Quando a Mercedes liga o modo festa do motor, normalmente não há rival que segure
(Foto: Wolfgang Wilhelm/Mercedes)

“Modo Festa” nos motores: por que se fala tanto disso na F1 atual?

“Modo festa”, “modo mágico” ou simplesmente “modo de potência extrema”. Você provavelmente já deve ter escutado algum destes termos de pilotos, engenheiros ou chefes de equipe da F1 desde que o regulamento V6 turbo híbrido foi inaugurado – e sempre para justificar algum feito impressionante das unidades da Mercedes aos sábados de GP.

A fabricante alemã tem se estabelecido como a principal referência sob as atuais normas técnicas ao dominar a tecnologia nos mais diversos aspectos, como potência máxima entregue ao carro, recuperação da energia, consumo de combustível de forma controlada e confiabilidade cada vez maior. No entanto, em treinos classificatórios sua força fica mais visível, já que, nos quatro primeiros anos do regulamento, a unidade abocanhou mais de 90% das pole positions em jogo.

Por mais que todas as equipes espremam o máximo de capacidade de seus propulsores em voltas lançadas, o trabalho desenvolvido pela Mercedes segue se destacando perante a concorrência. Rivais como a Red Bull, por exemplo, têm em mente que a única forma de derrotar as Flechas de Prata é aproveitando possíveis vulnerabilidades nas corridas, já que, aos sábados, a tarefa é muito mais difícil.

“Isso é uma droga. É frustrante, porque acho que todos querem vê-los desafiados um pouco mais, então foi como um soco no estômago. Tomara que na corrida eles não tenham mais disso, porque esse modo que eles têm é um pouco assustador”, disse Daniel Ricciardo ao terminar quase 1s atrás de Hamilton no Q3 na Austrália, em 2018.

Enquanto os rivais correm atrás, Lewis Hamilton, já estabelecido como recordista de poles na história da F1, apelidou o desempenho do motor justamente como “modo festa”, já que é ali que a diversão acontece. De todos os segredos da esquadra liderada por Toto Wolff, Niki Lauda e Andy Cowell, talvez esse seja o mais intrigante.

Entendendo o “modo de classificação” dos motores

É praxe da Fórmula 1 que as equipes façam de tudo para render o máximo possível na volta lançada de classificação. Para isso, a preparação para a tomada de tempos vai além de simplesmente reduzir o combustível e colocar pneus novos, o que inclui também a configuração de motor de forma mais agressiva a fim de estabelecer um regime de potência mais alto.

No entanto, o atual regulamento de motores da F1 possibilita uma discrepância maior do que se via antes entre os regimes de classificação e corrida. As unidades de potência, formadas por um conjunto de baterias, motor elétrico e motor a combustão (se você ainda não leu, leia este texto para entender os detalhes do restante deste artigo), são configuradas para render nas mais diversas circunstâncias, possuindo vários modos diferentes de gestão de energia e performance.

Na corrida, o conceito gira em torno da economia de combustível. É proibido por regulamento um consumo que exceda os 105 kg de gasolina durante a prova – por isso, o motor a combustão tem de girar em um regime consideravelmente abaixo do fluxo de combustível máximo permitido, de 100 kg/h (caso contrário, a gasolina duraria somente pouco mais de 60 minutos). As baterias que alimentam o ERS-K também tem de ser recarregadas de forma constante para que elas consigam fornecer potência adicional durante todas as voltas da prova e em disputas por posição.

Em classificação, a preocupação é outra. Ao se configurar a unidade para seu rendimento máximo, o motor a combustão funciona durante a volta inteira com o fluxo de 100 kg/h, além de um regime de giros mais alto (às vezes, beirando 13 mil rpm); já as baterias somente descarregam ao ERS-K todos os 4MJ permitidos por regulamento, sem a preocupação de ser recarregada para a volta seguinte. Isso proporciona um rendimento bruto consideravelmente maior do que se passa em corrida.

E, como o regulamento é cada vez mais estreito no que diz respeito ao uso de peças do motor durante uma temporada, não é sempre que a unidade de potência pode se dar ao luxo de render em seu máximo e comprometer sua confiabilidade. Portanto, em tese, as fabricantes têm de possuir modos distintos que priorizem o ritmo de corrida (ou seja, de modo que não desgaste a unidade e que consiga recuperar energia de forma sustentável) e a classificação, com rendimento puro.

