Lando Norris, da McLaren, em Sochi
(Foto: Mark Sutton / LAT Images/Pirelli)

Entenda a complexa situação e os erros de Norris e McLaren em Sochi

Imagine só. 21 anos de idade, em uma equipe com muita história, mas que passa por um momento de pelotão intermediário. Você lidera a corrida com segurança e a sete voltas do final, começa a chover. Mas não uma chuva forte e óbvia de troca de pneus. Mas uma garoa que vai molhando aos poucos o asfalto. Fica na pista e arrisca? Abre mão da posição de pista e faz o pit stop para tentar estar melhor com os pneus para pista molhada. Essa era a situação de Lando Norris no último GP da Rússia.

A decisão pode até parecer um pouco óbvia, ainda mais depois da prova. Mas não era. O principal motivo é que quando Norris estava à frente, é quem tinha mais a perder com qualquer decisão. Afinal, ficar onde você está é a melhor situação possível. Por isso, o problema inicial já era ter que tomar uma decisão.  

Além disso, como você vai na frente, tecnicamente está em uma posição de maior vulnerabilidade por não saber o que os outros estão fazendo atrás. Quando alguém que vem depois resolve parar ou não, no caso de chuva, é difícil reagir no mesmo nível porque você já pega uma pista em situação distinta.

Colocada toda essa dificuldade para o ponteiro, ainda temos que lembrar que Norris é um piloto que está brigando por sua primeira vitória e a própria McLaren, apesar de ser uma equipe de muita tradição, também já não está mais acostumada com essa posição de pressão nas decisões como ponteira.

De forma fria, então, analisando os rádios e desenrolar dos fatos nas últimas sete voltas do GP da Rússia, é possível percebemos que faltou mais comunicação entre Norris e a McLaren, o que inclusive poderia embasar melhor a decisão do jovem inglês.

Ponto de vista de Norris contra o de Hamilton

Percebemos que tanto Norris como Hamilton, até o fechamento da volta 49 não queriam parar para troca de seus pneus de seco duros por compostos intermediários. A decisão de ambos estava sendo tomada baseada basicamente no que eles estavam sentindo da condição de pista e da força da chuva na viseira.

Só que na F1 atual, com todos os pilotos e equipes bastante conectados, é primordial ter uma visão mais global da situação. A chuva chegou pelo segundo setor do circuito de Sochi, a princípio, entre as curvas cinco e 10. Com a chuva mudando a situação de pista a cada segundo, quando você chega no final da volta, quando precisa decidir entre entrar no box ou não, a condição do asfalto já mudou em relação ao momento em que você passou por lá.

E ao conferir as conversas de rádio entre os dois pilotos e suas equipes, vemos uma diferença gritante do tipo de informação. Quando os líderes já estão na volta 48, alguns pilotos, ainda fechando o giro 47, resolveram entrar no pit para troca pneus. Neste momento, ainda temos competidores que estavam em posições intermediárias e fora da zona de pontos indo para os boxes, como George Russell, Valtteri Bottas e Kimi Raikkonen, que eram 13º, 14º e 15º, respectivamente. Eram os competidores que não tinham o que perder: se a tática desse errado, ficariam onde estavam, e se desse certo (como deu) ganhariam várias posições.

“A pista está bem escorregadia daqui a até a curva 10. Muitos carros estão saindo”, avisa Will Joseph, engenheiro de Norris. “Cala a boca!”, replica o piloto, em um claro momento de mostrar que precisava se concentrar na pilotagem. “O que você acha de irmos para os intermediários?”, pergunta Joseph, alguns segundos depois. “Não!”, exclamou o piloto do outro lado. As respostas ríspidas de Norris podem chamar a atenção, mas percebe que não existe muita informação e embasamento para as questões pelo lado da equipe.

A Mercedes, neste mesmo instante, chamou Hamilton para o pit, e o piloto apenas ignorou o chamado se mantendo na pista. A conversa, no entanto, é mais calma e informativa. Hamilton explica que está escorregadio, mas que sentia que a intensidade da chuva não iria molhar o bastante o asfalto até o final da prova.

Quando os dois estão na metade da volta, os pilotos que estavam dentro da zona de pontos atrás deles param também. Hamilton então recebe duas informações importantes: que seu concorrente ao título parou e que ele tinha atrás uma parada livre. Ou seja, ele poderia trocar os pneus que voltaria na mesma posição. O que poderia acontecer de pior era ficar na mesma segunda posição.  

