dos cinco anos de contrato, a prova de Aida aconteceu apenas por duas vezes. O evento não teve sucesso financeiro e o estilo da pista também não cativou fãs e a F1 em si. Sendo assim, em 1996, o GP do Pacífico deixou de constar no calendário.

Ecclestone continuou trabalhando por novas provas na Ásia, mas seu foco mudou um pouco. Em vez de duas provas no Japão, a ideia foi de ir atrás de novos mercados, e o inglês mais uma vez conseguiu ampliar os número de corridas no continente com o GP da Malásia, em 1999, do Bahrein e China, em 2004, Singapura, em 2008, Abu Dhabi, em 2009, Coreia do Sul, em 2010, Índia, 2011, e finalmente Rússia, em 2014. Mas aí, já é outra história.

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