Rial andou por duas temporadas na F1 nos anos 80

Rial: a promessa que sucumbiu à teimosia do patrão | Equipes de Pré-classificação #4

Um dos grandes erros de quem acompanha superficialmente a história das pré-classificações é acreditar que toda equipe do fundão seja incompetente e miserável. A Rial Racing não era nada disso, pelo menos não em seu início. Fundada em 1988 pelo alemão Günter Schmid, a esquadra disputou apenas duas temporadas, tendo sido razoavelmente competitiva na primeira delas. Mas o que aconteceu para as coisas começarem a dar errado?

De forma geral, o fracasso de uma equipe de F1 é o resultado de uma combinação de erros e azares de cunho técnico ou financeiro. O caso da Rial é um pouco diferente porque um dos grandes fatores que resultaram no seu fim foi justamente a intransigência de Schmid, considerado um dos chefes de equipe mais controversos da história da categoria.

Günter Schmid era um cara que vivia para duas coisas: seu trabalho como fabricante de rodas de liga leve e sua paixão pelo automobilismo. Em 1972, ele e o parceiro Eric Stahlschmidt criaram a ATS Wheels, uma pequena empresa de rodas de liga leve que empregava métodos industriais inovadores que permitiram a fabricação em larga escala de produtos de altíssima qualidade. O negócio era tão promissor que os caras chegaram a assinar contratos de fornecimento de rodas com gigantes do mundo automobilístico como Volkswagen e Porsche.

Schmid ficou rico muito rapidamente e resolveu empregar seu rico dinheirinho nas corridas de carro. Em 1977, ele resolveu fundar sua própria equipe de F1, batizando-a somente como ATS. Comprou um Penske PC4 o entregou ao francês Jean-Pierre Jarier, que até marcou um ponto na corrida de estreia, em Long Beach. A partir de 1978, a ATS começou a construir seus próprios carros, sempre pintados de amarelo e destacando a marca de rodas de liga leve.

Foram bons os resultados, Arnaldo? Mais ou menos. Entre 1978 e 1984, a ATS marcou apenas sete pontos e nunca sequer subiu ao pódio. Não que a equipe tivesse lá grandes problemas financeiros ou técnicos, pelo contrário: em 1983, graças à sua ótima reputação na indústria automobilística alemã, a ATS foi capaz de firmar uma parceria com a BMW. O grande problema da equipe era não conseguir manter seus melhores funcionários por muito tempo, já que o temperamental Günter Schmid se indispunha com todos eles. A lista de desafetos era enorme: Jo Ramírez, Gustav Brunner, Jean-Pierre Jarier, Alberto Colombo, Keke Rosberg e Marc Surer. Todos foram demitidos ou saíram após brigas com o chefe.

Tantas desavenças entre dono e funcionários comprometeram não só a capacidade técnica da ATS mas também sua reputação perante a opinião pública. Isso levou a BMW a cancelar seu contrato com a escuderia alemã no fim de 1984. Diante disso, Gunter Schmid não teve outra opção a não ser encerrar imediatamente as operações da equipe de F1.

Mas sua história com a categoria não acabou aí. Numa manobra pouco ortodoxa, Schmid vendeu sua parte da ATS após seu outro sócio ter passado suas ações para a mãos da filha e usou a grana da venda para adquirir uma concorrente, a Rial Leichtmetallfelgen GmbH, no ano de 1987. Reerguido em termos financeiros e morais, Günter resolveu se aproveitar das novidades no regulamento da F1 para retornar ao badalado campeonato em 1988 com uma nova equipe própria. Surgia aí a Rial Racing, ou simplesmente Rial.

O início da Rial

Como já mencionei em artigos anteriores, 88 seria o último ano dos motores turbinados por questões de custos – os preços estavam muito altos e a F1 corria sério risco de inanição caso não tomasse nenhuma medida. A partir de 1989, todos os carros teriam propulsores aspirados, o que atraiu novas escuderias para a contenda. A Rial seria uma delas.

