EuroBrun se arrastou na pré-classificação da F1 por três anos

Eurobrun: de projeto decente a vázea total | Equipes de Pré-classificação #3

Era uma vez dois homens. Um deles era um suíço de origem alemã que, sabe-se lá como, ficou rico vendendo máquinas caça-níquel, dessas que você encontra em bares e demais locais impróprios para crianças. O outro era um italiano desses que se criaram consertando motores de tratores numa pequena oficina mecânica. Ambos gostavam muito de corridas, tanto que ingressaram no mundo do automobilismo criando suas próprias equipes. As histórias de Walter Brun e Paolo Pavanello correriam de forma paralela, e cheia de altos e baixos, até se encontrarem em um dos projetos mais infelizes da história da F1: a EuroBrun.

O jovem Brun gastava o dinheiro suado de suas maquinetas com corridas de subida de montanha nos anos 60. Não demorou muito e o helvético, já portador de um estiloso bigode, quis se aventurar em coisas um pouco mais grandiosas. Em 1971, lá estava o cara pilotando um Porsche 907 nas 24 Horas de Le Mans. Nem foi tão mal e quis seguir brincando de corrida de carro mundo afora.

Nos anos seguintes, Brun disputou inúmeras corridas de protótipos e de carros de turismo pela Europa. Obteve alguns bons resultados aqui e acolá, mas não a ponto de se estabelecer como um piloto vencedor. Em 1983, sabendo que não iria muito longe se permanecesse apenas pilotando carros, Walter resolveu fundar sua própria equipe, a Brun Motorsport.

Walter iniciou sua carreira como dono de equipe utilizando chassis BMW e Sauber, mas posteriormente se tornou um dos principais clientes da Porsche. Os 956 e 962 da Brun Motorsport rapidamente se tornaram frequentadores assíduos das primeiras posições no Mundial de Protótipos e no campeonato Interserie. Dentre os títulos que a esquadra obteve, destaca-se o título de construtores do Mundial de Protótipos em 1986, em que Walter Brun foi capaz de derrotar os milionários esquemas oficiais da Jaguar e da Porsche. Tragédias também aconteceram: Stefan Bellof morreu em um carro da Brun na pista de Spa-Francorchamps em 1985.

Enquanto Walter Brun acumulava vitórias em corridas de protótipos, o negócio de Paolo Pavanello eram as corridas de monopostos. Sua equipe, a Euroracing, foi capaz de ganhar três campeonatos de Fórmula 3 em um espaço de apenas quatro anos: título italiano de 1977 com Piercarlo Ghinzani e títulos europeus de 1980 e 1981 com Michele Alboreto e Mauro Baldi. Foram conquistas tão expressivas que não demorou muito para que Pavanello adentrasse o mundo dos sonhos da F1: em 1983, a Alfa Romeo resolveu acabar com sua equipe oficial por razões políticas e econômicas e o espólio foi transferido para a Euroracing, que passou a representar as cores da marca da cobrinha no campeonato.

Infelizmente, os três anos em que a Euroracing esteve presente na F1 foram qualquer coisa, menos frutíferos: 18 pontos marcados em 1983, 11 em 1984 e zero em 1985. Isso mesmo: a Alfa Romeo passou a temporada de 85 inteira no zero, acumulando fracassos e situações ridículas. Houve um ponto em que os dois pilotos da equipe, Eddie Cheever e Riccardo Patrese, que por acaso também eram concunhados, cortaram relações por causa de problemas na pista.

Após 1985, a Alfa Romeo resolveu permanecer na F1 apenas como fornecedora de motores e Paolo Pavanello teve de procurar outra coisa para fazer. Retornou à Fórmula 3 e chegou a botar os dedos dos pés nas águas turbulentas da Fórmula 3000 sem grande sucesso. Parecia até que nunca mais faria algo de notável na carreira. Parecia.

As pacatas vidas de Walter Brun e Paolo Pavanello tomariam um rumo bastante insólito a partir de meados de 1987, tudo graças ao piloto argentino Oscar Larrauri.

O esperto Larrauri, que representava a Brun Motorsport no Mundial de Protótipos, nunca escondeu que queria correr de F1 qualquer dia desses. Já estava com quase 33 anos de idade e o tempo passava e voava. Num cálido dia de julho de 1987, Oscar resolveu tomar a iniciativa de retomar seu caminho rumo ao Olimpo. Convidou o chefe Walter Brun e o ex-chefe Paolo Pavanello, que havia trabalhado com ele nos tempos de Fórmula 3, para um chá com biscoitos. À mesa, Larrauri se atreveu a fazer a sugestão: que tal todo mundo ali se juntar e criar uma equipe de F1 do zero para 1988?

Parecia loucura num primeiro instante, mas até fazia sentido se pensarmos bem. Pavanello era um especialista em monopostos e Brun comandava uma das equipes mais fortes do Mundial de Protótipos. 1988 seria o último ano dos motores turbinados na F1, e os custos iriam lá para o chão. Não era necessário muito para se fundar uma escuderia. Todos ali se convenceram de que a ideia não era tão imbecil assim. Vamos adiante, pensaram.

Foi aí que surgiu a mais nova equipe de F1 do pedaço. Como ela foi batizada? Simples. Bastou criar um portmanteau com os nomes das respectivas equipes dos dois comandantes da parada, Paolo Pavanello e Walter Brun. Dessa forma, o improvável cruzamento entre a Euroracing e a Brun Motorsport resultaria no surgimento da Eurobrun Racing AG em setembro de 1987. Não é o nome mais bonito do mundo, mas é o que tinha para hoje.

O início do projeto EuroBrun

No papel, a Eurobrun não parecia uma coisa de todo ruim. Paolo Pavanello já tinha tido experiência na F1 e o próprio Walter Brun passou o ano de 1987 inteiro estudando possibilidades de entrar lá – até conversas com Keke Rosberg, Adrian Reynard e Volker Weidler ele havia iniciado. O suíço, por conta de suas maiores capacidades financeiras, seria o diretor geral. Pavanello assumiu o posto de diretor técnico. Cada um deles teria 50% das ações da escuderia, que seria sediada em uma cidadezinha próxima a Milão.

Num primeiro instante, Walter Brun ficou indeciso entre ingressar na F1 já em 1988 ou adiar a estreia para 1989, quando o novo regulamento de motores entraria em vigor. Haveria algumas dificuldades para se reunir os 7 milhões de francos suíços necessários em tão pouco tempo, e Brun também cogitava fazer a estreia já com um motor V12 aspirado de marca não-identificada. No fim, as dúvidas foram para a casa do capeta e a Eurobrun resolveu começar suas atividades em 1988, mesmo.

Presença confirmada, falemos do bólido. Para desenhá-lo, a Eurobrun resolveu contar com os talentos do designer italiano Mario Tolentino, responsável pelo Alfa Romeo 184T. Não que este tivesse sido um grande carro em sua época, muito pelo contrário, mas o lado afetivo levou Tolentino a querer utilizar suas linhas como inspiração para o primeiro Eurobrun. Com a ajuda do compatriota Bruno Zava, Mario concebeu o ER188, um horrendo automóvel branco de linhas conservadoras e formas desajeitadas. Seguindo contra a maré dos carros baixos capitaneada por Gordon Murray, o ER188 era um negócio alto e volumoso, que deixava o piloto em posição muito mais elevada do que em outros bólidos.

