(Foto: Reprodução)

Ian Hutchinson: autor de algumas das pinturas mais icônicas da F1

Ian Hutchinson. É bem possível que o douto leitor jamais tenha escutado ou lido falar sobre tal figura. Culpa, talvez, dele próprio, uma figura discreta e reclusa, avessa aos holofotes. Mas saiba que este é um nome de grande relevância para a F1 e o automobilismo em geral.

São escassas as informações a seu respeito. Pesquise seu nome na internet e o resultado virá inundado de informações sobre Ian Hutchinson, um renomado físico e engenheiro nuclear britânico. Pois é.

Nosso Hutchinson também era do Reino Unido, mais precisamente inglês. Nasceu no sul do país, na região de Hampshire, em 1960. Ganhou intimidade com o esporte a motor porque seu pai o levava constantemente para assistir a corridas das mais diversas no autódromo de Thruxton.

Aos sete anos, já sabia o que queria fazer da vida, e não era ser piloto. “Eu não queria pilotar carros de corrida, mas sim desenhá-los”, afirmou o desenhista em entrevista à Motorsport Magazine em 1992. Pode parecer uma decisão estranha, mas ela veio no esteio da invasão dos patrocinadores aos bólidos de corrida, no fim dos anos 1960.

Hutchinson se encantou com os carros cada vez mais coloridos e decidiu investir nessa carreira. Após estudar design gráfico por três anos na Escola de Arte de Salisbury, conheceu figuras como Guy Edwards, piloto que ficara conhecido justamente pela facilidade em conseguir patrocínios nos anos 70, a ponto de se tornar consultor de publicidade em automobilismo.

Foi Edwards quem encomendou a Hutchinson seu primeiro projeto, em 82, um carro da March Engineering patrocinado pela marca de cigarros Silk Cut. “Ele me ligou às 4 da tarde de um dia dizendo que precisava entregar o esquema pronto às 8 da manhã do dia seguinte. Não fiz promessas, mas aceitei me encontrar com ele naquela mesma noite para ver o que eu poderia fazer”, rememorou o desenhista.

Em 85, já como proprietário da Hutchinson Motorsport Design, Hutchinson voltou a prestar serviços a Guy Edwards, desenhando a pintura do Porsche 956L patrocinado pela marca de cigarros American 100’s que o próprio Edwards pilotaria nas 24 Horas de Le Mans daquele ano. “Foi meu primeiro livery completo”, contou.

O salto definitivo em sua carreira viria um ano mais tarde. Foi Ian quem criou uma das pinturas mais icônicas das provas de enduro: os Jaguar Le Mans da série XJR patrocinados pela Silk Cut, ostentando uma belíssima combinação de branco com roxo e dourado.

Engana-se, porém, quem pensa que tudo foram flores. Para conseguir os resultados que pretendia, Ian teve de aprender a lidar com as limitações, inúmeras exigências corporativas e guerras de ego envolvendo marcas poderosas, como era o caso da Jaguar e do Grupo Gallaher (proprietário da Silk Cut).

Jaguar com pintura de Ian Hutchinson
Jaguar com pintura de Ian Hutchinson (Foto: Reprodução)

Uma de suas maiores dificuldades era convencer executivos a mudar elementos como fontes, paletas de cores e logotipos, a fim de melhorar a leitura do nome da marca a maiores distâncias e a altas velocidades.

“Na época, achava que [o Jaguar XJR-6 Silk Cut] tinha ficado fraco. Muito branco e com letras muito finas. Eu usava o exemplo de Rothmans e Marlboro para explicar que, se eles estavam me dando o trabalho de pintar sua marca em um carro, eu precisava ser criativo para dar o devido destaque”, comentou.

“Para se ter ideia, tive que pedir uma permissão especial [da Jaguar] só para desenhar o gato saltando [o Jaguar do símbolo da marca] para a mesma direção do carro dos dois lados da carroceria!”, rememorou. Apesar das dificuldades, o Jaguar Silk Cut foi sendo aprimorado ao longo dos anos e logo se tornou ícone entre os amantes das corridas de longa duração.

Aí, então, vieram outros contratos e criações: os Jaguar Castrol da IMSA; carros de enduro patrocinados pela Bud Light; diversos modelos de rali patrocinados pela Marlboro.

Projetos de Hutchinson na F1

Em 1989, Hutchinson pulou para a F1 com o projeto do belíssimo Onyx Moneytron ORE-1, pintado em um criativo esquema de azul, branco e rosa.

Onyx carregou os traços de  Hutchinson
Onyx carregou os traços de Hutchinson (Foto: Reprodução)

Após projetos menos inspirados para AGS e Scuderia Italia no ano seguinte, Ian Hutchinson chegaria à sua Opus Magnum em 1991: o icônico Jordan 191 verde e azul patrocinado pela 7Up e pela Fujifilm.

Ali, Hutchinson teve que mais uma vez convencer os executivos da Pepsi (dona da marca 7Up) e da própria Fuji a autorizar mudanças nas fontes e cores dos logotipos das marcas, a fim de que se casassem melhor com o visual do carro e ficassem mais visíveis, especialmente nas transmissões televisivas.

