Peter Collins: playboy que abdicou de título pelo tetra de Fangio
No início dos anos 50, a recém-criada F3 Inglesa era a principal fonte de talentos do automobilismo europeu. Barata, alinhando carros alimentados com motores de 500cc, a categoria exportou para a Europa continental nomes como Mike Hawthorn, Tony Brooks e Stirling Moss, a estrela da companhia. No entanto, o primeiro a topar com uma real chance de vencer o campeonato mundial foi um egresso das Midlands Ocidentais. Seu nome: Peter John Collins.
Bem nascido, filho de um proprietário de garagens, Collins pereceu em seus primeiros anos de F1 graças à inépcia do Reino Unido em produzir bons carros – defendeu a HWM em 1952 e 53, a Vanwall em 1954 e a BRM em 55. Uma primorosa atuação na Targa Florio de 1955, porém, chamou a atenção do Commendatore Enzo Ferrari. Assim, no ano seguinte, o galã britânico assinaria com Maranello para disputar a temporada de F1, sua primeira com um carro realmente competitivo.
No ano de estreia, Collins estava ciente de que as chances de brilho eram ínfimas. Além dos locais Luigi Musso e Eugenio Castellotti, a Ferrari tinha em seu elenco Juan Manuel Fangio, considerado por muitos o melhor piloto da história do automobilismo.
Só que o argentino estava desapontado com o novo time. Acostumado ao tratamento reverencial que recebia na Mercedes, El Chueco se desentendeu com Ferrari após uma desastrosa atuação na Mille Miglia em que seu habitáculo foi inundado com água de chuva. Quarto na classificação final, Fangio passou a suspeitar de sabotagem para favorecer os ases italianos.
Collins, por sua vez, se mostrava radiante. Ganhara a confiança de Ferrari graças às semelhanças que guardava com Dino, filho mais novo do Il Drake e portador de rara doença muscular. Por conta disso, quando Dino morreu em junho de 56, o devastado Ferrari decidiu adotar Collins como seu protegido.
Paulatinamente, “Pete” também começou a ganhar espaço nas pistas. Rápido, consistente e sempre disposto a receber instruções, o inglês de 24 anos chegou em segundo no GP de Mônaco e venceu o Giro da Sicília. Pouco depois, triunfou nos GPs da Bélgica e França – este último, dois dias após a morte de Dino –, assumindo a liderança do campeonato de F1.
Ao mesmo tempo, no outro lado da garagem, o empresário de Fangio insistia para que o argentino recebesse um mecânico especial para o restante da temporada. O desempenho do Maestro era aquém do esperado: cinco GPs concluídos e 13 pontos no campeonato, seis atrás de Collins e um de Jean Behra, da Maserati. Ferrari atendeu o pedido.
Vitórias em Silverstone e Nurburgring, onde Collins sofreu um vazamento de óleo a quatro voltas do fim, recolocaram Fangio no topo da tabela. À altura da rodada decisiva em Monza, o argentino acumulara 30 pontos contra 22 do britânico. Assim, o que ele precisava na Itália era apenas fazer sua parte: vencer a corrida e torcer para um infortúnio no equipamento de Fangio.
No dia 2 de setembro de 1956, o Maestro largou na pole position, seguido de Castellotti, Musso e o veterano Piero Taruffi, em rara aparição pela Vanwall. Collins, 3s mais lento que seu rival, alinhou num melancólico sétimo posto. Mas suas chances ainda estavam vivas. Principalmente quando o carro de Fangio estacionou na 18ª volta com a coluna da direção danificada.
A partir daí, a disputa ganhou contornos dramáticos. Ocupando a terceira posição, Collins não estava na posição para vencer o campeonato, mas sabia que a D50 estava suficientemente inteira para desafiar Musso e o líder Moss. Era a oportunidade da sua vida.
Até que Pete parou para reabastecer. Em meio a uma garagem repleta de acusações e censuras, acenou para Fangio e prontificou-se a descer sem hesitação da Ferrari #26. O Maestro, lutando para ser campeão, assumiria seu lugar. Na época, não era uma manobra estranha. A inscrição de um piloto em mais de um bólido era comum e, dependendo da estratégia, os ases podiam trocar de equipamento.
Mesmo assim, a generosidade de Collins foi incalculável. Sim, a chance do britânico ser campeão era indubitavelmente pequena, mas ainda muito factível. Se Moss quebrasse, Pete trocaria de posição com Musso e confirmaria o título. Mas, por vontade própria, não quis assim. Fangio, que no fim da temporada voltou para a Maserati, garantiu seu quarto troféu anual na F1 e o terceiro consecutivo.
Collins caiu no descrédito com o Comendador. No ano seguinte, casou-se com a atriz americana Louise King – “uma divorciada”, como pejorativamente Ferrari se referia – e passou a viver num iate em Monte Carlo.
Enzo, que normalmente se deliciava com os casos amorosos de seus pilotos, passou a pormenorizar o ás favorito como playboy e desprendido. O ápice se deu nas 24 Horas de Le Mans de 1958, quando Collins, negando-se a pilotar na chuva, danificou deliberadamente a embreagem de seu protótipo. Não fosse o bastante, foi pego se embebedando num pub de Londres antes do fim da corrida. Bastou essa cena para Ferrari. O inglês estava demitido.
Dias depois, Enzo se solidarizou e concordou em ceder um carro de F2 para Collins disputar o GP da França. Mas Hawthorn, líder do campeonato e amigo próximo do britânico, enxergou o episódio como uma tentativa de humilhação e exigiu que fosse dado um equipamento de F1 ao conterrâneo. Não funcionou: Collins cruzou em quinto, mesmo com um carro da classe, 5min atrás do futuro campeão.
Quinze dias depois, a maré melhorou e o filho pródigo de Maranello venceu o GP da Inglaterra com uma pilotagem exemplar. Ma foi seu canto do cisne. Enquanto tentava recuperar a liderança em Nurburgring, Collins perdeu o controle da 246 na seção da Pflanzgarten. Seu corpo foi arremessado contra uma árvore. Morreu aos 26 anos.
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