Para se preparar para sua mais nova empreitada, Günter Schmid convidou um dos antigos funcionários da ATS, o projetista austríaco Gustav Brunner, para desenvolver o primeiro bólido Rial. Brunner, como mencionado anteriormente, tinha saído da ATS após quebrar o pau com Schmidt, mas os dois resolveram suas diferenças e voltaram a trabalhar juntos. O convite deve ter sido muito convincente, pois Brunner havia aceitado trocar um confortável e bem-remunerado emprego na Ferrari por um projeto totalmente novo capitaneado por um cara de trato reconhecidamente difícil.

Uma das reclamações de Gustav Brunner sobre sua vida na Ferrari é que ele projetava os carros, mas não tinha muita liberdade para desenvolvê-los quando eles estavam na pista. Na Rial, uma equipe que não teria mais do que dez pessoas, Brunner poderia colocar em prática todas as suas ideias mirabolantes. E ele tinha várias.

O chassi ARC01, de fato, não era muito original à primeira vista. Quando fez sua primeira aparição oficial, nos testes de pré-temporada em Imola, os mecânicos da Ferrari ficaram surpresos com o que viram. “É a nossa versão alemã”, proferiram em uníssono.

Modelo ARC01 da Rial para 1989 não fez feio na pista
Modelo ARC01 da Rial para 1989 não fez feio na pista

Brunner, que havia sido o genitor da Ferrari F1/87, realmente não teve vergonha alguma de reproduzir seu desenho no Rial ARC01 – o carro italiano havia vencido as duas últimas corridas de 1987 com Gerhard Berger e era tão eficiente que seria parcialmente reaproveitado pelos ferraristas para a temporada de 1988. Logo, o caminho que a Rial estava seguindo parecia bastante seguro. Mas a equipe novata quis implantar suas próprias novidades.

O conjunto da suspensão dianteira envolvia braços triangulares e um pullrod conectado a um amortecedor posicionado de forma longitudinal na parte inferior do chassi, mas do lado de fora, solução considerada inventiva em sua época. O câmbio de seis marchas, desenvolvido pela própria Rial, estava involucrado em uma camada de magnésio. O chassi foi concebido como uma peça única, sem carenagem encaixável.

A suspensão seria convencional: “a suspensão ativa é complicada demais para a F1”, afirmou Brunner na época. O motor, como não poderia deixar de ser, seria o Ford Cosworth DFZ velho de guerra.

Para esse primeiro ano, a Rial foi sensata e decidiu colocar na pista um único carro. Seu piloto seria o folclórico italiano Andrea de Cesaris, aquele que já era famoso por destruir carros e causar problemas às suas equipes. O grande atrativo de De Cesaris era o polpudo patrocínio da Marlboro que ele carregava por ser filho de um alto executivo da filial italiana da Philip Morris. Günter Schmid ressaltava que sempre apostava em pilotos novatos nos tempos da ATS e as apostas raramente davam certo. A lição foi aprendida e a Rial seguiria o caminho do conservadorismo. De Cesaris poderia até ser meio maluco e tal, mas era experiente.

A “Ferrari azul” vai para a pista

E lá se foi a Rial para a batalha. O ARC01 foi colocado para andar pela primeira vez nos testes de pré-temporada realizados no mês de março em Imola. Logo de cara, o esguio bólido azul mostrou a que veio e andou constantemente entre os dez primeiros, ocasionalmente incomodando carros como o March e a Benetton. Não demorou muito e a mídia logo arranjou um apelido para o ARC01: “Ferrari azul”, fazendo alusão não somente à semelhança entre os dois bólidos, mas também ao bom desempenho do carrinho alemão 100% azulado.

Mas a “Ferrari azul” não era um carro perfeito. Um erro de cálculo de consumo por parte de Heini Mader, preparador do motor Cosworth, levou Gustav Brunner a conceber um tanque de combustível menor do que o necessário. A Rial acabou descobrindo, da pior forma possível, que seu carro não teria condições de completar os 300 quilômetros de várias das corridas do calendário.

