Pilotos que rejeitaram ordens de equipe na F1
Ordens de equipe que influenciam nos resultados das corridas são algo ao mesmo tempo natural na história da F1 e bastante detestado pelos fãs e, em muitos casos, pelos próprios pilotos.
Claro que alguns casos, como o do GP da Áustria de 2002, em que Rubens Barrichello cedeu a vitória para Michael Schumacher a pedido da Ferrari, ficam mais famosos. No entanto, a lista de provas que ficaram marcadas por este tipo de pedido dos times para que seus competidores cedessem uma posição ou não atacassem o companheiro de equipe é enorme.
E nas últimas décadas, com o acesso das mensagens de rádio entre pilotos e os times pela transmissão da televisão para todo o mundo, ficou quase impossível esconder as ordens de equipe, mesmo que elas aconteçam em forma de código.
E como vimos no GP da Hungria de 2024, em que Lando Norris relutou em ceder a liderança para o companheiro Oscar Piastri após a McLaren ter invertido a posição dos dois nos boxes por uma questão estratégica, os pilotos muitas vezes não aceitam bem as ordens de equipe e discutem longamente a decisão.
Em 2010, a FIA tentou evitar a prática ao colocar no artigo 39.1 do regulamento desportivo da F1 que “ordens de equipe que interfiram no resultado da corrida estão proibidas”. A frase da regra paracia ser bastante simples, direta, pouco interpretativa e difícil de ser discutida. Porém, na mesma temporada, descobriu-se que a questão era um pouco mais complexa de se julgar do que o imaginado.
Felipe Massa liderava o GP da Alemanha à frente de seu companheiro de Ferrari, Fernando Alonso, que tinha 21 pontos a mais no campeonato. Na volta 48 de um total de 67, o engenheiro do brasileiro, Rob Smedley, disse ao brasileiro pelo rádio “Fernando está mais rápido que você. Você pode confirmar que entendeu a mensagem?”.
A mensagem foi transmitida pela televisão ao público que assistia à prova. Não se sabe se Massa simplesmente não respondeu ou se seu retorno não foi colocado na transmissão. Na volta seguinte, Massa deu passagem a Alonso, que venceu a corrida.
Diante das reclamações dos rivais e até a abertura de uma investigação por parte da FIA, a Ferrari alegou na época que a mensagem enviada a Massa não era uma ordem, mas apenas uma informação para ele saber que Alonso estava mais rápido.
A Ferrari chegou a receber uma multa de U$ 100 mil, porém, nenhuma outra punição foi imposta sob o argumento que era impossível provar a ordem para troca de posições realmente tinha acontecido. Curiosamente, o presidente da FIA na época era Jean Todt, que anos antes trabalhava como chefe da Ferrari no caso do GP da Áustria de 2002. Alonso realmente brigou pelo título até a corrida final da temporada, mas acabou derrotado por Sebastian Vettel por quatro pontos.
Diante do caso, FIA e dirigentes em geral da F1 chegaram à conclusão que os times sempre teriam outras formas de driblar a regra e por isso decidiram retirar a proibição de ordens de equipe já para a temporada de 2011.
Ordens de equipe ignoradas por pilotos na F1
Normalmente, acredita-se que um piloto rejeitar ordens de equipe irá queimá-lo internamente na organização e até no mercado da F1. Mesmo assim, a lista de competidores que ignoraram completamente os pedidos dos times para alteração do resultado não é pequena.
Relembre alguns casos:
Ferrari: Luigi Musso, Peter Collins e Juan Manuel Fangio (GP da Itália de 1956)
Na última etapa da temporada de 56, a Ferrari tinha dois pilotos com chances de título. Fangio era o líder e Collins precisava de uma combinação de resultados mais inusitada. A luta era contra Stirling Moss, da Maserati.
No meio da prova, o carro de Fangio sofreu uma quebra no eixo da direção. Na época, o regulamento permitia que um piloto assumisse o carro de um companheiro e eles dividiriam os pontos conquistados no final da corrida.