O desajeitado ER188, o primeiro modelo da Eurobrun na F1
O desajeitado ER188, o primeiro modelo da Eurobrun na F1

O motor que tinha a inglória tarefa de empurrar esse monstrengo era o Ford Cosworth DFZ preparado por Heini Mader, capaz de gerar 575 cavalos em seus melhores dias. Não era exatamente o mais poderoso dos propulsores, mas bastava para uma equipe novata que só queria aprender o máximo possível no primeiro ano. Sempre vale lembrar: 1988 seria o último ano dos motores turbo na F1, e usar um aspirado naquele momento poderia lhe significar uma vantagem futura.

Num primeiro instante, a Eurobrun se contentaria em botar um único carro na pista, o de Larrauri. No entanto, o próprio Walter Brun dizia que “uma equipe de verdade tem de ter dois carros”. Para sua sorte, havia um bom nome no mercado para preencher a segunda vaga.

O italiano Stefano Modena, campeão da Fórmula 3000 em 1987, acreditava que faria sua primeira temporada completa na F1 em 1988 pela Brabham, equipe pela qual estreou ainda em 87. No entanto, a Brabham fechou as portas e Modena teve de encontar um outro lugar para correr. A Eurobrun enxergou aí uma oportunidade de ouro e resolveu contratá-lo. Modena, mesmo à revelia da Marlboro, aceitou o convite e levou seu dinheiro tabagista para a equipe ítalo-suíça. Com dois pilotos, a Eurobrun finalmente poderia se considerar “uma equipe de verdade”.

O pacote estava pronto. Faltava apenas saber se a Eurobrun teria de disputar a tal da pré-classificação que a FISA tanto alardeou no inverno de 1988. A confirmação veio dias antes da primeira etapa da temporada, em Jacarepaguá: sim, os dois carros brancos de Walter Brun teriam de entrar na pista nas sextas de manhã para lutar apenas pelo direito de participar dos treinos oficiais. Stefano Modena e Oscar Larrauri, dessa forma, se juntariam a outros três pilotos na contenda por quatro vagas.

E como haveria quatro vagas para cinco pilotos, isso significava que a Eurobrun estava automaticamente garantida com pelo menos um carro nos treinos oficiais. Para melhorar a situação, o ER188 não era um carro tão inferior assim aos seus rivais diretos. Quem acreditava que a Eurobrun passaria vergonha extrema errou.

Modena e Larrauri não só se pré-classificaram no Brasil como ainda se classificaram para a corrida no domingo, obtendo respectivamente a 24ª e a 26ª posições no grid de largada. A corrida, no entanto, durou pouco para os dois. Oscar cometeu um erro bisonho na volta de apresentação: acelerou demais na Reta Oposta e quase atingiu um carro à sua frente, tendo de jogar seu Eurobrun nº 32 na grama para não causar um desastre. O movimento súbito acabou resultando em uma pane elétrica e o argentino sequer conseguiu alinhar para a largada. Modena ganhou várias posições na primeira volta, chegando a ser o 15º. Pouco depois, o motor Cosworth começou a falhar e ele caiu para a última posição, onde permaneceu até o abandono na volta 19. Não foi a mais auspiciosa das estreias, mas acontece.

Em Imola, não houve pré-classificação por conta da desclassificação da Osella. Os dois Eurobrun conseguiram participar dos treinos classificatórios, mas apenas Modena conseguiu um lugar no grid, exatamente a 26ª e última posição. O italiano passou quase que a corrida toda na última posição e conseguiu completar 52 voltas, não sendo considerado na classificação oficial.

Mônaco foi um show à parte de Oscar Larrauri. Nos treinos com chuva, deu duas rodadas na Piscina e na Mirabeau e deu sorte de não destruir seu carro. Mesmo assim, assombrou a todos obtendo uma inacreditável 18ª posição no grid de largada, logo à frente do promissor Rial de Andrea de Cesaris. A corrida prometia um bocado para ele, mas um acidente estúpido na Loews acabou com seu dia (e poderia ter acabado também com o de Mauricio Gugelmin, que quase foi acertado pelo bico arrebentado do Eurobrun). Modena foi ridiculamente desclassificado do fim de semana porque, acredite se quiser, dormiu demais, acordou atrasado, chegou aos boxes em cima da hora e solenemente ignorou a solicitação para a pesagem de seu carro…

Mas os absurdos não acabaram por aí. Em Hermanos Rodríguez, Stefano foi novamente impedido de participar da corrida, dessa vez por um motivo ainda mais risível: a asa traseira do seu ER188 estava cinco estúpidos centímetros mais alta do que o permitido pelo regulamento. O italiano, que já não era o mais feliz dos homens, ficou ainda mais soturno e cabisbaixo. Oscar Larrauri fez seu feijão-com-arroz: passou pela pré-classificação, arranjou a última posição no grid de largada e, surpresa!, terminou a corrida mexicana em 13º, atravessando a linha de chegada pela primeira vez em sua vida.

A sorte sorriu um pouco mais em direção aos suíços nas duas corridas seguintes, Canadá e EUA. Em Montreal, Stefano Modena não só não foi desclassificado por alguma idiotice como também passou com louvores pela pré-classificação, sempre acompanhado pelo seu colega argentino. Embalado, Modena andou bem em todos os treinos livres, chegou a ser 12º na sessão matinal da sexta e arrancou uma volta de 1m25s713 sabe-se lá de onde. A proeza lhe garantiu a 15ª posição no grid, a melhor da história da Eurobrun. Deixou para trás, apenas para citar dois, Derek Warwick e Mauricio Gugelmin.

Stefano largou na boa, subiu para 14ª na primeira volta e seguiu adiante sem se afobar. Ganhou várias posições com abandonos alheios e alcançou uma onírica sétima posição na 42ª passagem, às portas da zona de pontuação. No final da corrida, porém, teve um problema e caiu para o fim do pelotão. Ainda foi heroico ao conseguir completar a prova em 12º, mas é evidente que não estava satisfeito. Tivesse permanecido na pista sem problemas, teria marcado um pontinho: Andrea de Cesaris, que estava duas posições à frente, abandonou no finalzinho.

Larrauri, para seus padrões não tão altos, também não foi mal: escapou da última fila e obteve o 24º lugar no grid. No domingo, completou apenas oito voltas por causa de um acidente com o decadente René Arnoux. Apesar disso, ficava claro que a Eurobrun, em que pese a total feiúra e conservadorismo do ER188, ainda conseguia entregar alguma competitividade nesse princípio de temporada.

Nos Estados Unidos, Stefano Modena teve um fim de semana para lá de desastrado. Sofreu dois acidentes nos treinos e estirou o pescoço no pior deles. Mesmo assim, conseguiu se pré-classificar e ainda arranjou um bom 19º lugar no grid. Sempre mais lento, Oscar Larrauri também superou a pré e, de quebra, se colocou em 23º na grelha de partida.