A pré-temporada, apesar disso, foi produtiva e a Rial, que seria obrigada a participar da pré-classificação no primeiro semestre de 1988, era considerada por todos os especialistas como a mais forte das equipes novatas. Aquele incômodo treino de sexta-feira seria apenas uma formalidade para os alemães.

Semelhança do modelo de 88 da Rial com da Ferrari chamou a atenção

Então vamos à temporada de 1988. Em Jacarepaguá, palco da primeira etapa do campeonato, cinco coitados se reuniram para disputar a pré-classificação visando quatro vagas nos treinos oficiais. Com um pé nas costas, Andrea de Cesaris meteu oito décimos no segundo colocado e garantiu sua vaga com louvor. Nos treinos, esteve sempre entre os vinte primeiros e garantiu o 14º lugar no grid, logo à frente do competitivo Arrows de Eddie Cheever. Mas nem tudo foram rosas: em um dos treinos, o Rial enguiçou e os mecânicos correram para a pista para tentar consertar o carro. Como isso é proibido, a equipe foi multada em cinco mil dólares. Nesse caso, dou toda a razão do mundo à cólera desmedida de Günter Schmid.

A corrida, porém, foi muito boa para uma estreante. De Cesaris guiou de forma surpreendentemente sensata e chegou a andar na sexta posição por cinco voltas, chamando até a atenção do narrador Galvão Bueno, nem sempre atento ao sofrimento das equipes pequenas. Uma parada extra nos boxes por conta de um problema na roda traseira não atrapalhou o andamento da “Ferrari azul”, que andou em nono até faltar sete voltas para o fim, quando o motor Cosworth parou de funcionar. Apesar do abandono, a impressão deixada pelo Rial ARC01 foi ótima. Caso o carro chegasse ao fim das corridas, ele certamente o faria em boas posições, isso se não faltasse combustível ou se Andrea de Cesaris não o destruísse por aí.

Em Imola, não houve pré-classificação por causa da desclassificação da Osella de Nicola Larini. Andrea de Cesaris aprontou sua primeira estripulia pela Rial, destruindo um chassi em um acidente daqueles no treino livre de sexta-feira. Ficou sem carro para disputar o treino oficial daquele dia, só conseguindo assegurar o 16º lugar no grid no sábado. No domingo, teve um problema na suspensão traseira antes mesmo de alinhar no grid de largada e a equipe teve de consertar o carro nos boxes às pressas. Sem conseguir êxito, De Cesaris resolveu largar apenas para marcar presença e encostar o carro no final da primeira volta.

Mônaco era uma pista onde a Rial poderia obter seu primeiro grande resultado na temporada, mas tudo deu errado desde o primeiro dia. Na sexta-feira, De Cesaris voltou a fazer besteira e atingiu em cheio a Ferrari estacionária de Gerhard Berger no túnel. Andrea disse que pagaria pelos reparos da Ferrari, mas acusou a organização da corrida de não ter acionado a bandeira amarela no túnel. Os organizadores convocaram o italiano e lhe mostraram o replay da batida, provando que havia, sim, bandeiras amarelas no local. Por ter sido mentiroso, De Cesaris foi multado em cinco mil dólares e ainda teve de confessar seu pecado publicamente…

No sábado, quem fez bobagem foram os mecânicos. A bateria do ARC01 nº 22 parou de gerar energia, o carro encostou na saída da Mirabeau e os fiscais de pista o empurraram até a entrada do hotel Loews. Minutos depois, os intrépidos homens da Rial surgiram do nada e efetuaram a troca da bateria no carro, permitindo que ele retornasse à ação. A organização não deixou barato e resolveu multar a Rial. Como foi a segunda vez em três corridas que isso acontecia, a multa subiu para quinze mil dólares.

De Cesaris ainda assegurou o 19º lugar no grid, fez uma ótima largada e chegou a andar em 11º, mas o motor parou de funcionar após 28 voltas. Em três corridas, o promissor Rial não havia visto a bandeira quadriculada em nenhuma delas. Toda aquela empolgação da pré-temporada começou a dar lugar a um certo incômodo.