A televisão, aliás, era uma preocupação à parte de Ian Hutchinson. Em uma época na qual as imagens da TV ainda eram ruins, a internet não existia e muitos jornais seguiam trabalhando com fotografias em preto e branco, ele desenvolveu um esquema de teste de cores para determinar qual o melhor tom para destacar os patrocinadores em diferentes cenários, especialmente o da “telinha”.

“Pinturas metálicas costumam ser muito ruins, pois estouram com facilidade e dão muito reflexo”, determinou, certa vez, em uma entrevista à Fuji TV. Por isso, suas criações tinham todas tintas sólidas e faixas de cores muito bem definidas, algo que se tornou a cara do fim dos anos 1980 e primeira metade da década seguinte.

Pintura da Jordan de 1991 é considerada por muitos como uma das mais bonitas de todos os tempos na F1
Pintura da Jordan de 1991 é considerada por muitos como uma das mais bonitas de todos os tempos na F1 (Foto: Reprodução)

Foi pelo mesmo motivo que Hutchinson mudou o tom da marca de cigarros Barclay do marrom para um laranja escuro no Jordan 192, um modelo ainda belo, mas sem o fetiche de seu antecessor.

“Em um carro de corrida, é inútil manter letreiros finos demais, que sequer poderão ser lidos. É preciso manter a identidade corporativa, porém, fortalecendo as letras. Se a cor for muito fraca, também tenho que carregá-la. Afinal, se uma companhia está patrocinando uma equipe automobilística, não importa qual seja o valor do patrocínio ou o nível de destaque no carro, ela precisa ter a visibilidade que justifique aquele investimento. Se não, qual o sentido”, determinou.

Hutchinson prestou serviços à Jordan até 1996, o que significa que também foi o responsável pelo clássico modelo 196 dourado. Porém, foi na Benetton/Renault que desenhou os bólidos mais vencedores de sua passagem pela F1. A começar pelo B194, o carro do primeiro título de Michael Schumacher.

No vídeo abaixo, Ian explica em uma reportagem japonesa como transformou o projeto da Mild Seven para patrocinar a Benetton em 1994. Originalmente, seria um bólido cinza metálico e azul. Com suas intervenções, virou um modelo bem mais colorido, seguindo a identidade da própria grife de roupas, puxando para diferentes tons de verde e azul.

Através da Mild Seven, marca japonesa de cigarros pertencente à Japan Tobacco, que por sinal também era proprietária do já mencionado Grupo Gallaher, Hutchinson seguiu desenhando os bólidos da Benetton até a esquadra se tornar Renault, em 2002. Assim, é dele o desenho do B195 pilotado por Schumacher no ano de seu bi, bem como outros modelos da marca que costumavam agradar visualmente os fãs, como o B201, de 2001.

Depois, seguiu trabalhando para a Renault e criou o igualmente lendário esquema azul claro, azul escuro e amarelo usado pelo time da fabricante francesa entre 2002 e 2006, incluindo os dois campeonatos de Fernando Alonso.

Mudança de foco após saída das tabagistas da F1

Com a proibição dos patrocínios tabagistas, Ian Hutchinson perdeu espaço na categoria. Seu último carro foi o Virgin VR-01, de 2010. As cores e transições carregadas, como o vermelho quase alaranjado, seguiam lá, mas já sem o mesmo destaque de outrora.

Em outras categorias, o desenhista também criou a pintura do time Irlanda na A1GP e as motocicletas Honda CBR1000EE patrocinadas pela Seven Stars em competições de enduro sobre duas rodas.

Após deixar a F1, Ian Hutchinson seguiu trabalhando com design gráfico voltado ao automobilismo até falecer, em março de 2020, vítima de um câncer. Tinha 59 e deixou um legado de respeito, endossado por quem trabalhou de perto com o inglês.

“Costumávamos ficar 24 horas por dia focados em um mocape, sempre entre o Natal e o Ano Novo. Eddie Jordan estava sempre de férias e não interferia em nada! Sua habilidade de atender todas as demandas e preencher todos os espaços [da pintura] como um trabalho de arte era genial”, comentou Ian Phillips, antigo diretor de marketing e negócios da Jordan.

“Tive sorte de trabalhar com Ian em diversas ocasiões. Em cada uma delas, ele criava algo especial. São poucos os patrocinadores que entendem que seu logotipo ou marca podem não aparecer direito em um carro de corrida, mas Ian os pegava pelo braço e mostrava como fazer”, disse Mark Gallagher, executivo que, na F1, trabalhou em operações como Jordan, Jaguar, Red Bull e Cosworth, entre outras.

A trajetória de Ian Hutchinson só mostra como o automobilismo, para muito além da fama dos pilotos, é um esporte formado por pessoas que muitas vezes nem sabemos quem são, mas estão ali trabalhando para criar ícones e mexer com nossas emoções.

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