Durante um pit stop, a Ferrari ordenou que seu outro piloto, Luigi Musso, cedesse seu carro para Fangio voltar à competição ainda com chance de conquistar o título. O italiano, no entanto, se recusou a deixar o cockpit e seguiu em frente.
Pouco depois, ao fazer a sua parada para reabastecimento, Collins percebeu a confusão e discussão nos boxes e um desolado Fangio no canto. Ele então desceu de seu carro de forma voluntária e, sem ninguém pedir, chamou o argentino para assumir seu carro.
Fangio conseguiu conduzir a Ferrari ao segundo lugar da prova e conquistar o título de 1956, o quarto de sua carreira na F1. Já contamos essa história com mais detalhes aqui no Projeto Motor.
Williams: Carlos Reutemann e Alan Jones (GP do Brasil de 1982)
Após uma campanha frustrante pela Lotus em 79, Reutemann teve de aceitar um contrato de segundo piloto da Williams para não ficar a pé no ano seguinte. No documento constava que ele deveria, prioritariamente, ajudar Jones a ser campeão do mundo, o que significava ceder posição ao colega quando solicitado.
Tal medida não chegou a ser necessária durante 1980, mas o fato é que todas as atenções estavam voltadas a fazer de Jones o primeiro campeão F1 pela Williams. Só que para o argentino, não fazia muito sentido seguir com esse acordo para a temporada seguinte.
Logo na segunda etapa de 1981, em Jacarepaguá, Reutemann liderava a prova à frente de Jones quando a equipe Williams lhe mostrou a placa com “Jones-Reut”, indicando o pedido para a troca de posições. Considerando ser apenas o começo do campeonato, o argentino ignorou a ordem e venceu a corrida.
A ação de Reutemann acabou levando a Williams, que tinha o melhor carro do ano, para uma guerra civil. E mesmo quando o argentino se destacou como único piloto com chances de conquistar o título, nunca obteve ajuda de Jones.
O resultado é que Nelson Piquet, de Brabham, se aproveitou da situação para conquistar o título por um ponto contra Reutemann. Depois da corrida derradeira, o argentino tentou fazer as pazes com Jones, que tinha anunciado sua aposentadoria, mas não foi bem recebido. “Que tal enterrarmos o passado, Alan?”, perguntou. “Enterrar o passado? Só se for no seu rabo, camarada”, recebeu como resposta.
Ferrari: Didier Pironi e Gilles Villeneuve (GP de San Marino de 1982)
Em uma corrida que só teve a participação de 14 carros por conta do boicote das equipes inglesas contra a FISA, e a quebra dos dois carros da Renault, que tinham vencido duas das três primeiras corridas da temporada, as Ferrari passaram a dominar o GP de San Marino de 1982.
Pironi e Villeneuve lutaram pela ponta por diversas voltas até que veio a ordem dos boxes para que eles mantivessem as posições com o canadense à frente nas voltas finais. O piloto francês, no entanto, ignorou o pedido vindo dos pits e atacou de forma contundente o companheiro.
Os quilômetros finais do GP foram de uma briga duríssima entre os dois até que Pironi recebesse a bandeira quadriculada à frente. Villeneuve não escondeu sua insatisfação com a postura do parceiro.
Na corrida seguinte, no circuito de Zolder, na Bélgica, Villeneuve sofreria um acidente fatal durante os treinos classificatórios. Para pessoas próximas e que estavam no autódromo, ele ainda não tinha digerido a situação de Imola e forçava sua Ferrari ao limite para tentar superar o tempo de Pironi.
Renault: René Arnoux e Alain Prost (GP da França de 1982)
O campeonato de 1982 era um dos mais acirrados da história e quando a F1 chegou ao GP da França, 11ª das 16 etapas do Mundial, pelo menos sete pilotos tinham boas chances de título. Dentro da Renault, Prost era o melhor colocado com 19 pontos, 16 atrás do líder Pironi. Arnoux, por outro lado, estava distante, com apenas quatro pontos.