Outro problema que havia sido ignorado num primeiro instante, mas que já havia sido notado pela opinião pública, era o santantônio do ARC01, muito baixo em relação à altura da cabeça de Andrea de Cesaris. Numa capotagem estilo Áustria/85, as consequências poderiam ser desastrosas para o italiano. A Rial teve de se mexer para adequar ao regulamento, garantindo total segurança ao piloto no caso de uma (no caso de De Cesaris, provável) pirueta.

No México, o acidente de Philippe Alliot deixou bem claro que um santantônio eficaz faz toda a diferença para um piloto. Alheio aos problemas dos outros, Andrea de Cesaris fez um ótimo trabalho ao qualificar seu Rial em 12º, superando inclusive as Williams de Nigel Mansell e Riccardo Patrese. Hermanos Rodríguez é uma pista de alta velocidade e o Rial-Ford estava em teórica desvantagem em relação aos carros turbinados. Mesmo assim, o bom chassi garantiu que De Cesaris fosse o quarto melhor colocado entre os aspirados. A corrida acabou na volta 52 após um motor arrebentado.

Em Montreal, voltamos a ter pré-classificação e De Cesaris surpreendentemente ficou atrás do obsceno Eurobrun de Stefano Modena. Mesmo assim, passou para os treinos classificatórios e ainda brilhou, fazendo 1m24s988 e garantindo uma boa 12ª posição no grid, superando até mesmo o Lotus-Honda de Satoru Nakajima. Na corrida, De Cesaris foi herdando posições com os abandonos dos adversários e assumiu a quinta posição na volta 42. Passou quase dez voltas andando a apenas cinco segundos do quarto colocado, Nelson Piquet e sua Lotus, quando o diabo do combustível acabou. Os 186 litros do tanque não foram suficientes para garantir que Andrea de Cesaris chegasse ao final. Pela primeira vez no ano – não seria a última -, a Rial era traída por questões petrolíferas.

Mas a redenção viria em Detroit, sexta etapa do campeonato.

Não que o fim de semana tivesse começado bem para a Rial, muito pelo contrário. As dificuldades de uma das piores pistas de rua da história da F1 reduziram as diferenças entre os carros e Andrea de Cesaris só fechou a pré-classificação na quarta posição, ficando atrás da Dallara de Alex Caffi e dos dois Eurobrun – a vaga nos treinos oficiais estava garantida, mas não do jeito que todos esperavam. A sexta-feira foi realmente difícil, mas De Cesaris ainda conseguiu, pela terceira vez seguida, o 12º lugar no grid de largada.

Na corrida, Andrea de Cesaris, de acordo com o próprio, andou sempre no limite do carro e esteve próximo de um acidente em diversas ocasiões. Mesmo assim, tudo deu certo para ele. Vários pilotos à sua frente foram quebrando, o que conduziu o Rial à quarta posição na volta 27. Dali em diante, sem ter carro para lutar pelo pódio, restou a Andrea tentar não bater e nem gastar combustível demais. A estratégia deu certo e De Cesaris não só conseguiu completar sua primeira corrida no ano como também obteve uma excelente quarta posição, marcando os três primeiros pontos da história da Rial.

O curioso é que esse resultado não significava exatamente que os alemães estariam tranquilos na pré-classificação. Em Paul Ricard, por exemplo, Andrea de Cesaris foi superado por Caffi e Modena, garantindo apenas a terceira vaga para os treinos oficiais. Problemas no eixo de transmissão na sexta-feira e de motor no sábado não impediram que, pela quarta vez consecutiva, De Cesaris assegurasse a 12ª posição no grid de largada. Curiosamente, o Rial-Ford era muito melhor nos treinos classificatórios do que nas pré-classificações.

