Pneus são um assunto de constante polêmica na F1
(Foto: Glenn Dunbar / LAT Images / Pirelli)

Entenda a mais nova polêmica de pneus da F1 entre Pirelli e equipes

Os estouros de pneus de Max Verstappen e Lance Stroll no GP do Azeibaijão geraram talvez ainda mais consequências e suspeitas dentro do paddock da F1 do que poderia se imaginar. A princípio, a Pirelli desconfiou de que detritos poderiam ter causado os problemas. Mas um relatório emitido pela empresa dias antes do GP da França mostrou outros motivos.

A Pirelli realizou uma investigação em sua sede em Milão e apontou que as falhas não foram consequência de defeito de fabricação, desgaste ou delaminação da banda de rodagem, mas sim uma ruptura do anel da parte lateral do pneu. Isso fez com que o pneu descolasse da roda e assim perdesse de forma repentina pressão.

Ok. Mas se não foi um problema no produto nem detrito, como isso aconteceu? A Pirelli, em seu comunicado, tomou muito cuidado para não acusar ninguém. “Pode estar relacionado às condições de corrida do pneu, apesar dos parâmetros prescritos para a largada (pressão mínima e temperatura do cobertor) terem sido seguidos”, apontou a fornecedora.

É preciso entender aqui que a cada etapa, dependendo da característica da pista e tipo de compostos (são cinco níveis diferentes, do mais duro ao mais macio, e três deles são escolhidos para cada GP), a Pirelli faz três indicações que as equipes obrigatoriamente precisam seguir. Elas são de pressão mínima (em Baku era de 20 PSI para os dianteiros e 19 PSI para os traseiros), temperatura dos cobertores de aquecimento e a cambagem negativa máxima (no Azerbaijão, de -3,5° para os dianteiros e -2° para os traseiros).

Verstappen se revolta com pneu estourado no GP do Azerbaijão (Imagem: F1/Reprodução)

A Pirelli declarou que Red Bull e Aston Martin estavam dentro desses requisitos. Só que no mesmo dia em que a empresa publicou seu estudo e avisou que já o tinha enviado para a FIA, a entidade também mandou para as equipes uma nova diretiva técnica sobre mudanças na forma de monitoramento da pressão dos pneus. Ou seja, ficou a impressão para quase todos (e por isso, inclusive, Red Bull e Max Verstappen reagiram de forma bastante dura) de que Pirelli e FIA desconfiam que as equipes que tiveram problemas na verdade estavam dando algum jeito de burlar as inspeções para usarem os pneus com pressão menor do que a requisitada. Instalou-se a polêmica.

A pressão dos pneus e o monitoramento da Pirelli

Desde que a F1 adotou o formato de fornecedora única de pneus, em 2007, a empresa que fabrica os compostos da categoria não se preocupa apenas com desempenho, mas também em propiciar corridas com possibilidades diferentes de estratégia, seguindo pedidos da FIA, F1 e equipes.

Neste período, a Bridgestone foi a primeira a fornecer compostos neste modelo e depois, a partir de 2010, a Pirelli assumiu. Desta forma, sem a necessidade de melhor desempenho absoluto em uma competição entre fabricantes, busca-se uma fórmula em que se tem desgaste que exija pit stops, tipos de pneus que proporcionem nível de desgaste e desempenho diferentes, ao mesmo tempo que se mantenha uma performance boa o bastante para que pilotos possam chegar próximos do limite de seus carros.

Só que depois de problemas nos primeiros anos, a Pirelli resolveu começar a exigir que os times seguissem certos parâmetros, explicados mais acima, para que ela tivesse conforto técnico para ir atrás desses objetivos. Por isso, ela indica a pressão mínima a cada GP. Este dado é coletado quando os pneus estão nos cobertores de aquecimento, pouco antes de serem colocados nos carros.

A desconfiança é que algumas equipes tenham encontrado formas de driblar esse monitoramento. Ou seja, até estão dentro da pressão no momento em que ela está sendo checada, mas depois brincam com artifícios técnicos para mudá-la. Isso pode ser feito de algumas formas. Há alguns anos, foi descoberto que as equipes estavam esquentando os pneus com os cobertores para temperaturas bastante elevadas. Esse calor faz com que o ar dentro do pneu expanda e ele chegue a pressão mínima exigida pela Pirelli. Quando ele vai para o carro, volta para a temperatura “normal” de calor prevista pelo time, abaixo do que estava no cobertor, e assim, a pressão também cai. Por isso, Pirelli e FIA passaram também a monitorar a temperatura dos cobertores.

Só que os times então começaram a fazer algo diferente. Mesmo com a temperatura do cobertor pré-determinada, eles começaram deixar os pneus com o equipamento por períodos bastante longos, muito antes das sessões. Desta forma, quando a checagem é feita, a pressão está mais alta. Quando vão para os carros, a temperatura baixa e a pressão cai para baixo dos parâmetros. Na nova diretiva técnica, a FIA deixou claro que a partir do GP da França, as equipes só poderão usar os cobertores por um tempo determinado e nos jogos que irão imediatamente depois para os carros.

Só que algumas equipes estariam agora tirando os pneus dos cobertores antes do tempo padrão em que eles vão para os carros. Assim, a pressão cai drasticamente antes deles serem colocados nos monopostos. É curioso pensar que o pneu frio pode ser mais vantagem do que aquecido, mas principalmente nas primeiras voltas (como no caso da classificação), encontrar o comprometimento certo de uma temperatura mínima ideal com uma pressão um pouco mais baixa pode dar alguma vantagem.