Modena largou e andou no meio do pelotão nas primeiras voltas, mas caiu para a última posição e por lá ficou até rodar sozinho na volta 46 e sair da contenda. O esforçado Larrauri bem que tentou fazer algo, não obtendo êxito por causa de um câmbio quebrado. Nos boxes, mesmo considerando que Oscar não estava passando vergonha, Walter Brun estava começando a reconsiderar a permanência do argentino em sua equipe.

Ainda em Mônaco, Brun chegou a abordar o alemão Christian Danner, desempregado em 1988, visando um substituto para Larrauri. O assunto foi mantido em banho-maria durante as etapas norte-americanas e retomado no retorno à Europa. As conversas evoluiram muito bem, mas não deram em nada por um pequeno (mas nem tanto) detalhe. Falemos disso depois.

Na França, os dois pilotos superaram a pré-classificação novamente – eles não haviam fracassado em nenhuma sessão até ali – e ainda obtiveram vagas no grid de largada. OK, Oscar Larrauri precisou contar com um pouco de sorte para isso: se não fosse a desclassificação de Piercarlo Ghinzani, punido por perder a pesagem (qual o problema desses caras?), o argentino, 27º após o último treino oficial, teria ficado de fora do GP.

Os dois homens de branco largaram e apenas um chegou ao fim, Modena em 14º. Larrauri, sempre muito mais lento do que o colega carcamano, abandonou com a embreagem arrebentada. Em Silverstone, as coisas não foram muito melhores para o argentino. Oscar passou pela pré-classificação com dificuldades e até terminou a sexta-feira qualificado para a corrida, mas acabou sendo empurrado para fora do grid no sábado e não teve o que fazer no domingo.

Stefano Modena teve um fim de semana bem melhor. Foi bem no segundo treino livre (16º), qualificou-se no grid em 20º e ainda surpreendeu a todos no warm-up, ficando em oitavo lugar, logo à frente da Ferrari de Alboreto. Na corrida sob pista molhada, Stefano se divertiu muito ao ultrapassar, na quarta volta, a vagarosa McLaren de Alain Prost, sempre às turras com a chuva. Manteve-se prudente o tempo todo e terminou em 12º, a melhor posição da Eurobrun no ano.

Após meia temporada, ficava claro que Stefano Modena era um garoto muito promissor e Oscar Larrauri, bem, era um argentino muito gente boa e de cabelos precocemente grisalhos. O cara podia funcionar bem nos protótipos (e, de fato, funcionava), mas não tinha condição alguma de acompanhar seu companheiro italiano na empreitada da F1. Sua permanência na Eurobrun, naquela altura, era insustentável.

Na semana anterior ao GP da Alemanha, nona etapa da temporada, a Eurobrun anunciou que Christian Danner substituiria Larrauri até o final da temporada. Anúncio feito, todos felizes, era hora de Danner conhecer seu novo instrumento de trabalho. E aí começou o problema.

Christian foi à Suíça assinar o contrato com a equipe. Após isso, ele se dirigiu a Milão para conhecer o ER188 e fazer ajustes de assento. Ao tentar entrar no cockpit, a surpresa: Danner simplesmente não conseguia se acomodar no bólido. Ele era alto e corpulento demais para o pobre Eurobrun branco. Fez de tudo, tentou todas as posições, mas não rolou. Era impossível para o alemão pilotar aquele carro.

Desiludida, a Eurobrun foi obrigada a cancelar o contrato com Danner e a se contentar com a simpatia de Larrauri enquanto não encontrava alguém mais adequado – entenda-se, mais baixinho – para assumir o carro nº 32.

O saldo final das oito primeiras corridas, no entanto, foi razoavelmente positivo. A Eurobrun não marcou pontos e nem se livrou da pré-classificação (quem conseguiu o feito foi a Rial), mas conseguiu participar de todas as provas até ali e não deu nenhum vexame. Do ponto de vista técnico, o carro era feio e ruim, e ainda não vinha sofrendo muitas atualizações, mas dava pro gasto. A esquadra até chegou a negociar com Ralph Bellamy para reforçar o corpo técnico, sem muito sucesso.

O negócio começou a esquentar, mesmo, na parte administrativa. Walter Brun e Paolo Pavanello tinham, digamos assim, apetites distintos para a F1. Os dois discordavam em vários assuntos internos e a impressão que ficava é que Pavanello, cansado de tantos fracassos na categoria, já havia perdido o tesão pela coisa. Brun, por outro lado, ainda estava animado com essa mesma coisa. Mas por quanto tempo?

A segunda parte da temporada foi iniciada em Hockenheim. Numa pista muito veloz, os dois ER188 sofreram. Modena e Larrauri superaram a pré-classificação no sufoco (o argentino surpreendentemente à frente) e ambos só conseguiram a última fila no grid de largada, com Stefano em 25º e Oscar logo atrás. Larrauri ainda protagonizou um dos maiores sustos do ano antes da largada: em uma das grandes retas, vinha sendo ultrapassado por Eddie Cheever, que tirou de lado e, sem olhar no retrovisor, fechou o pobre Gerhard Berger a mais de 260km/h. Berger saiu rodando feito um pião e quase acertou a humilde Eurobrun do argentino. No fim, as únicas prejudicadas da história foram as cuecas dos envolvidos.

Modena até largou bem na chuva e pulou para 15º, mas caiu pro fim do pelotão rapidamente e abandonou com o motor quebrado. Larrauri manteve-se na pista daquele jeito tímido de sempre e, veja só, completou a prova em 16º. Mal sabia ele que seria sua última prova até Adelaide.

Na Hungria, começava a ficar claro que a Eurobrun estava ficando ainda mais para trás em relação às rivais. Os dois pilotos se pré-classificaram, mas apenas Modena conseguiu um lugar no grid, a última posição. O italiano ainda fez um belo trabalho na corrida, mantendo-se à frente da Lotus de Piquet por dezenas de voltas e terminando em 11º, a melhor posição da Eurobrun no ano inteiro.

O negócio desandou de vez dali em diante. Nas três corridas seguintes (Spa-Francorchamps, Monza e Estoril), o resultado foi rigorosamente o mesmo: Oscar Larrauri não se pré-classificou e Stefano Modena não conseguiu lugar no grid de largada. Nessas ocasiões, a incompetência da equipe se manifestou com força. Em Spa, Pavanello decidiu que os novos motores (20cv mais fortes) não seriam utilizados nos treinamentos, mas apenas na corrida, tática que se provou desastrosa. Em Monza, a Eurobrun era a única equipe no grid que não dispunha de uma asa traseira especial para as longas retas da pista.

O relacionamento entre Pavanello e Brun, que estava uma desgraça, apenas piorou nessa fase do campeonato. Brun fez um monte de declarações negativas sobre seu sócio: que ele não era profissional o bastante, que não investia em melhorias técnicas, que não injetava dinheiro nos cofres da equipe, que era feio e chato. Por fim, sacramentou: a associação com esse cara foi seu pior erro. Walter dizia que o dinheiro que mantinha aquilo tudo em funcionamento vinha apenas dele e da Marlboro, patrocinador trazido por Stefano Modena. Por fim, depositou um pouco de confiança adicional no staff técnico de sua equipe: “são todos incompetentes”. A única pessoa que ele admirava ali na equipe era Stefano Modena.