Na corrida, Andrea de Cesaris voltou a ser competitivo e chegou a alcançar a sétima posição na volta 37, mas perdeu um bocado de tempo com um pit-stop desastroso e caiu para o final do pelotão. Recuperou-se e fez uma bela ultrapassagem sobre Eddie Cheever na última volta, terminando em décimo. Se fosse hoje em dia, teria marcado um ponto.

Silverstone seria a última etapa da primeira metade do campeonato. Caso Eurobrun, Coloni e Dallara não marcassem no mínimo quatro pontos, a Rial estaria livre da pré-classificação para a segunda metade da temporada. Embalado pelos bons desempenhos recentes, Andrea estuprou a concorrência na pré-classificação com um tempo 1,5 segundo mais rápido do que o do segundo colocado.

Na sexta-feira, uma rodada em alta velocidade e um problemas nos freios não impediram De Cesaris de marcar o 12º tempo no primeiro treino oficial. No sábado, o italiano melhorou em meio segundo seu tempo e garantiu o 14º lugar no grid de largada definitivo – após quatro vezes em 12º lugar, o 14º até parecia algo ruim. Para sua felicidade, havia apenas uma Dallara e uma Eurobrun no grid, e ambos os carros estavam largando lá atrás. Salvo algum desastre bíblico, a Rial estava praticamente fora da pré-classificação a partir de Hockenheim.

Mas não foi um fim de semana tão tranquilo assim. Como vocês podem perceber, a Rial tem uma certa tendência de abalar os nervos de seus componentes. Em um dos treinos classificatórios, o ARC01 de Andrea de Cesaris parou no meio da pista por um problema qualquer e um comissário de pista se aproximou para ajudar, ou atrapalhar, sei lá. De Cesaris ficou nervoso com a intervenção e começou a distribuir alguns sopapos contra o pobre comissário. O caso foi levado à direção de prova e Andrea só não foi multado porque, de acordo com o informe oficial, o barulho dos carros teria impedido um diálogo civilizado…

A corrida de De Cesaris não durou muito. Após apenas nove voltas, o motor Cosworth voltou a falhar e o carro azulado teve de sair da corrida. Mesmo assim, o clima na Rial era festivo: como nem Stefano Modena e nem Alex Caffi marcaram pontos, a Rial foi oficialmente liberada da pré-classificação. A partir de Hockenheim, a Osella assumiria seu lugar.

Como a intenção dessa série é contar apenas o período em que as equipes estiveram no purgatório da pré-classificação, não vou entrar em maiores detalhes em relação ao segundo semestre. Nas pistas velozes, a Rial tinha grandes dificuldades e Andrea de Cesaris não conseguia repetir o mesmo bom desempenho do começo do ano. Fora da pista, a situação também não estava fácil. O projetista Gustav Brunner se desentendeu novamente com o chefe Günter Schmid, acusando-o de não pagar em dia, e acertou sua transferência para a Zakspeed. Schmid não aceitou e fez inúmeras ameaças a Brunner e à Zakspeed, mas sem sucesso.

A Rial terminou 1988 com os três pontos marcados em Detroit e a nona posição no campeonato de construtores. Graças ao bom desempenho, a equipe garantiu um carro nos treinos oficiais, dispensando-o da pré-classificação.

O desafio da segunda temporada da Rial

No final de 1988, a FISA estabeleceu que todas as equipes da F1 seriam obrigadas a inscrever dois carros para 1989. Com isso, a Rial foi obrigada a programar um segundo carro para a temporada vindoura, e este necessariamente teria de passar pela pré-classificação.

A equipe ponderou bastante sobre quem seriam os dois pilotos para 1989. Andrea de Cesaris resolveu levar suas liras tabagistas para a Dallara, e Günter Schmid foi obrigado a testar muita gente para ver quem era mais adequado para sua equipe. O ideal é que ao menos um dos pilotos fossem alemães, e curiosamente havia vários no mercado. Experiência também era um critério importante.

