(Foto: LAT/Fórmula E)

Fórmula E x modelos a combustão: o que muda no estilo de pilotagem

Desde seu início, em 2014, a Fórmula E conseguiu atrair a atenção de pilotos importantes e com currículos de destaque no automobilismo internacional. Para se ter ideia, logo em sua primeira temporada, o grid da categoria contou com a passagem de 15 ex-F1 durante o ano.

No atual campeonato, são seis pilotos que já correram na F1 mais diversos pilotos que tiveram destaque em categorias de base do Mundial e que trocaram o foco da carreira por falta de oportunidade.

Para essa transição do automobilismo tradicional, como motor a combustão, mesmo que na versão híbrida como da F1, para o modelo elétrico da Fórmula E, todos esses pilotos precisaram entender as características do carro que possui um comportamento bastante diferente para adequarem seu estilo de pilotagem.

O Projeto Motor conversou no ePrix de São Paulo com diversos pilotos do grid da Fórmula E que deram sua visão sobre o assunto, e quase todos os competidores citaram a questão da administração de energia durante a corrida.

Pascal Wehrlein, ex-F1 e que pilota pela Porsche na Fórmula E, explicou para nossa reportagem que enquanto na classificação você pode pensar apenas em andar rápido, na prova, a técnica de pilotagem muda bastante.

“Na corrida, você tem que pilotar de forma eficiente e ter muito cuidado com o que você faz com a energia. Na classificação, você tenta freiar o mais tarde possível, pilota o mais rápido possível, você não liga para como você faz isso. Pode até voltar às vezes ao acelerador durante a curva. Mas na corrida, você tem que ser supereficiente”, afirmou o líder do campeonato.

Além da bateria que armazena a energia com que os carros são carregados antes da prova, o modelo da Fórmula E, assim com os da F1, possui um sistema de recuperação de energia cinética nas freadas. São dois motores acoplados nos eixos que conseguem gerar energia que seria dissipada na forma de calor quando o freio é acionado.

Carros da Fórmula E possuem particularidades que o diferenciam estilo de pilotagem do resto do automobilismo
Carros da Fórmula E possuem particularidades que o diferenciam estilo de pilotagem do resto do automobilismo (Foto: Fórmula E)

O piloto René Rast, da McLaren, explicou que esse jogo de administrar e recuperar energia durante toda a prova é essencial na estratégia da Fórmula E na busca de uma vantagem contra os adversários.

“Se você acelerar tudo o tempo todo, a sua bateria vai durar 15 voltas, mas nós temos que chegar a 30 voltas. Então, basicamente, nós temos que recuperar muita energia durante a corrida. E economizar muita energia. Depende de nós e do carro economizar energia e recuperar nas freadas. É um tipo de corrida completamente diferente”, disse.

“Você quer ultrapassar o carro da frente, mas se você faz isso, você gasta muita energia. Então, você fica em desvantagem e ele vai te passar de novo. É sempre sobre quando você segura e quando você ataca, esse tipo de jogo. Existe muito do elemento da estratégia na corrida da Fórmula E”, continuou.

As equipes utilizam simuladores de corrida em suas fábricas para projetar quanto tempo os pilotos devem se manter focados na economia e recuperação de energia e em qual momento da corrida podem começar a se sentirem mais livres para partirem ao ataque.

Essa equação depende muito não só de cada traçado específico – quantidade de energia gasta e recuperada varia dependendo dos tipos de curvas e extensão das retas -, mas também de cada carro. Isso acontece porque enquanto o chassi e bateria de armazenamento são padrão para todos, as unidades de potência em si são de fabricação livre. Entre as 11 equipes do atual grid, existem sete fabricantes diferentes: DS, NIO, Mahindra, Nissan, Maserati, Jaguar e Porsche.

Usando então todas essas ferramentas, pilotos e equipes traçam a melhor estratégia para o momento de ataque. O brasileiro Lucas di Grass, campeão da Fórmula E em 2017, apontou que qualquer vantagem neste quesito é essencial na luta por posições.

“Obviamente que na corrida tem a parte da economia ou administração da energia para você conseguir atacar na hora certa. A gente não precisa de DRS, não precisa de nada assim. Tendo um pouco mais de energia, você consegue fazer a ultrapassagem. Então, essa é a dificuldade, você conseguir ficar ali, fazendo o mais rápido possível e economizando energia”, apontou piloto da equipe Mahindra.