O divórcio era iminente. Paolo Pavanello havia decidido que se manteria na equipe em 1989 e que ela seria renomeada como Euroracing. Walter Brun, disposto a recomeçar seu sonho de F1 do zero, saiu à caça de uma equipe já estabelecida. No Estoril, por intermédio do jornalista Peter Windsor, mandou uma proposta oficial de compra a dois sócios da Lotus, Fred Bushell e a eterna viúva Hazel Chapman. A Lotus vinha tendo um ano pavoroso, com um carro ruim, problemas financeiros e encrencas judiciais. Mesmo assim, a equipe rejeitou a proposta de compra. Daria para imaginar uma Lotus comandada por Walter Brun em 1989?

Retornemos à pista, pois. Só voltamos a ver um Eurobrun na pista em Jerez. Oscar Larrauri não se classificou para a prova, mas Stefano Modena conseguiu o feito e ainda obteve a 26ª posição no grid de largada apesar de um acidente em um dos treinos. Na corrida, passou várias voltas à frente da Benetton de Thierry Boutsen e chegou ao fim em 13º.

Mesmo com todas essas dificuldades, a Eurobrun ainda tentou achar alguém para assumir o lugar do ineficiente Oscar Larrauri. Roberto Moreno chegou a ser procurado para as cinco etapas finais, mas o brasileiro preferiu concentrar seus esforços na Fórmula 3000. O sueco Stanley Dickens, ás dos protótipos, também foi convidado para disputar as etapas de Suzuka e Adelaide, mas também recusou. Larrauri acabou mantido até o fim do ano.

Em Suzuka, a Eurobrun trouxe uma pintura nova para seu carro. A empresa japonesa M505 injetou alguns ienes nos cofres da equipe, que adotou para seus dois bólidos um layout amarelo e branco – nada que enchesse muito os olhos. Apesar das novidades estéticas, o desempenho continuou lastimável: Larrauri e Modena passaram pela pré-classificação, mas nenhum deles botou o carro na corrida. A bem da verdade, isso era o de menos.

No Japão, o anúncio mais bombástico foi a compra de 51% da Brabham por parte de Walter Brun e Peter Windsor. Sim, exatamente aquela Brabham fundada por Sir Jack que havia ficado de fora da temporada de 1988. Dessa forma, o megalomaníaco Brun se tornaria o proprietário de duas equipes de dois carros cada no ano de 89.

Num primeiro momento, pouco se sabia como Brun conseguiria tocar duas equipes ao mesmo tempo. A Brabham, nesse instante, pouco nos importa. Mantenhamos o foco. Dias depois do GP do Japão, Walter Brun anunciou sua grande contratação para a Eurobrun em 1989, o suíço Gregor Foitek.

Eu não vou falar nada sobre Gregor Foitek. Procure no Google e tire suas conclusões.

Foitek havia feito um teste com o ER188 fazia algumas semanas e tinha achado o carro uma verdadeira lástima. No entanto, seu desempenho aparentemente agradou ao bigodudo Brun e o resultado disso foi a contratação para o ano seguinte. A equipe pensou em ter um segundo piloto durante algum tempo, mas resolveu ficar com um único carro. Oscar Larrauri resolveu anunciar que não queria permanecer na F1 em 1989, alegando que correr apenas no Mundial de Protótipos já seria o suficiente.

Foram tantas notícias entre Suzuka e Adelaide que a etapa derradeira lá na Austrália acabou meio que em segundo plano para a Eurobrun. Mesmo assim, de forma surpreendente, os dois pilotos conseguiram se classificar para a corrida, primeira vez que isso acontecia desde Hockenheim. Modena largou em 20º e chegou a andar em 14º, mas teve problemas de semi-eixo e deixou a prova. Larrauri partiu da 25ª posição e se retirou pelo mesmo motivo.

Acabava ali o ano de 1988 para a Eurobrun. A equipe participou de doze corridas, terminou um punhado delas e não marcou um ponto sequer. Não se pode dizer que os resultados tenham sido geniais, mas a dignidade da turma de Walter Brun e Paolo Pavanello ao menos não foi violentamente arranhada.

Segunda temporada, mas sem evolução

Falemos, então. de 1989. Para começo de conversa, Walter Brun desistiu rapidamente de ser dono de duas equipes e resolveu vender sua parte da Brabham ao igualmente suíço Joachim Lüthi. A Eurobrun, sua única escuderia, iniciou o ano com algumas novidades, nenhuma delas assim tão empolgante.

O novo chassi, denominado ER189, estava sendo projetado por George Ryton, ex-Reynard, mas só ficaria pronto lá pela metade do campeonato. Enquanto isso, a equipe teria de se virar com uma versão atualizada do ER188. O insuficiente motor Ford Cosworth DFZ seria substituído pelo igualmente insuficiente Judd CV utilizado pela Williams no ano anterior. Os pneus seriam da Pirelli, que retornava à F1 naquele ano. Na parte administrativa, Pierluigi Corbari substituiria Paolo Pavanello como diretor técnico. Por fim, uma nova unidade produtiva, a Brun Technics, foi fundada no Reino Unido com o objetivo de centralizar a produção do novo ER189.

Não era um pacote para lutar pelo título, como se pode perceber. Na verdade, em uma F1 com 39 carros e uma pré-classificação com treze participantes lutando por quatro vagas nos treinos oficiais, a Eurobrun parecia carta fora do baralho antes mesmo do início da temporada. Se conseguisse participar de uma ou outra corrida, já estaria bom demais.

O bravo Foitek tentou compensar a ruindade de seu carro com sua conhecida impetuosidade. Lógico que não deu certo: rodou e bateu um bocado de vezes durante a pré-temporada. Mesmo assim, e de forma surpreendente, Gregor conseguiu superar dez pilotos na pré-classificação da primeira etapa da temporada, em Jacarepaguá, e garantir sua participação nos treinos oficiais do GP do Brasil. “Não achava que iria conseguir”, confessou, surpreso, o helvético.

O feito foi tão incrível quanto efêmero. Foitek participou do primeiro treino oficial e até terminou a sexta-feira qualificado para a corrida, em 23º. No sábado, um problema no motor Judd complicou sua vida e Gregor caiu para 29º no resultado final, ficando de fora da corrida do domingo. Todos na equipe ficaram tristes, inclusive o mecânico brasileiroSérgio Tadeu Vanzo, que fazia uns bicos desde o ano anterior. Triste, né?

Mas podia ficar bem pior. Bem pior. A Eurobrun nunca mais superou uma pré-classificação em 1989.

Gregor Foitek era esforçado e tal, mas pecava por não ter grande conhecimento técnico e nem calma na pista. Isso ficou bem claro no Canadá, onde tentou andar mais do que o carro, danificou uma suspensão, rodou a 257km/h e deu uma pancada daquelas. Não se machucou, mas destruiu o carro e logicamente não passou para os treinos oficiais.