Em dezembro de 1988, a Rial anunciou que seu primeiro piloto para o ano seguinte seria o alemão Christian Danner. Ex-campeão de F3000, Danner havia passado o ano de 1988 sem emprego. Tentou um lugar na Eurobrun, mas acabou desistindo porque o carro era pequeno demais para seu corpanzil. Na Rial, ao menos, teve a garantia de que espaço não seria problema.

Christian Danner andou pela Rial em 1989

O segundo carro seria destinado a um novato endinheirado. A equipe testou Joachim Winkelhock, Michael Bartels, Gregor Foitek, e quase assinou com Bertrand Gachot, mas quem acabou anunciado mesmo foi o alemão Volker Weidler, de carreira discreta na F3000. Apadrinhado por Keke Rosberg, Weidler levaria um pouco de dinheiro à Rial e, em troca, teria o duvidoso direito de tentar pré-classificar seu carro diante de uma concorrência de 38 pilotos.

Volker mal chegou e já começou causando. Dias após ser anunciado pela Rial, ele tentou assinar um contrato com uma equipe de DTM para pilotar um Ford Sierra nos fins de semana em que não havia nenhuma atividade de F1. O patrão Günter Schmid teve de barrar a negociação, e Weidler não ficou muito contente. Nesse caso, dou razão ao velho Günther: e se acontecesse com Volker o mesmo que aconteceu com Robert Kubica anos depois?

Fora da pista, a Rial passava por um período delicado. Sem Gustav Brunner, a equipe resolveu não construir um carro do zero. Ao invés disso, ela pegaria o ARC01, que era um projeto competente, e o melhoraria. Os responsáveis pelo trabalho seriam o engenheiro alemão Stefan Fober e o designer inglês Bob Bell, recrutado da McLaren. Os dois fizeram algumas alterações aerodinâmicas no ARC01, refinaram suas linhas, implantaram sob o bico uma canaleta que melhor direciona o ar para as laterais e ainda aumentaram o tanque de gasolina para 208 litros. O resultado disso foi o ARC02, ao meu ver um dos carros mais bonitos de 1989.

Não havia muitas expectativas, a bem da verdade. Com 39 inscritos e treze pilotos obrigados a disputar a pré-classificação, a Rial não parecia ter exatamente o mais apetitoso dos pacotes. Até um boato sobre uma fusão com a First Racing chegou a ser ventilado, mas Günter Schmid rapidamente negou qualquer coisa do tipo. A equipe iria à luta sozinha.

Como o foco aqui é a pré-classificação, o único carro que me interessa aqui é o de Volker Weidler. O desafio que ele teria de enfrentar não era pequeno: estar constantemente entre os quatro melhores pilotos dentre os treze participantes das pré-classificações no primeiro semestre. A tarefa era inglória: os dois carros da Brabham e o Dallara de Alex Caffi eram carros muito mais competitivos que os demais naquele instante. Weidler, se desse sorte, poderia sonhar com essa quarta e última vaga. “Quero largar em uma ou duas corridas”, afirmou o comedido alemão.

Não seria em Jacarepaguá, primeira pista do calendário, que Volker Weidler conseguiria a façanha. O dono do carro nº 39 teve uma pré-classificação bastante problemática e não conseguiu nada além do oitavo tempo na sessão, a mais de dois segundos da última vaga para os treinos oficiais. Após o fim do treino, Weidler desceu do carro, socou as luvas dentro do capacete e se lamentou como uma criança: “Estou me sentindo mal, muito mal. O carro tinha potencial, mas tive tudo quanto é tipo de problema”.

Em Imola, Weidler caprichou: num carro inguiável, rodou sozinho e conseguiu a proeza de ser o mais lento dentre os treze participantes da pré-classificação, ficando a quase quatro segundos do penúltimo colocado, Bernd Schneider. Mônaco foi um pouquinho melhor para ele, que ficou em 11º.

No México, uma novidade bastante importante do ponto de vista técnico: a Rial trouxe uma nova pintura. O sidepod foi pintado de branco, e as partes superiores do bico e da cobertura do motor receberam um pouco de azul claro. A combinação ficou bonita, até, mas beleza não põe mesa. Volker Weidler até melhorou em relação às duas pré-classificações anteriores, mas ficar em oitavo obviamente não lhe garantiu acesso aos treinos oficiais.

