Detalhes e os itens de segurança no acidente de Grosjean no Bahrein
A F1 investe em melhorias de segurança ano após ano, o que coloca a categoria em um nível satisfatório de proteção aos seus pilotos. Porém, volta e meia há ocasiões que lembram a todos do quão perigosas as corridas podem ser. Este foi o caso do acidente assustador de Romain Grosjean no GP do Bahrein de 2020.
O piloto da Haas colidiu com força em um guard-rail e protagonizou cenas de terror. Apesar disso, Grosjean não sofreu lesões de maior gravidade, mas ainda assim a sua batida serviu para mostrar pontos importantes da F1 atual – sejam aqueles que funcionaram como deveriam, como outros que serão observados para, quem sabe, resultarem em mudanças para o futuro.
Para começar essa análise, é preciso antes de mais nada entendermos a cronologia. Ainda nos metros iniciais de prova, Romain Grosjean se enroscou com Daniil Kvyat, da AlphaTauri, e foi em alta velocidade em direção a um guard-rail. A batida fez com que seu carro literalmente partisse ao meio e explodisse em chamas, em uma imagem bastante rara para a F1 moderna.
Grosjean permaneceu dentro do carro por alguns segundos, mas depois conseguiu sair sozinho. Mesmo visivelmente abalado, o piloto sofreu apenas queimaduras leves nas mãos e pés.
Passado o susto, o acidente deixa pontos importantes a serem analisados, sendo que cada um deles desempenhou papel importante para o desenrolar dos fatos.
O toque entre Grosjean e Kvyat e a batida no guard-rail
Grosjean largou em penúltimo e subiu para 17º nos primeiros metros. Após as duas primeiras curvas, ele se encontrava atrás de vários carros emparelhados: Kimi Raikkonen, Carlos Sainz, Sebastian Vettel e Kevin Magnussen. Ele dá uma guinada brusca para a direita, na tentativa de encontrar espaço, e acaba colidindo com Kvyat.
Observe a sequência desde o início da manobra de Grosjean, o toque em Kvyat até o impacto no guard-rail:
Com isso, o piloto da Haas bate no guard-rail a 211 km/h, o que provoca uma desaceleração de 53 G. O ponto da pista teve um peso importante para a dimensão do acidente. Tudo aconteceu na saída da Curva 3, na parte interna da pista, que não é um local nada comum para batidas. É por isso que, no ponto, não havia uma barreira de pneus ou o “softwall”, que são as proteções consideradas mais seguras para batidas em alta velocidade.
Mais do que isso: o guard-rail não era posicionado de forma paralela à pista, já que ele possuía um certo recuo para facilitar a remoção de carros que pararem no local. Isso fez com que Grosjean batesse totalmente de frente, em um ângulo praticamente de 90°, o que está longe de ser o ideal, sobretudo em velocidade tão alta.
Com o impacto, a parte da frente do carro passou pelos vãos do guard-rail, atravessou a barreira de proteção e parou ali. Via de regra, a F1 trabalha para que seus acidentes não resultem em carros que “param de uma vez”, pois isso representa uma desaceleração mais violenta. O ideal é que os carros consigam perder velocidade aos poucos, e, assim, dissipar a energia para aliviar a carga de desaceleração imposta ao piloto.
O desempenho do guard-rail chamou a atenção do diretor técnico da 1, Ross Brawn, que reconheceu depois do acidente que aquela era uma cena que não deveria acontecer.
O rompimento do carro em dois e o incêndio
Ainda no tópico de dissipar a energia, os carros da F1 são construídos para se partir em várias peças pequenas em caso de acidente, também para aliviar a carga de desaceleração ao piloto. Somente devem ficar intactas peças como a célula de sobrevivência, o que aconteceu, e o tanque de combustível.
Mas como a parte da frente do carro de Grosjean ficou presa no guard-rail, o restante da carga foi transferido para a traseira, o que provocou o rompimento do carro em dois. Neste processo, houve também o rompimento do tanque de combustível, que é uma parte do carro construída em kevlar e bastante resistente.
Como os carros podem carregar até 110 kg de combustível na fase inicial da corrida, a ruptura do tanque provocou uma explosão violenta e imediata. Este é um dos pontos em que a FIA terá que se debruçar nos próximos meses para entender como evitar novos casos.