Gregor Foitek foi o responsável de tentar fazer algum milagre com a Eurobrun em 1989, sem muito sucesso
Gregor Foitek foi o responsável de tentar fazer algum milagre com a Eurobrun em 1989, sem muito sucesso

É bom que se diga que a Eurobrun trabalhava em um regime agressivo de contenção de despesas e o ER188B nº 33 estava reaproveitando o máximo possível de peças, o que até colocava seu piloto em situação bem perigosa. Fora da pista, o relacionamento entre Foitek e o projetista George Ryton ia de mal a pior, já que este argumentava que o suíço era incapaz de prover bons feedbacks para o desenvolvimento do ER189. Pobre garoto.

Gregor fez de tudo para pelo menos conseguir participar dos treinamentos. Até alugar um BMW 635 para conhecer os traçados europeus nos dias anteriores dos Grandes Prêmios ele fez. Mesmo assim, nada dava certo. O lançamento do ER189, previsto para a etapa da Alemanha, era a esperança maior da Eurobrun em 1989.

Quando o ER189 apareceu pela primeira vez, a impressão estética foi a melhor possível. O carro era bem mais limpo e moderno do que o ER188, e a pintura alaranjada com o pomposo patrocínio da Jägermeister (inicialmente previsto apenas para Hockenheim, mas depois estendido para as demais corridas) era distinta e elegante. Não era um bólido com grandes novidades técnicas, mas ao menos tinha um sistema de suspensão dianteira razoavelmente avançado, inspirado nas soluções criadas por McLaren e Ferrari.

Só faltou ser rápido. Na estreia em Hockenheim, Gregor Foitek só foi mais veloz que os dois tenebrosos carros da Zakspeed e passou longe do sucesso na pré-classificação. Péssimo début, e as coisas não melhoraram na Hungria: o suíço voltou a superar apenas dois carros e não passou para os treinos oficiais. O pai do piloto, Karl Foitek, começou a ficar bastante aborrecido com o fato de que seu pimpolho não havia participado de nenhuma corrida até então. Causava-lhe espécie, ademais, o descaso de Walter Brun com sua própria equipe – naquela altura, Brun já parecia mais interessado em suas operações no Mundial de Protótipos do que na F1.

Na Bélgica, Gregor Foitek resolveu abrir o bico. Falou que o novo carro era “catastrófico” e tinha seríssimos problemas de rigidez. Contrariada, a equipe resolveu disputar a pré-classificação com o antigo ER188B. O resultado foi péssimo (12º na pré-classiificação de treze carros) e Foitek decidiu romper seu contrato com a Eurobrun. Para as etapas finais, os suíços teriam de procurar outro piloto.

Não havia outro piloto. Dessa forma, restou a Brun convencer o velho Oscar Larrauri a retornar à F1 para ajudá-lo. O argentino, sem grandes esperanças, topou a tarefa de conduzir o Eurobrun alaranjado nas cinco etapas finais de 1989. Logo em seu primeiro teste em Vallelunga, o experiente Larrauri detectou que a tal suspensão dianteira revolucionária era uma coisa inútil e tinha de ser descartada o mais rápido possível. Seu feedback também serviu para que a equipe trabalhasse em atualizações na aerodinâmica do carro. Sem medo de errar, dá para dizer que Oscar contribuiu muito mais em um teste do que Gregor Foitek o ano todo – não sou eu quem estou insinuando isso, mas o diretor Pierluigi Corbari.

Pena que essas dicas não representaram melhora significativa nos resultados. Larrauri foi horrível na pré-classificação de Monza, um pouco melhor em Estoril e voltou a ser horrível em Jerez. Em Suzuka, a Eurobrun estreou uma nova (e obscura) pintura preta em seu ER189. Não era algo intencional, pelo contrário: cansada de tantos resultados ruins, a Jägermeister resolveu cancelar seu contrato de patrocínio antes do final da temporada. Para não ficar com um layout totalmente limpo, a equipe resolveu estampar o logotipo de um de seus apoiadores do Mundial de Protótipos, a Alpha.

Oscar Larrauri não teve o que fazer nas duas últimas etapas, fracassando em ambas as pré-classificações. 1989 terminou para a Eurobrun da seguinte forma: dezesseis GPs, zero largadas, um insucesso em treinos oficiais e quinze em pré-classificações. A equipe conseguiu a proeza de, na tabela final, ser a pior dentre vinte construtores em 89. Ninguém ali no paddock apostava que Walter Brun e amigos seguiriam na F1 em 1990.

Erraram todos. A Eurobrun continuaria na categoria. Com novidades.

Mais decepções para a Eurobrun em 1990…

A maior delas seria o motor. Ao invés de continuar usando os modestos Cosworth ou Judd, a Eurobrun utilizaria um inédito propulsor V12 preparado pela Neotech, uma das empresas do conglomerado austríaco Pehr Holding Group. O ambicioso motor curiosamente seria utilizado tanto no carro de F1 de Walter Brun como nos Porsche que ele comandava no Mundial de Protótipos.

No papel, o V12 da Neotech realmente parecia promissor: 70 graus de ângulo, apenas 137 quilos (mais leve do que o Cosworth DFR ou o Renault), 66 centímetros de comprimento, 46 de largura, 640cv produzidos a 12.400 rotações por minuto. O responsável pela obra de arte foi o engenheiro Rolf-Peter Marlow, que já havia trabalhado na Porsche e na BMW. O custo disso tudo estava estimado em 50 milhões de francos suíços, que seriam financiados por meio de um tal “grupo de investidores dos Emirados Árabes Unidos”, aparentemente dispostos a patrocinar os carros de Walter Brun pelos próximos dois anos.

Pena que os planos não deram muito certo. Inicialmente, dizia-se que havia um certo atraso no projeto e a Eurobrun teria de se virar com os Judd CV de 1989 enquanto o Neotech não esitvesse pronto. Falou-se inicialmente numa estreia afobada em Phoenix, depois postergaram para Paul Ricard… No fim, apenas três unidades foram fabricadas, sendo que somente uma delas foi levada para a bancada de testes na Áustria. Pelo que se subentende, a grana da galera dos emiratenses não entrou na conta corrente de Walter Brun. Sem opções, o dirigente suíço teve de se contentar em permanecer com os Judd do ano anterior no novo carro.

Que não era tão novo assim. A Eurobrun até desejava criar um novo carro para 1990, mas o dinheiro estava tão escasso que restou à equipe tentar melhorar o ER189 do ano anterior. Complicado é que mal havia gente para trabalhar nessas melhorias: o projetista do ER189, George Ryton, resolveu aceitar um convite da Tyrrell e deixou a bagunça helvética para trás. Quem teve de assumir a dura tarefa de tornar o ER189 algo aceitável foi o italiano Roberto Ori, que foi meio que um assistente de Ryton em 1989, e o holandês Kees van der Grint.

Van der Grint buscou trabalhar em uma nova suspensão traseira e em uma nova caixa de câmbio, além de tentar reduzir um pouco as avantajadas dimensões do chassi ER189 original. O resultado desse ingrato trabalho foi o ER189B, um carrinho simpático e todo pintado de prata, quase uma Mercedes contemporânea. Esta seria a solução enquanto não houvesse um ER190 no horizonte – e caso esse carro viesse a existir, ele não ficaria pronto no primeiro semestre.