O que a concorrência alega, contudo, é que a Mercedes consegue ir além ao espremer toda a performance possível das unidades durante a volta lançada. A Ferrari, por exemplo, constantemente obteve ganhos maiores do Q2 para o Q3 em 2017 (veja o gráfico abaixo), mas é a performance dos carros equipados com os propulsores alemães que atrai os olhares da concorrência.

O que a Mercedes faz de especial em seu “modo festa”?

Red Bull, por exemplo, se queixa de que não consegue utilizar modos mais agressivos, já que a Renault assumidamente colocou a confiabilidade como prioridade número um em 2018

Bem, este é o segredo guardado a sete chaves da F1 atual. O comentário que existe é de que a fabricante alemã possui uma maior gama de modos de alta potência do que os rivais, o que permite ganhos gradativos com o passar da classificação. Assim, ela pode chegar ao meio termo entre performance e estresse aplicado na unidade de acordo com a necessidade do momento.

sempre bem informada Motorsport Magazine apurou que o modo usado pela Mercedes no Q2 já possui uma vantagem de cerca de 0s4 em relação ao modo padrão; para o Q3, o ganho é de mais 0s2. Ou seja, além de um modo de classificação comum, que já empurra mais forte (o chamado “Strat 6”, que também é o modo de ataque/ultrapassagem), a Mercedes aparenta ter uma configuração que vá ainda além – o tal “modo festa”, tido como “Strat 7”, que é usado somente em ocasiões específicas.

Como isso é obtido, ninguém de fora sabe ao certo. Há quem suspeite no paddock da F1 de que o ganho tenha relação com a polêmica do uso de óleo como combustível, algo em que a FIA apertou o cerco nos últimos meses – reduzindo o uso pela metade de setembro de 2017 até o início de 2018. Contudo, ainda há uma desconfiança de que a redução para 0,6 litro de óleo para cada 100 km possa oferecer uma brecha para que as equipes explorem o recurso em classificação.

A teoria é de que os anéis do pistão do M08 EQ Power+ permitem que o óleo tenha acesso à câmara de combustão, o que resultaria em mais potência sem extrapolar o fluxo de gasolina estabelecido pelo regulamento. Isso levaria o equipamento a uma maior exaustão, e é por isso que a Mercedes (que chegou a um nível de fiabilidade sem precedentes em 2017) pode se dar ao luxo de ser tão extrema, mesmo que apenas em algumas ocasiões específicas.

A publicação alemã Auto Motor und Sport revelou que Mercedes e Ferrari estão mais próximas do limite de 0,6 litro de óleo; já Renault e Honda se estabeleceram em 0,1 litro, uma vez que há a preocupação em manter a confiabilidade e evitar recursos que desgastem o equipamento em excesso. Mas tudo, claro, é no campo da hipótese, já que não houve alguém capaz de decifrar o segredo com exatidão.

E quais ganhos isso traz? Bem, não necessariamente isso se reflete em carros voando nas retas – até porque, no Q3 da classificação para o GP da Austrália de 2018, o carro de Hamilton ficou ligeiramente atrás de ambas as Ferrari em todos os pontos de medição de velocidade final.

Em análise feita pelo ex-F1 Karun Chandhok ao Channel 4 britânico (vídeo acima), mostrou-se que a imensa vantagem de 0s6 do carro #44 foi obtida nas frenagens e nas curvas – ou seja, a combinação do conjunto permitiu uma carga aerodinâmica maior sem comprometer a velocidade final.

É preciso reconhecer que a unidade de potência não é o único fator que explica o domínio da Mercedes, já que o trabalho aplicado por James Allison, Aldo Costa, Geoff Willis e companhia no desenvolvimento do chassi chegou a nível de detalhismo impressionante. Porém, frequentemente vemos os sábados esse aspecto específico sendo mencionado, e não deve acabar tão já.

O nível obtido pela Mercedes na F1 deixa claro que, para haver uma briga a altura, é preciso desenvolver um trabalho completo, com destaque nos mais diferentes departamentos. Enquanto as coisas assim persistirem e a concorrência não encontrar soluções competitivas, a Mercedes terá ainda mais motivos para fazer festa nos treinos classificatórios.

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