“Verstappen parou para intermediários. Parece que Norris também deve parar. Temos uma vantagem livre [para parar e voltar na mesma posição]. Box. Box”, chamou Peter Bonnington, engenheiro do heptacampeão.

Hamilton então tenta argumentar dizendo que a chuva estava diminuindo. Ele recebe imediatamente a informação mais importante daquele momento. “Box, box. Confirmamos que tem mais chuva vindo”. O piloto da Mercedes então entra para o pit e faz a troca ao final da volta 49. Saindo do box, o inglês diz que sentia que a pista estava secando. “A informação é que tem chuva forte chegando”, explica o engenheiro.

Norris, abrindo a 50, recebe apenas a informação que Hamilton parou. “Sim, eu vi, eu vi. Nós nos comprometemos com os pneus slicks”, diz para o piloto para a equipe time. No meio da volta, Joseph ainda pergunta mais uma vez, sem dar muitas informações. “Só para confirmar, temos que ficar na pista. Você está satisfeito em ficar com esses pneus?”. Norris nem responde.

Neste momento, Hamilton já começa a receber informação da Mercedes que quando Norris parasse, ele voltaria cinco segundos atrás. E a cada curva, essa margem aumentava. E que se Norris seguisse na pista, “teria problemas”. O piloto da McLaren tenta ficar mais uma volta, ainda sem a informação sobre a chegada de uma chuva mais forte. Quando ele chega na curva quatro, onde a chuva já estava apertando, ele já não consegue se manter no traçado.

Hamilton tirou toda a diferença de uma parada em uma volta e cinco curvas. Assim, ele toma a ponta quando o adversário da McLaren na área de escape, mal conseguindo tracionar. Norris então se arrasta aos boxes, andando praticamente em segunda e terceira marcha pelo restante da volta.

Hamilton assume a ponta enquanto Norris (no canto esquerdo) passa reto na curva cinco de Sochi com pneus de seco (F1/Reprodução)

Perceba então que a principal diferença entre Norris e Hamilton não foi a sensibilidade de cada piloto, mas o nível de informação e firmeza do posicionamento da equipe pelo rádio. A culpa é só da McLaren então? Também não. Não vemos Norris em nenhum momento descrever muito o que ele está sentindo, ao contrário até mesmo de seu companheiro de equipe, Daniel Ricciardo, que tem diálogo parecido com o de Hamilton enquanto estava na pista. O australiano parou na volta 48 e terminou em quarto. Essa comunicação de duas mãos é importante também para o próprio time poder embasar melhor a decisão.

Verstappen: quem mais ganhou

O holandês tinha largado em último e vinha, quando a chuva começou a cair, em sétimo, sem muita chance de avançar. Ele tinha pneus médios já mais gastos contra o pelotão que tinha duros à frente e até perdia terreno em ritmo normal.

Durante a volta 47, ele já conversava com o time. “Como estão as condições?”, pergunta Gianpiero Lambiase, engenheiro de Verstappen. “Escorregadio, mas não tenho certeza se devemos parar”, responde o piloto. “Não, estou satisfeito”, completa alguns segundos depois.

Na volta 48, a comunicação continua, com Lambiase já percebendo a piora da condição e só esperando por uma abertura de Verstappen para chamá-lo. “Algumas pessoas estão parando por intermediários. O que você acha?”, pergunta no começo da volta. “A chuva piorou, Max?”, questiona mais uma vez, quando o holandês passa pelo trecho mais crítico.

Ele ganha a posição de Ricciardo e Sainz ainda na pista, quando os dois adversários escorregam para fora do traçado. “Tem gente saindo da pista. Não tenho certeza sobre o que fazer”, diz Verstappen, já entrando no setor final da pista. “Box!”, chama o engenheiro, imediatamente. Verstappen obedece, e sobe para terceiro quando Alonso e Pérez, que insistiram em permanecer na pista até a volta 50, param. Com o problema de Norris, ele sobe ainda para segundo, conseguindo um ótimo resultado.

Para efeito de comparação, pensando no campeonato, Hamilton subiu de segundo para primeiro com a chuva, somando assim sete pontos a mais. Verstappen subiu de sétimo para segundo, conquistando 12 pontos a mais do que parecia que ia conseguir antes da mudança da situação. Saldo mais do que positivo.

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