Mas quem teria o duvidoso privilégio de pilotar essa bagaça? Para 1990, de forma inexplicável, Walter Brun resolveu ter não um, mas dois pilotos oficiais. O primeiro a ser anunciado foi o brasileiro Roberto Moreno, eterno sofredor de equipes minúsculas. Moreno tentou arranjar uma vaga na Ligier, na Rial, na Dallara e na Minardi, mas acabou tendo de se satisfazer com um carro da Eurobrun. Suas palavras iniciais? “Não será fácil”. Mais animado que isso, difícil.

O segundo carro merece mais comentários. Havia a expectativa de que Oscar Larrauri fosse, mesmo que a contragosto, mantido na equipe de F1 em 90. Mas Walter Brun foi ao mercado de pilotos averiguar outras possibilidades. Tentou trazer Johnny Herbert, mas não obteve sucesso. Chegou a fechar um contrato com Enrico Bertaggia, mas o italiano não arranjou dinheiro e a papelada foi parar no lixo. No fim das contas, quem assumiu o segundo ER189B foi o igualmente italiano Claudio Langes.

Claudio quem? Apelidado de “Panda” por conta de seu corpanzil pouco adequado ao automobilismo, Claudio Langes era um piloto de carreira bem longa e discreta na Fórmula 3000. Faria sua estreia na F1 em 1990 sem nunca ter obtido nada além de um segundo lugar em Enna-Pergusa em 1989. Sua carteira, porém, continha algumas (não muitas) liras que interessavam muito ao nosso querido Walter Brun.

Essa era a Eurobrun em 1990. Moreno andou com o ER189B pela primeira vez no Estoril e, surpreendentemente, até gostou do que viu. Afirmou que o motor era fraco, mas que o chassi tinha algum potencial. Para quem havia pagado todos os pecados numa Coloni em 1989, até mesmo um carro remendado da Eurobrun aparentava ser um avanço.

Avanço… A primeira etapa da temporada, realizada em Phoenix, alimentou essa ilusão.

Assim como em 1988 e em 1989, a Eurobrun teria de disputar pré-classificações. Seriam nove pilotos de seis equipes diferentes lutando por quatro vagas nos treinos oficiais. A Lola-Lamborghini de Éric Bernard e Aguri Suzuki e a Osella de Olivier Grouillard pareciam ser as únicas equipes com condições técnicas para superar o calvário numa boa. As demais quatro escuderias (Coloni, Life, AGS e Eurobrun) teriam de se virar.

Moreno operou um pequeno milagre nos Estados Unidos. Mesmo com um carro 30kg mais pesado do que os demais, inventou uma volta a 1m32s292 e fechou a pré-classificação ianque numa improvável primeira posição, quatro décimos mais rápido do que a Lola de Bernard. Voltou aos boxes recebendo beijos calorosos da esposa Célia e abraços ainda mais calorosos de Paolo Pavanello (que, naquela altura, tinha um papel meramente decorativo na Eurobrun) e até mesmo de John Judd. Pela primeira vez desde Jacarepaguá no ano anterior, um carro de Walter Brun disputaria os treinos oficiais. Claudio Langes previsivelmente não conseguiu o mesmo êxito e ficou de fora dos treinamentos.

O milagre continuou acontecendo naquele fim de semana. No treino oficial de sexta-feira, em pista seca, Moreno superou a falta de potência do motor Judd, uma asa traseira pequena demais para as necessidades da pista de Phoenix e inúmeros problemas de aerodinâmica para marcar 1m31s247. Esse tempo lhe deu o 16º lugar no grid provisório, logo à frente de ninguém menos que Nigel Mansell e sua Ferrari. Roberto ainda pôde se jactar de ter superado uma Benetton, duas Lotus, duas Arrows, duas March e outros carros teoricamente mais fortes.

Naqueles dias, até mesmo São Pedro quis ajudar. Phoenix, que é uma cidade desértica, foi atingida por um temporal daqueles no sábado, impedindo que qualquer piloto abaixasse seu tempo. Sob pista encharcada, Roberto Moreno ainda teve o prazer de marcar o segundo melhor tempo no último treino oficial. Não valia nada, é claro, mas ficar logo à frente da McLaren de Ayrton Senna a bordo de um Eurobrun é uma dessas coisas que qualquer um guardaria com muito carinho.

O domingo foi de sofrimento, mas recompensador. Logo na segunda volta, Roberto Moreno teve uma avaria de ordem elétrica e precisou parar nos boxes para trocar a bateria de seu carro. Foi um pit-stop longo, mas a troca deu certo e o brasileiro pôde retornar à pista, ainda que na última posição. Dali em diante, tudo o que Pupo teve de fazer foi manter o carro na pista, não bater e não atrapalhar ninguém. Deu certo, ainda que sem faltar momentos de emoção – em determinado instante, ele teve de travar todas as rodas para não bloquear o caminho de Ayrton Senna. Após 67 duras voltas, Roberto Moreno completou o GP dos EUA na 13ª posição. Foi a primeira vez desde Jerez/1988 que um Eurobrun chegava ao fim de uma prova.

As coisas pareciam que melhorariam, mas não foi o caso. Na pré-classificação no Brasil, Roberto Moreno teve problemas no comando do motor ainda em sua volta de aquecimento e estacionou seu carro na entrada da reta dos boxes. Voltou aos boxes correndo (faltavam apenas quarenta minutos para o fim da sessão), mas teve de esperar a equipe adaptar o carro do pobre Claudio Langes para ele. Quando o bólido ficou pronto, Roberto retornou à ação e fez o melhor tempo da sessão logo em sua primeira volta.

Tudo parecia correr bem, mas as coisas desandaram de vez faltando menos de cinco minutos para o fim da sessão. Havia um acordo para que, quando faltassem dez minutos para o fim da pré-classificação, Moreno devolvesse o carro a Claudio Langes para que este fizesse suas tentativas. Por conta disso, o combustível para as tentativas do brasileiro estava contado: havia o bastante apenas para andar até dez minutos antes do término da sessão.

Pois ninguém se lembrou de pedir para Roberto Moreno voltar aos boxes quando a pré-classificação estava a dez minutos do encerramento. Sem se dar conta, o carequinha seguiu pilotando sem lenço nem documento. Andou até o Eurobrun ficar sem combustível, parando na curva do Laranjinha. Em questão de segundos, seu primeiro tempo foi sendo derrubado por todos os concorrentes (a pista estava molhada no começo da sessão e foi secando conforme o tempo passava). Quando a sessão chegou ao seu final, Moreno acabou ficando na sexta posição, fora dos treinos oficiais do GP de sua casa.

Frustrado ao extremo, Roberto desceu do carro e não conseguiu conter as lágrimas. Foi consolado até mesmo por Osamu Goto, que deixou os boxes da McLaren por um instante para trocar algumas palavras reconfortantes com o batalhador piloto brasileiro. Até mesmo o colega Claudio Langes, que praticamente não pilotou naquela sessão, saiu em defesa de Moreno. “Eu o estimo muito, e o que aconteceu não foi culpa dele, e sim da desorganização da equipe”, vociferou sem meias palavras.

