Interlagos retomou o GP de F1 em 1990 após 10 anos
(Reprodução/Redes Sociais Interlagos)

Como a F1 trocou Jacarepaguá por Interlagos como sede do GP do Brasil

Em 1990, o GP do Brasil mudou de casa. A prova deixou o circuito de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e voltou a Interlagos. Mas o retorno da F1 a São Paulo exigiu muita mobilização, novidades que causaram polêmica, e controvérsias em disputas de bastidores.

Essa briga entre Rio de Janeiro e São Paulo pela etapa da F1 já era antiga. Na década de 70, as primeiras provas foram realizadas em Interlagos, ainda em seu famoso traçado antigo. Em 74, também houve uma prova extracampeonato em Brasília. Mais tarde, a categoria encontrou seu lar em Jacarepaguá, palco do GP do Brasil por praticamente todos os anos 80.

Mas, com o passar do tempo, a relação entre Rio de Janeiro e F1 começou a se estremecer. No fim da década de 80, a empresa da prefeitura responsável por gerir o autódromo, queria cobrar um valor considerado alto demais para o aluguel da pista. Isso encarecia não apenas a realização do GP do Brasil, como também dos testes coletivos que o circuito costumava receber.

Outro fator de peso foi o acidente de Philippe Streiff em março de 89, o que deixou o piloto tetraplégico e rendeu uma série de críticas dos franceses quanto ao atendimento realizado dentro e fora da pista. Contamos essa história em um outro vídeo por aqui.

Com isso tudo, o Rio perdia forças nos bastidores e corria sério risco de ficar de fora da F1 para 90. Havia uma data reservada no calendário para o GP do Brasil, no dia 25 de março, mas, sem acordo com nenhum circuito, a prova poderia ser cortada da lista.

Algumas candidatas surgiram para preencher a vaga – como o autódromo de Brasília e o de Goiânia, que recebia na época etapas do Mundial de Motovelocidade. Mas quem ganhou força foi São Paulo, em um plano que era bastante grandioso.

A estratégia de São Paulo para retomar a F1 em Interlagos

A prefeita da cidade, Luiza Erundina, queria ver um melhor aproveitamento do autódromo de Interlagos, já que a pista não estava na rota dos grandes eventos internacionais. Então, ela começou a trabalhar na possibilidade de levar a F1 de volta a São Paulo, aliando-se com Piero Gancia, presidente da CBA, que trataria do assunto diretamente com a FISA, na época o braço esportivo da FIA.

A ideia era ter a aprovação da entidade, para só depois dar início aos planos de adequação de Interlagos e realizar a corrida. Neste período, o Rio de Janeiro, ainda confiante em suas remotas chances de permanecer no calendário, considerava que os rumores sobre São Paulo serviam apenas para colocar pressão na organização de Jacarepaguá. Mas, em novembro de 89, foi oficializado: São Paulo venceu a disputa e se tornaria sede do GP do Brasil a partir de 90, em um contrato inicialmente de cinco anos de duração.

Se por um lado veio uma celebração por parte dos paulistanos, por outro ainda havia um enorme trabalho a ser feito: era necessário alterar a pista antiga, de mais de 7 km de extensão, considerada inadequada para os novos padrões da F1.

O projeto foi encabeçado pelo engenheiro Chico Rosa, administrador do autódromo, e resultaria em um traçado de aproximadamente 5 km. A ideia inicial era de manter as curvas 1 e 2 originais, com uma chicane ao fim do retão a seguir, e um novo “esse” para levar ao Laranjinha e ao trecho final da pista.

Além disso, seriam também reformadas as instalações, com a construção de novos boxes, torre de cronometragem e centro médico. Tudo deveria ficar pronto em pouco mais de três meses, quando seriam realizadas as vistorias oficiais.

Quanto à parte financeira, o orçamento das obras ficou estimado em US$ 3,5 milhões. Para isso, a prefeitura fechou um “termo de cooperação” com a Shell, que bancaria este valor. Em troca, a empresa teria direito ao uso de 20 terrenos públicos, por 20 anos, para construir postos de combustível.