Administração de energia na Fórmula E x combustível e pneus na F1

Economizar e saber a hora certa de atacar não é exatamente algo exclusivo da Fórmula E. Diversas categorias com carros a combustão possuem a característica de obrigar os pilotos a controlarem o gasto de combustível e, principalmente, de pneus.

Segundo o ex-F1 Sebastien Buemi, no entanto, a questão é mais complexa na Fórmula E porque tem uma influência bem maior no desempenho volta a volta durante a prova. Ou seja, você precisa economizar e recuperar energia, mas também não pode ficar muito para trás para não inviabilizar um ataque pelas primeiras posições nas voltas finais.  

Durante as freadas e curvas, pilotos da Fórmula E também precisam pensar na técnica para economizar e recuperar energia
Durante as freadas e curvas, pilotos da Fórmula E também precisam pensar na técnica para economizar e recuperar energia (Foto: Fórmula E)

“Claro que na F1 você tem que fazer alguma economia de combustível, mas é muito pouco e não representa tanta diferença no tempo de volta. Tanto para cima quanto para baixo. Na corrida da Fórmula E é tudo sobre a administração de energia. O quanto de energia você consegue economizar e o quanto você recupera [nas freadas]. E isso faz uma grande diferença no tempo de volta. É totalmente diferente, a Fórmula E é muito mais sobre estratégia.”

E como isso é feito? Segundo Wherlein, o segredo está na forma como você freia e consegue levar velocidade o bastante para curvas sem precisar acelerar novamente cedo demais. “Você tem que carregar toda a velocidade e não desperdiçar energia voltando ao acelerador ou usando o freio demais. Você deixa o carro rolar e carregar um mínimo de velocidade nas curvas”, apontou.

Freios e balanço do carro

O atual carro da Fórmula E, que leva o nome de Gen3, tem um sistema em que não existe freio hidráulico e disco no eixo traseiro. A diminuição da velocidade é feita pelo rotor do sistema de recuperação de energia. Isso tem um claro impacto da forma como o monoposto responde quando o piloto pisa no pedal de freio.

Atual campeão da categoria, Stoffel Vandoorne, que também teve uma passagem pela F1, admitiu que, fora da questão estratégica, essa é uma das particularidades que mais influenciam na pilotagem do carro da Fórmula E.

“A maneira que você freia com o freio elétrico é bem desafiador, é uma sensação bem diferente. E você tem que pilotar de uma forma bem eficiente na corrida para conservar a energia e construir uma vantagem em relação aos adversários. É um estilo de pilotagem bem diferente”, explicou ao Projeto Motor o belga da Penske-DS.

Buemi também apontou a questão do torque, por característica do funcionamento do motor elétrico por natureza, e a distribuição do peso, por conta do posicionamento das baterias no carro.

“Eu diria que a principal diferença é talvez o torque. O fato de você ter muito torque instantaneamente. E o fato de por enquanto os carros elétricos serem muito mais pesados do que os carros normais. Como a bateria é pesada e fica na parte traseira do carro, você tem sempre muito movimento na traseira do carro, pois o peso está muito concentrado na traseira”, disse o piloto da Nissan.

Campeão de 2020, António Félix da Costa aponta, no entanto, que essa é uma questão que os pilotos conseguem se adaptar de forma rápida com poucos treinos e corridas. Além disso, também é possível acelerar o aprendizado especificamente neste quesito com os atuais simulares que as equipes possuem em suas sedes.

“Temos uma série de sistemas que funcionam de forma elétrica. A forma de frear, por exemplo. Mas isso você aprende rápido. No final do dia, na teoria, a forma de você fazer uma volta rápida é igual.”

Sam Bird, um dos cinco pilotos que possuem mais de 100 largadas na Fórmula E, também acredita que, apesar de ter características estratégicas muito diferentes de qualquer outra categoria do mundo, as reações do carro em si não são tão diferentes quanto a de monopostos de base, que possuem menos pressão aerodinâmica, assim como o modelo da categoria elétrica em relação a um F1.

“Para ser honesto, é um carro de corrida. Tem dois pedais como um F3 ou F4. Funciona do mesmo jeito. Ok, tem muitos sistemas e software no Fórmula E que você tem que se acostumar. Mas a pilotagem é como um carro de F3. A partir do momento que você se acostuma aos pneus, é um monoposto e se comporta como um.”

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