Para o início da temporada europeia, a Eurobrun pretendia trazer uma nova suspensão dianteira e uma asa traseira mais larga, que pudesse conferir um pouco mais de estabilidade à carroça prateada. Apesar disso, a falta de dinheiro impediu que a equipe participasse dos testes coletivos realizados em abril. Ela só conseguiu colocar um carro na pista no último teste anterior ao GP de San Marino. Moreno ainda conseguiu terminar em 15º, mostrando que o ER189B havia melhorado um pouquinho.

Em Imola, Roberto Moreno conseguiu se pré-classificar no sufoco. Ficou em quarto e precisou contar com a ausência dos dois AGS para a façanha. Na sexta-feira, se superou e marcou 1m28s603, obtendo a 22ª posição. Estava bastante esperançoso para a classificação de sábado, mas deu uma de Nelson Piquet e se esborrachou na Tamburello a mais de 240km/h no treino livre da manhã. Foi, até onde sei, o maior acidente de sua carreira na F1. Saiu do carro meio tonto e com o joelho zoado, mas mesmo assim não esmoreceu e participou das demais atividades no dia. Não melhorou o tempo da sexta, mas ainda assegurou o 24º lugar no grid. Pela segunda vez em três GPs, Pupo conseguia colocar um Eurobrun na corrida.

Pena que o sonho não durou uma volta completa. Moreno largou, mas acabou tendo seu carro atingido pelos destroços resultantes do acidente de Satoru Nakajima. De alguma forma, o acelerador de seu ER189B foi pro saco e Roberto teve de encostar o carro após apenas alguns metros percorridos. A essa altura, Claudio Langes já estava em outra dimensão.

Dali em diante, a vida foi ficando ainda mais difícil. Langes não se pré-classificou novamente e sua situação na equipe começou a ficar realmente complicada – Walter Brun já havia iniciado conversas com outros pilotos visando um substituto para o cordial italiano. O primeiro nome mencionado na mídia foi o do inglês Mark Blundell, que na época testava carros da Williams e representava a Nissan no Mundial de Protótipos. Enquanto nada acontecia, Claudio seguia no carro número 33.

Em Mônaco, Moreno empreendeu novo milagre e superou os dois AGS na pré-classificação, ficando em quarto e passando para os treinos oficiais. Dali em diante, uma pequena ocorrência serviu para demonstrar a verdadeira feira da fruta que era a Eurobrun. Ainda na manhã da sexta, o engenheiro Kees van der Grint teve de voltar à Itália. Os mecânicos aproveitaram a ausência do chefe e resolveram, por conta própria, fazer alguns ajustes na suspensão. O resultado ficou, ó, uma merda, e o ER189B ficou ainda mais inguiável do que já era. Mesmo assim, Moreno terminou a sexta-feira na 24ª posição do grid provisório.

No sábado, sem a presença de Van der Grint, Moreno não teve como acertar seu carro e não conseguiu melhorar os tempos do dia anterior. Como seus concorrentes diretos lograram mais êxito, o brasileiro terminou o dia na 29ª posição, fora, portanto, da corrida do dia seguinte. No mesmo fim de semana, começava a surgir boatos de que Roberto já estava procurando emprego alhures – a Lotus poderia ser seu destino.

Claudio Langes deveria fazer o mesmo. O dinheirinho humilde que ele havia trazido para a Eurobrun não era o suficiente e Walter Brun, de forma inexplicável, já estava de saco cheio de sua presença – quem deveria estar insatisfeito era o piloto, que mal conseguia completar cinco voltas seguidas. O magnata suíço tentou colocar qualquer outro piloto em seu lugar, mas não teve sucesso e foi obrigado a aturar Langes por pelo menos mais uma corrida, no Canadá.

Só que Brun não estava disposto a colaborar. Para não ter de pagar a multa de 200 mil dólares por ausência, ele só permitiu que Claudio completasse duas voltas na pré-classificação canadense. Por outro lado, Roberto Moreno engoliu a concorrência nessa pré-classificação, finalizando em primeiro lugar e avançando com louvor para os treinos oficiais. Infelizmente, teve problemas com um assoalho solto no treino classificatório de sexta e ficou a 59 estúpidos milésimos de obter o último lugar no grid de largada. Como choveu no sábado, já era.

Para piorar, ao terminar o treino do sábado, Moreno ficou sabendo que a Eurobrun havia finalizado o novo carro, que era vinte quilos mais leve, mas não o levaram para Montreal porque queriam tirar uma grana a mais dos patrocinadores. É mole? Sem papas na língua, Roberto resumiu o que pensava da Eurobrun: “essa equipe é uma esculhambação”.

O GP do México foi o último em que um Eurobrun passou pela pré-classificação. Não através de Claudio Langes, é claro: persona non grata na equipe, restava a ele completar algumas voltas a bordo de seu carro apenas de modo que a multa de 200 mil dólares por abstenção não fosse aplicada. Roberto Moreno teve uma sessão complicada, para variar: passou 50 minutos fora dos quatro primeiros colocados, esperando que a pista, molhada no início do treino, secasse. Quando isso aconteceu, ele ainda teve de enfrentar um problema que só uma equipe miserável poderia lhe proporcionar: o aquecedor dos pneus estava quebrado (!) e Pupo teve de entrar na pista com a borracha praticamente congelada. Mesmo assim, um novo milagre o permitiu fazer 1m26s724 a apenas três minutos do fim, garantindo uma vaga nos treinos oficiais.

No treino classificatório da sexta-feira, Roberto continuou andando relativamente bem e assegurou o 24º lugar no grid provisório. Porém, a sorte não estava mesmo ao seu lado. Pouco depois de fazer seu melhor tempo, o motor Judd parou de funcionar e o Eurobrun ficou parado no meio da pista. Os prestativos comissários de pista logo se aproximaram e começaram a empurrar o bólido estacionário rumo ao gramado. Nesse momento, Moreno conseguiu dar um tranco no carro e ele voltou a funcionar. Retornou à pista e seguiu com seus afazeres, mas a direção de prova não perdoou: por “ter religado seu carro com ajuda externa”, Roberto Moreno foi desclassificado do GP do México e, mesmo com tempo bom o suficiente para isso, não pôde tomar parte na corrida.

Carro cada vez pior e o fim da Eurobrun

O retorno à Europa apenas sacramentou o fundo do poço para a Eurobrun. Na França, pela segunda vez no ano, nenhum piloto se pré-classificou – Moreno não se ajudou muito com uma rodada na Signes. Naquela altura, a equipe já estava conversando com outros pilotos para assumir o amaldiçoado lugar de Claudio Langes: além de Mark Blundell, Walter Brun também negociava com o brasileiro Marco Greco (desempregado após brigar com sua equipe na Fórmula 3000) e com o canadense Allen Berg (que havia corrido na Osella em 1986). Mas Claudio Langes conseguiu achar uma graninha a mais e acabou seguindo na equipe, encerrando qualquer dúvida.

Em Silverstone, Roberto Moreno quebrou uma embreagem e um motor em apenas uma hora de pré-classificação, não indo a lugar algum assim como seu companheiro. Na Alemanha, a tragédia ganhou ares cômicos. Veja só o que um troço desorganizado e incompetente como a Eurobrun era capaz de fazer com seus dois pilotos.