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Os percalços dentro de um prazo apertado

As obras começaram de imediato, mas é claro que houve imprevistos. Ainda em novembro de 89, o chefão da F1 Bernie Ecclestone visitou as obras e propôs mudanças ao traçado, o que retiraria as curvas 2 e 3, e encurtaria a pista.

Para ele, isso tornaria o traçado mais seguro e deixaria as obras mais simples e rápidas. Mas ia muito além disso. De acordo com Chico Rosa, Ecclestone queria na verdade inviabilizar a existência do anel externo, temendo que a Indy pudesse competir no local e concorrer com a F1 no Brasil.

Poucos dias mais tarde, foi a vez de Ayrton Senna comparecer às reformas. E foi o campeão mundial que sugeriu a criação de um “esse” em descida, o que uniria a reta dos boxes à Curva do Sol e à Reta Oposta, indo na mesma linha do que Ecclestone havia pedido. Senna queria chamar o local de “S do Chico Landi”, em homenagem ao primeiro brasileiro que competiu na F1 e que havia falecido meses antes – mas, como todos sabem, o ponto é conhecido até hoje como “S do Senna”.

Com isso, Interlagos chegou à sua versão final, mas, por outro lado, isso inviabilizou a continuidade do circuito original, o que gerou protestos. E, com estes e outros imprevistos, o orçamento inicial estourou, e a construtora já estimava que as obras ficariam em até US$ 18 milhões. Com isso, outras empresas entraram no barco. A General Motors fez um plano de investir US$ 1 milhão nas obras, em troca de 15 anos de publicidade dentro do autódromo.

E, além disso, havia outras pedras no caminho nos meses que antecederam a prova. Por um período, Senna viveu um imbróglio com a FISA devido à decisão do título de 89, sendo que sua participação na temporada de 90 não estava garantida – como explicamos neste vídeo abaixo. Então, os organizadores da F1 temeram boicote e até violência dos torcedores brasileiros caso Senna ficasse de fora.

Só que não parava por aí. Durante as obras, mais um outro problema sério surgiu. O Tribunal de Contas do Município de São Paulo considerou ilegal o acordo da prefeitura com a Shell, pois a parceria foi realizada sem que houvesse licitação ou concorrência pública.

Segundo a CBA, caso houvesse algum problema com o contrato e as obras não ficassem concluídas, o Brasil poderia perder seu GP e ficar de fora do calendário por no mínimo cinco anos. No fim das contas, os planos continuaram e as obras foram concluídas.

A vistoria oficial da FISA aprovou Interlagos para receber a F1, sendo que a entidade enalteceu a velocidade das obras. Em março, durante o GP, a estrutura do autódromo ganhou elogios por sua segurança e modernidade.

Dentro da pista, Senna anotou a pole position, mas não concretizou o sonho de vencer em casa depois de ter a famosa colisão com o retardatário Satoru Nakajima. Com isso, Alain Prost venceu em território brasileiro pela sexta vez, um recorde até os dias de hoje.

Se na pista o evento foi um sucesso, fora dela ainda havia muita coisa a resolver. No dia 26 de março, um dia depois do GP do Brasil, a Câmara de Vereadores de São Paulo anulou o contrato da prefeitura com a Shell, e a empresa ficou sem a sua contrapartida do acordo.

Já o Superior Tribunal de Justiça, tempos mais tarde, decidiu que a construtora que realizou a obra teria direito a receber a uma indenização de R$ 61 milhões, que era o valor da dívida do município pelas reformas realizadas. Este valor, com todas as correções monetárias e juros, superaria R$ 100 milhões.

De lá para cá, Interlagos realizou diversas edições que marcaram história, e sendo o palco da definição de seis títulos depois de sua mudança para a parte final da temporada. O Rio de Janeiro até tentou recuperar a corrida, incluindo um plano recente de construir uma nova pista em Deodoro, mas o projeto fracassou e nunca saiu do papel.

Por conta dessa disputa, a prova em Interlagos passou a ser oficialmente chamada de GP de São Paulo, para simbolizar o lar de longa data que a F1 encontrou no Brasil.

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