GP de Bahreïn : le soulagement laisse place aux questions après l’accident de Romain Grosjean
— L’ÉQUIPE (@lequipe) December 1, 2020
Le soulagement de voir Romain Grosjean indemne a vite laissé place aux interrogations sur la dislocation et l’embrasement de sa monoplace https://t.co/ZiMYbHnXO9 pic.twitter.com/GnT8KVcUOx
Equipamentos de segurança que protegeram Grosjean
Apesar dos problemas em torno da batida, diversos componentes de segurança utilizados no carro e pelo piloto se comportaram exatamente como esperado e, juntos, foram fator essencial para que o piloto saísse do carro sem maiores lesões O primeiro deles foi o halo.
A peça, que é feita de titânio e pesa menos de 10 kg, ficou intacta durante todo o ocorrido. Isso foi fundamental para proteger a cabeça de Grosjean de qualquer impacto do guard-rail, o que poderia causar lesões sérias, ou, em um cenário mais moderado, deixá-lo inconsciente no meio das chamas. Assim, em estado de alerta, Grosjean conseguiu abrir o cinto e sair do cockpit sozinho.
How did Romain Grosjean get out of that? The halo protecting his head squashed in the barrier, car split in two, and a fireball. One very lucky man. #BahrainGP #F1 pic.twitter.com/r08ITeitT4
— Gareth Tancred (@GTancred) November 29, 2020
Mas, para conseguir deixar o carro por conta própria, Grosjean precisou sustentar as intensas chamas. O piloto ficou exposto ao fogo por 28s, e chegou a perder uma das sapatilhas durante o ocorrido. Apesar disso, o equipamento de proteção fez o seu papel.
Para 2020, todas as principais categorias da FIA passaram a adotar novas especificações de vestimentas, o que inclui macacão, roupa de baixo, luvas e sapatilhas, com exigências mais rígidas para que as fabricantes aumentassem o índice de transferência de calor do material em pelo menos 20%. E ainda incluiu pela primeira vez roupas que ficam por baixo do macacão, como meias, bermudas ou calças e balaclavas.. Para se ter ideia da evolução, a homologação anterior já perdurava por 18 anos sem modificações.
O material utilizado é chamado de Nomex, que é bastante leve. Os testes oficiais exigem que o macacão do piloto resista sem nenhuma alteração a uma exposição direta do fogo por 12 segundos. A roupa que fica por baixo deve resistir por 5s, enquanto sapatilhas e luvas por 11s, com exceção da parte da palma da mão, que deve durar 8s na situação, já que essa região precisa promover uma sensibilidade maior ao piloto ao conduzir o carro e não pode ser tão grossa.
Isso se alia à nova especificação de capacetes. A atual homologação, introduzida em 2019, passa por testes intensos de impacto e temperatura, expostos por 45s a chamas de 800º C, sem que a temperatura interna passe de 70º C. A viseira de Grosjean chegou a derreter no Bahrein, tudo para evitar que o calor fosse transferido para dentro da cabeça do piloto.
O piloto ainda utiliza outro aparato essencial em um acidente deste tipo: o Hans. A peça prende a cabeça do piloto ao seu corpo, evitando que na hora de uma pancada o pescoço se mexa de forma brusca, o que evita lesões graves, principalmente na base do crânio, e impede que o piloto perca a consciência. O equipamento é item obrigatório por regulamento na Fórmula 1 desde 2003.
Trabalho da equipe médica e fiscais no local do acidente
Mesmo com todos esses itens de segurança, o procedimento da F1 tenta fazer com que os médicos cheguem ao local do acidente o mais rapidamente possível. Como a largada das corridas é um dos momentos mais críticos porque os competidores estão mais próximos, o carro médico já parte do final do grid e completa a primeira volta para garantir que, se algo acontecer, ele irá chegar rapidamente.
Isso aconteceu no acidente de Grosjean, que quando estava deixando sua Haas em chamas, já tinha ao seu lado o médico da F1, Ian Roberts, o auxiliando e fazendo um primeiro socorro. E, mesmo com o número reduzido de fiscais devido à pandemia, Grosjean teve o auxílio de dois deles na tentava de amenizar o incêndio, além da presença de Alan van der Merwe, piloto do carro médico, que utilizou um extintor no francês para apagar um eventual foco das chamas.
Os poucos segundos que envolveram o acidente viram diversos aspectos de segurança da F1 desempenhando seu papel. O saldo é de grande alívio por ver um piloto sair com apenas lesões mais leves. De qualquer forma, a própria categoria irá analisar cada peça deste quebra-cabeça para corrigir eventuais falhas, e garantir que a segurança de todos os envolvidos seja ainda maior em ocasiões futuras.
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