Arnoux largou na pole e depois de uma briga inicial com Nelson Piquet e Riccardo Patrese, viu os dois pilotos da Brabham abandonarem e assumiu de vez a liderança da corrida na 24ª das 54 voltas da corrida.
Ele tinha naquele momento 9s7 de vantagem para Prost, segundo. Foi quando o pitwall da equipe mostrou a placa para seus pilotos “1- Alain 2 – Rene”. Arnoux não só ignorou solenemente o pedido como seguiu acelerando na ponta e chegou a abrir 23s de margem na 43ª volta.
Arnoux venceu a corrida com um frustrado companheiro de equipe em segundo. As ordens de equipe ignoradas, no entanto, não fizeram muita diferença, pois Prost terminaria o campeonato na quarta posição a 10 pontos do campeão, Keke Rosberg.
McLaren: Ayrton Senna e Alain Prost (GP de San Marino de 1989)
Desde 1988, Senna e Prost tinham o melhor carro da F1 e massacravam a concorrência. Na primeira temporada da parceria, a dupla venceu 15 das 16 etapas do campeonato com seu modelo MP4-4, do qual já contamos detalhes aqui no Projeto Motor.
Mesmo com a mudança de regulamento de motores, a McLaren seguiu dominante em 89. E a visão era de que a única chance de eles perderem as corridas era algum problema nas voltas iniciais. Isso aconteceu quando Senna se envolveu em um acidente logo na largada do GP do Brasil e abandonou a corrida.
Por isso, ao chegarem a Imola para a segunda etapa, o próprio brasileiro propôs a Prost e à equipe um acordo em que após a largada, caso a dupla estivesse na frente, o piloto em segundo não atacaria o líder até a terceira curva, a Tosa.
Senna largou na pole e manteve a ponta, com Prost em segundo evitando um ataque e segurando a Ferrari de Nigel Mansell atrás. Só que na quarta volta, um acidente de Gerhard Berger causou a interrupção da corrida com bandeira vermelha.
Na relargada, Prost desta vez saiu melhor e tomou a ponta do brasileiro. Só que Senna não pensou duas vezes ao partir para cima do adversário e retomar a liderança justamente na forte freada da Tosa.
O francês viu a ação como um descumprimento do acordo de não ataque após largadas. Senna alegou que entendia que a ordem valia apenas para a primeira volta da corrida e não uma relargada. Ron Dennis, chefe da McLaren, chegou a intervir na discussão a reprimiu o brasileiro pelo descumprimento do acordo.
De qualquer maneira, a partir deste momento, a relação de Senna e Prost nunca mais se normalizou e o caso se tornou famoso como a faísca que iniciaria uma das mais maiores rivalidades da história da F1.
Red Bull: Sebastian Vettel e Mark Webber (GP da Malásia de 2013)
A Red Bull já vinha de três títulos com Vettel e era favorita novamente na temporada em 2013. A segunda etapa do campeonato, na Malásia, começou com chuva e o alemão largou na frente, com Webber em segundo.
Só que o australiano soube escolher melhor o momento de trocar os pneus de chuva pelos de seco e assumiu a ponta da corrida na nona volta. Mesmo com a briga entre os dois pilotos liberada pela equipe, Webber seguiu na ponta e chegou ao último trecho após as todas as paradas de troca de pneus na frente.
Foi apenas neste momento em que, para garantir que os pilotos não sofressem um acidente, a Red Bull enviou pelo rádio a mensagem “Multi Map 21” que significava que o carro de número 2, de Webber, deveria seguir à frente do número 1, de Vettel.
Achando então que não teria mais problemas até o final da corrida, Webber diminuiu o regime de seu motor e passou a economizar pneus. Só que Vettel ignorou a ordem. O alemão partiu para cima do companheiro, que em um primeiro momento conseguiu se manter à frente.