Verstappen com os pneus em cobertores de aquecimento ao fundo, no box da Red Bull
Verstappen com os pneus em cobertores de aquecimento ao fundo, no box da Red Bull (Foto: Mark Thompson/Getty Images/Red Bull Content)

Durante o último GP de Mônaco, Lewis Hamilton, muito provavelmente informado pela Mercedes e com a ideia de chamar a atenção para questão, chegou a apontar em entrevistas que a Red Bull tinha feito essa manobra na etapa anterior, na Espanha. A partir de Paul Ricard, as equipes só poderão retirar os cobertores quando os pneus forem ser colocados nos carros.

E ainda tem gente que poderia também estar usando gases diferentes para inflar os pneus e que se comportam de forma distinta do ar na variação de temperatura. Assim, a pressão também seria diferente. A prática está proibida. A FIA anunciou que a pressão dos pneus passará a ser checada também depois do uso quando eles já estiverem frios.

Por que andar com pressão menor

Teoricamente, um pneu com um pouco menos de pressão gera mais aderência mecânica. É preciso, no entanto, entender, como muitas das questões técnicas envolvendo esses carros extremamente sensíveis da F1, que existe uma “janela” ideal e um compromisso com temperatura. A questão não é andar com a menor pressão possível. Existe um mínimo que as equipes acreditam que podem ganhar desempenho. Abaixo, pode ser prejudicial. Sem contar, perigoso.

Se os engenheiros chegarem à conclusão que a pressão ideal é de 16 PSI [usando aqui um número totalmente hipotético], mesmo que a Pirelli baixe sua exigência para 13 PSI, os times vão querer usar os 16. A questão é que no momento, a Pirelli está pedindo 20 PSI e as equipes estariam buscando formas de driblar o monitoramento para chegar nos [hipotéticos] 16.

Qual o problema disso? O pneu com menos pressão “agarra” mais no chão porque teoricamente uma parte maior da banda de rodagem entra em contato direto com o asfalto. Ao mesmo tempo, isso também distorce mais o pneu, principalmente na sua parede lateral. Assim, essa parte do equipamento acaba sofrendo mais estresse, o que pode resultar em estouros. É o que a Pirelli espera prevenir.

O que acontece agora e a “briga” da Pirelli com a Red Bull

O maior problema nessa discussão é que dentro do que é possível ser monitorado, Red Bull e Aston Martin, os times que sofreram estouros em Baku, estavam dentro dos parâmetros exigidos pela Pirelli. E isso está sendo utilizado não só como defesa, mas acusação por parte das equipes. A Red Bull, por exemplo, usa essa argumento para indicar que talvez os parâmetros da Pirelli que não eram os ideais.

Os pneus sempre foram uma parte sensível para desempenho dos carros de competição, seja qual for a categoria, a ainda mais na F1
Os pneus sempre foram uma parte sensível para desempenho dos carros de competição, seja qual for a categoria, a ainda mais na F1 (Foto: Peter Fox/Getty Images/Red Bull Content)

“Eles não podem nos culpar. Eles precisam olhar para o que estão fazendo e ficamos contentes em ajudar, claro, com tudo”, explamou Verstappen, em coletiva em Paul Ricard. “Eles já começaram a fazer isso com a pressão de sexta para sábado. Então, isso significa que talvez não era o suficiente”, continuou.

A Pirelli, pelo menos publicamente, continua cheia de dedos e evitando elevar o tom. Inclusive assumindo que a as equipes teoricamente não fizeram nada de errado e que as condições em que elas estavam correndo apenas ficaram fora da simulação que a empresa tinha feito para o Baku, o que pode ter resultado em uma pressão menor e estresse maior dos pneus durante o período em que os carros estavam na pista.

“Presumimos que eles estariam correndo com uma certa pressão e uma certa cambagem. E com uma margem, claro, correríamos em uma condição satisfatória para o pneu”, indicou Mario Isola, diretor esportivo da Pirelli, em coletiva em Paul Ricard. “Neste caso, não alcançamos essas condições, não porque as equipes fizeram algo contra as regras, mas porque eles estavam buscando mais desempenho, como de costume. E isso criou um cenário diferente do que estávamos esperando. E esse cenário diferente foi o principal fator para que os pneus andassem com uma pressão menor do que a esperada”, seguiu.

Vê-se que o dirigente da Pirelli diz que os carros de Verstappen e Stroll estavam com pneus abaixo da pressão mínima, mas como isso aconteceu, ele não sabe dizer. Ou seja, as equipes não descumpriram a regra, que prevê apenas o parâmetro antes do pneu ser colocado no carro. Agora, FIA e Pirelli querem monitorar em outros momentos para diminuir a margem de manobra das equipes.

De qualquer forma, polêmica sobre pneus na F1 não é algo novo. Sempre aconteceu, mesma na época em que se tinha dois fornecedores. Nos últimos anos, com a Pirelli, isso não foi diferente. É importante ressaltar que a empresa lida com uma situação em que utiliza os mesmos compostos desde 2019, apenas com um reforço de estrutura, enquanto os carros seguiram evoluindo.

Isso aconteceu porque a versão de 2020 do produto foi rejeitada pelas equipes e para 21, a companhia se disse limitada em desenvolvimento pela pandemia, além do fato da necessidade de foco maior no pneu de 2022, que além de equipar modelos totalmente diferentes dos atuais por conta da enorme mudança de regulamento da F1, ainda sofrerão um mudança radical com a adoção das rodas maiores, de aro 18 polegadas. O próprio ajuste da regra de 2021 no desenho de assoalho, se deu para diminuir o estresse nos pneus.

Sendo assim, difícil não imaginar que a polêmica atual certamente deve ser apenas mais um capítulo da saga dos pneus na F1, que, de tempos em tempos, deve retornar.

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