O brasileiro Roberto Moreno sofreu com a desorganização da EuroBrun em 1990

Para começo de conversa, a equipe traria uma nova suspensão dianteira com amortecedor único. A ideia era legal no papel, mas não foi testada em pista porque não havia dinheiro para isso. Restou à trupe de Walter Brun instalá-la no carro de Claudio Langes, que seria tipo uma cobaia do sistema, para que ele testasse já na pré-classificação alemã: caso desse certo, ela seria implantada no bólido de Roberto Moreno. Do contrário, a ideia seria esquecida e nada mudaria no preço da batata.

Ainda no começo da pré-classificação, Moreno estava nos boxes quando levou um susto daqueles. Quando seus mecânicos foram ligar o carro, um curto-circuito no sistema elétrico resultou em um princípio de incêndio e Roberto teve de explorar suas habilidades físicas para sair do cockpit a tempo. Os pobres mecânicos perderam 20 minutos para trocar toda a fiação e a caixa preta. Moreno só retornou ao carro no 35º minuto da sessão.

Retornou ao carro, mas as surpresas desagradáveis continuaram. Em uma das longas retas de Hockenheim, a carenagem do Eurobrun voou para longe e deixou o motor Judd todo pelado e com os oito cilindros ao vento. Roberto Moreno voltou aos boxes lentamente e os mecânicos tiveram a ideia de pegar a carenagem do carro de Langes e instalá-la no do brasileiro. Claudio ficou inconformado, mas fazer o quê?

Só que, como se não bastasse, o diabo da carenagem não encaixava no ER189B de Roberto Moreno. Após várias tentativas, um esperto mecânico teve a ideia salvadora: por que não colar esta merda com fita adesiva? Todos acharam isso muito astuto e solucionaram a encrenca dessa forma. E lá se foi Moreno com um carro literalmente remendado.

Mas sua aventura durou pouco. Em volta rápida, ao entrar na primeira curva, a roda traseira direita do Eurobrun se soltou e Moreno saiu rodando que nem um pião da casa própria até se espatifar contra uma barreira de pneus. Não sofreu nada, mas depois de uma sessão tão turbulenta, só lhe restou proferir: “não há quem classifique esse carro”.

Nas etapas seguintes, as coisas só pioraram. A melhora da Coloni, que havia trocado o patético motor Subaru de 12 cilindros pelo mais eficaz Ford Cosworth V8, significava que a Eurobrun só estava mais competitiva que o inexplicável Life. Na Hungria, Moreno (sem a segunda marcha, fundamental em uma pista de baixa) e Langes só superaram o idoso Bruno Giacomelli na pré-classificação.

Na Bélgica, uma alteração na lista de inscritos aparentemente beneficiaria a Eurobrun: a Onyx fechou as portas, o que permitiu que a Ligier saísse automaticamente da pré-classificação e a infeliz sessão passaria a ter apenas sete carros. Porém, para Moreno e Langes, não adiantaria nada se o ER189B continuasse a ser o jabuti de sempre: os dois voltaram a andar apenas à frente da Life. O brasileiro estava tão indiferente com relação à tudo que circulou pelo paddock belga trajando uma camiseta da Benetton, onde já vinha fazendo uns bicos como piloto de testes.

Se desgraça pouca é bobagem, então veja essa: a Eurobrun conseguiu juntar um dinheirinho para participar dos testes coletivos a serem realizados em Monza dias antes do GP da Itália. Seria um dia inteiro para que Roberto Moreno e Claudio Langes (até ele, veja só) pudessem tentar andar com o ER189B. O que poderia dar errado? Giancarlo Salvatore, amigo pessoal de Langes, estava lá acompanhando os testes quando sofreu um infarto fulminante e morreu nos boxes. Pesado, não? Com o perdão do comentário, mas numa equipe como a Eurobrun, nenhum coração aguenta.

Além do mais, o teste não serviu para nada. Roberto Moreno e Claudio Langes não conseguiram se pré-classificar em Monza, em Estoril e em Jerez, sempre superando apenas a Life de Bruno Giacomelli. O clima de fim de festa na Eurobrun era inacreditável. Os mecânicos não usavam uniforme, o motorhome era reaproveitado da estrutura do Mundial de Protótipos e o carro estava cheio de fita adesiva, uma gambiarra que virou must no ER189B. Em alguns casos, como no Estoril, a Eurobrun sequer tinha boxes próprios.

Jerez, aliás, vale uma historinha. Roberto Moreno estava pré-classificado até três minutos antes do fim da sessão, quando foi superado pela Coloni de Bertrand Gachot (putz) por 18 estúpidos milésimos. Voltou aos boxes aborrecido e deu de cara com Paolo Pavanello, ainda com um cargo de chefia na Eurobrun, com um sorriso de orelha a orelha. Naquela altura, já estava claro para o piloto brasileiro que o pessoal da equipe ficava feliz com os fracassos na pré-classificação. Afinal de contas, quando o carro ia para os treinos oficiais, mais pneus e gasolina tinham de ser gastos. Logo, quando menos quilometragem feita, melhor. Pode?

Nem a Life era assim. Na minha humilde opinião, a Eurobrun era a coisa mais nojenta do grid daquele ano. Roberto Moreno não escondia o que pensava de verdade daquele arremedo de esquadra: “o carro continua uma merda, não há mais o que fazer. Não acredito sequer que haja alguém imbecil o bastante para investir nessa equipe”. As duras palavras indicavam que sua história na equipe suíça estava chegando ao fim.  

E o fim não tardou a chegar. O acidente de helicóptero de Alessandro Nannini em 12 de outubro abriu uma ótima vaga na Benetton, e Roberto Moreno acabou sendo chamado para assumi-la. Dessa forma, a Eurobrun ficaria sem seu primeiro piloto. Mas não havia problema. Naqueles mesmos dias, Walter Brun havia decidido não viajar ao Japão e a Adelaide. Ele teria de pagar uma multa de 800 mil dólares pela ausência (200 mil para cada carro em cada etapa perdida), mas isso ainda era melhor do que prosseguir com o calvário da Eurobrun.

Terminou assim, após quase três anos de pobreza, bagunça e resultados ruins, a história de uma das piores equipes que já passaram pela categoria. A Eurobrun deixou a F1 com um recorde para lá de duvidoso: o de única escuderia da história que participou de mais de uma temporada sem nunca ter deixado de participar da pré-classificação com todos os seus carros.

Bela merda.

EuroBrun na F1

Grandes Prêmios: 46 (1988 – 1990)
Pré-classificações: 43 (1988 – 1990) (93,47% dos GPs)
Sucessos individuais em pré-classificação: 29
Fracassos individuais em pré-classificação: 41

Série Equipes de Pré-Classificação:
1 – Scuderia Italia: a “prima pobre” da Ferrari

2 – Coloni: a persistente (e desorganizada) da F1
4 – Rial: a promessa que sucumbiu à teimosia do patrão
5 – Osella e a eterna luta contra o rebaixamento da F1 
11 – Life: o projeto bizarro que afundou na F1

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