Na nova pista de Phoenix, os pilotos da pré-classificação sofreram um bocado com a situação precária do asfalto. Volker Weidler foi um dos pilotos que bateram nos muros do Arizona, e terminou a sessão em décimo lugar. A sorte da Rial é que Christian Danner, mesmo tendo largado em último na corrida, sobreviveu à duríssima prova de duas horas sob calor inclemente de quase 40°C e finalizou numa inacreditável quarta posição, num belo revival do desempenho no ano anterior. Os três pontos marcados poderiam até fazer o carro de Weidler, que nunca sequer cogitou passar da pré-classificação, obter acesso automático aos treinos oficiais a partir do segundo semestre.

No Canadá, Weidler voltou a decair um pouco e terminou a pré-classificação em 11º. De volta à Europa, Volker conseguiu dar um salto de qualidade. Em Paul Ricard, fez sua melhor pré-classificação no ano e terminou em sétimo, a “apenas” 1,1 segundo da vaga para os treinos oficiais. Maravilha, hein?

Em Silverstone, Weidler sofreu uma prosaica desclassificação quando não parou para a pesagem oficial. Por incrível que pareça, esta foi a última pré-classificação que contou com o segundo carro da Rial. O quarto lugar de Christian Danner em Phoenix assegurou que a Rial estivesse totalmente livre das pré-classificações a partir de Hockenheim. Dessa forma, sem mérito algum, Volker Weidler foi um dos quatro pilotos dispensados dos malditos treinos das manhãs de sexta-feira.

A mídia especializada considerou essa promoção um completo absurdo. Weidler nunca tinha conseguido nada melhor do que um sétimo lugar em pré-classificações e, mesmo assim, havia sido premiado com um acesso que, por justiça, deveria ter sido outorgado a outro piloto. Stefan Johansson, por exemplo, havia feito dois pontos com a emergente Onyx em Paul Ricard e tinha muito mais o que fazer nos GPs do que o lamentável segundo carro da Rial. Só que a lei permitia essa distorção, e Volker Weidler foi seu maior beneficiário.

Mas o destino não foi bonzinho com a Rial. O ARC02, que havia começado mal o ano, foi ficando cada vez mais para trás e terminou a temporada como o pior carro de todo o pelotão. Mesmo sendo admitidos automaticamente nos treinos oficiais, as duas patéticas carroças azuis frequentemente faziam tempos piores até mesmo do que os dos últimos colocados das pré-classificações. O clima na equipe também foi ficando cada vez pior, e a equipe teve três outros pilotos até o fim do ano: Pierre-Henri Raphanel, Gregor Foitek e Bertrand Gachot.

A Rial terminou o ano de 1989 no fundo do poço, algo inimaginável para uma equipe que havia ido tão bem em 1988. Günter Schmid até quis continuar na F1 em 1990 com Raphanel e Gachot, chegou a cogitar uma fusão com a Zakspeed, mas acabou anunciando que não disputaria uma terceira temporada na categoria. Terminava ali a intensa história de uma escuderia que tinha tudo para ter se tornado ao menos uma sólida participante do meio do pelotão, mas que nunca conseguiu manter um ambiente pacífico e estável por conta de um chefe irritadinho e intolerante.

Quem disse que paciência não é virtude?

Rial na F1

Grandes Prêmios: 32 (1988 – 1989)
Pré-classificações: 13 (1988 – 1989) (40,62% dos GPs)
Sucessos individuais em pré-classificação: 5
Fracassos individuais em pré-classificação: 8

Série Equipes de Pré-Classificação:
1 – Scuderia Italia: a “prima pobre” da Ferrari

2 – Coloni: a persistente (e desorganizada) da F1
3 – Eurobrun: de projeto decente a vázea total
5 – Osella e a eterna luta contra o rebaixamento da F1 
11 – Life: o projeto bizarro que afundou na F1

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