A Red Bull insistiu pelo rádio, mas o alemão mais uma vez rejeitou as ordens de equipe e atacou de novo Webber até conseguir a ultrapassagem. Ele então venceu a corrida e ouviu reclamações de Webber na sala pré-pódio e nas entrevistas pós-corrida.
Após um constrangimento inicial, a Red Bull resolveu ignorar a desobediência. No final da temporada, Vettel foi mais uma vez campeão mundial e Webber encerrou sua carreira na F1.
Mercedes: Lewis Hamilton e Nico Rosberg (GP de Abu Dhabi de 2016)
Após conquistar dois títulos pela Mercedes, Hamilton chegou à última etapa do campeonato de 2016 pela primeira vez em desvantagem em relação ao companheiro de equipe, Rosberg.
A única chance do britânico vencer mais uma vez o campeonato era vencer a corrida e torcer para o companheiro chegar no máximo em quarto, o que era improvável devido a grande vantagem que os carros do time alemão tinham em relação aos concorrentes.
Hamilton então apostou em uma estratégia bastante arriscada. Ao largar na pole e assumir a ponta desde a primeira volta, ele mantinha um ritmo lento nos trechos mais sinuosos do circuito de Abu Dhabi para conseguir manter Rosberg, em segundo, dentro da mira dos adversários que vinham atrás.
A Mercedes, com receio de um acidente ou perder a vitória, pediu por mais de uma vez para que Hamilton aumentasse seu ritmo. O britânico sequer escondia seu objetivo, no entanto, dizendo no rádio que naquela situação, ele perderia o título, então, precisava fazer algo diferente e ignorar as ordens de equipe.
Hamilton realmente conseguiu colocar Rosberg sob risco em alguns momentos, mas o alemão conseguiu terminar em segundo, 0s4 atrás do companheiro, porém, apenas 0s4 à frente do terceiro colocado, Sebastian Vettel, da Ferrari, e a 1s2 do quarto, Max Verstappen, da Red Bull.
Red Bull: Max Verstappen e Sergio Pérez (GP de São Paulo de 2022)
Com Verstappen já coroado campeão por antecipação do Mundial de 2022, a Red Bull tinha o interesse de fazer seu outro piloto, Sergio Pérez, terminar a temporada como vice para sacramentar um total domínio na F1.
O mexicano realmente chegou em segundo na classificação geral à penúltima etapa do campeonato, em Interlagos, mas ainda brigando de forma acirrada com Charles Leclerc, da Ferrari.
Pérez se manteve entre os primeiros durante a maior parte da corrida enquanto Verstappen chegou a cair para 17º após um toque Hamilton. No trecho final da prova, no entanto, os dois estavam próximos novamente e o holandês, com mais ritmo, ultrapassou o companheiro pela sexta posição.
A princípio, foi informado pelo rádio que Verstappen tentaria ultrapassar Alonso e Leclerc, que estavam à frente. Mas nas últimas voltas, após não conseguir partir para cima dos adversários, Verstappen recebeu o pedido da Red Bull para ceder a posição de volta a Pérez por conta dos pontos no campeonato.
Verstappen ignorou as ordens de equipe. Ao receber a bandeira quadriculada à frente de Pérez, foi questionado por seu engenheiro, Gianpiero Lambiase, sobre o que tinha acontecido. A resposta foi bastante dura: “Eu já disse na última vez, não peçam isso de novo para mim, ok? Estamos claros sobre isso? Eu já dei meus motivos e vou mantê-los.”
A Red Bull resolveu então lidar com a situação de forma interna e relatos apontavam para uma frustação de Verstappen por conta de uma suposta manobra de Pérez no GP de Mônaco, em que ele teria rodado de propósito na classificação para evitar perder a pole para o companheiro. A relação entre os dois, que sempre foi cordial, nitidamente esfriou bastante após os eventos.
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