Austin viu mais uma dura briga de estratégias entre Red Bull e Mercedes
(Foto: Jared C. Tilton/Getty Images/Red Bull Content)

Jogo tático: as decisões de Red Bull e Mercedes pela vitória em Austin

Quando se tem o melhor carro, é difícil ser batido na F1. Mas quando o desempenho é apertado, como aconteceu entre Mercedes e Red Bull no GP dos EUA do último domingo, não cometer erros na estratégia é essencial.

Na repercussão depois de uma prova deste estilo, é normal todo mundo ficar procurando onde o perdedor errou e onde o vitorioso foi mais assertivo. Mas dentro no cenário geral que se tinha desde a largada, é possível dizer que as duas equipes e seus pilotos, Max Verstappen e Lewis Hamilton, fizeram quase tudo que estava dentro do alcance.

O resultado com o holandês na frente por apenas 1s3 acabou sendo mais pela circunstância de como a história se desenrolou. Claro que o triunfo dependeu de decisões acertadíssimas da Red Bull e uma pilotagem absurdamente calculada e precisa de Verstappen, mas difícil encontrar também algum ponto em que a Mercedes e Hamilton possam ter falhado.

E para entender todo esse horizonte, precisamos entender o contexto em que os adversários estavam e dividir a corrida em vários capítulos.

Os carros de Red Bull e Mercedes em Austin

Antes de entrarmos na corrida em si, é preciso entendermos como Red Bull e Mercedes estavam posicionadas para a prova. Muito se discutiu na semana anterior à etapa qual time se encaixava melhor com o seletivo traçado texano.

A análise dos treinos livres ficou bastante comprometida por conta de diversas questões. A Mercedes surgiu um pouco destruidora na primeira sessão, mas logo se desconfiou que a equipe entrou com um acerto mais agressivo do que o usual para abertura do final de semana em termos de potência de motores e de chassi. Ainda na sexta-feira, já se viu um equilíbrio maior a partir do segundo treino, que terminou com Sérgio Pérez à frente, com margem de 0s3 para a melhor Mercedes, de Hamilton.

O que mais atrapalhou a leitura das práticas, no entanto, foi o tráfego intenso, que atrapalhou os pilotos em momentos de volta rápida, e a questão dos limites de pista, que fez com que tempos fossem deletados.

De qualquer maneira, foi possível perceber alguns fatores. A Red Bull continua com um carro muito bem acertado para curvas de média e alta, muito por conta de seu rake alto. Como já explicamos no Projeto Motor, esse tipo de acerto contribui para a pressão aerodinâmica, principalmente em velocidades maiores. Especificamente em 2021, a Mercedes também tem sofrido um pouco mais neste tipo de curva, por conta de mudanças no regulamento em uma temporada em que as modificações dos carros ficaram limitadas pelo sistema de tokens de desenvolvimento.

Por outro lado, a Mercedes apresentou uma enorme vantagem nas retas. Grande mesmo. Em geral, a equipe já tinha um carro melhor neste quesito desde o GP da Grã-Bretanha, com destaque para a etapa da Turquia, mas em Austin chamou a atenção de todos imagens que mostram o possível segredo do time. Ao contrário do que muitos pensavam, inclusive dirigentes da Red Bull, o ganho de velocidade nas retas da equipe alemã estaria ligado a uma solução mecânica de suspensão, e não a novidades no motor.

De forma bastante simplista, a equipe conseguiu encontrar uma configuração de geometria e acerto de sua suspensão. Quando o carro entra nas retas, a traseira abaixa. Isso acontece porque a mola central do sistema – que trabalha de forma horizontal e faz o equilíbrio de forças a suspensão direita e esquerda – contrai dos dois lados quando o carro está em alta velocidade e em linha reta. Isso acontece porque, em teoria, ela não está sendo forçada por nenhum dos dois lados do sistema. Mas fazer isso de forma coordenada não é nada fácil, e parece que a Mercedes encontrou um ponto ideal em termos de desenho e outras características do sistema que produz o efeito desejado.

Quando a traseira do carro abaixa na reta, o difusor fica mais próximo do chão, o que diminui a passagem de ar e assim, a pressão que o fluxo causa. Esse efeito de estolar a peça aerodinâmica faz com que o carro carregue naquele momento menos arrasto aerodinâmico e, assim, consiga passar pela barreira de ar de uma forma como se ela não estivesse ali. Ou seja, é como se você tivesse o difusor para ganhar pressão aerodinâmica nas curvas, mas o tirasse quando entra nas retas para não ter o arrasto e assim andar mais rápido. Quando o carro começa a desacelerar antes de entrar na próxima curva, a traseira volta a subir e o difusor começar a influenciar de novo na aerodinâmica.

Além da vantagem de ganhar velocidade de reta, você ainda ganha uma margem para usar um pouco mais de asa traseira para melhor o desempenho nas curvas, já que está carregando menos arrasto. A questão é encontrar o acerto correto para esse movimento acontecer nas retas, mas não sofrer com o efeito nas curvas de alta. E esse é o problema.

Com seu carro mais equilibrado naturalmente em curvas de média e alta, a Red Bull tinha uma vantagem considerável no primeiro e segundo setores de Austin, onde estão as sequências deste tipo. A Mercedes, por outro lado, batia a rival no trecho intermediário da volta, onde fica a grande reta oposta. Essa troca é possível ver nos tempos na volta de classificação.

Importante destacar é que o funcionamento da suspensão do time alemão não é exatamente uma grande novidade, e pode ser visto também nos modelos da Ferrari e Alpine, porém, não com um resultado tão gritante. A Red Bull não tem condições de imitar a solução por conta de seu rake muito alto, o que praticamente inviabiliza a traseira abaixar o bastante para conseguir ter o mesmo efeito.

E isso é legal? Você pode estar lembrando que o regulamento da F1 não permite peças que se movimentem no carro para efeitos aerodinâmicos. Porém, o que a Mercedes está fazendo é puramente um ajuste de suspensão, e não um sistema especificamente produzido para movimentar peças. Por isso, assim como o DAS em 2020, ele está dentro das regras.

Parte 1: Red Bull vai para o undercut

Bem, vamos agora focar especificamente na corrida. A largada foi essencial para Hamilton. Com ele e Verstappen em condições iguais, ele sabia que tinha a tendência de perder terreno nas primeiras voltas se estivesse atrás e assim, teria poucas chances de brigar pela vitória.

O inglês conseguiu um belo arranque e tomou a ponta do piloto da Red Bull na primeira curva. Depois, mesmo com Verstappen colado atrás, Hamilton aproveitou bem sua vantagem de velocidade nas retas para se manter à frente, mesmo sendo bem mais lento nas curvas.

Com um belo pulo na largada, Hamilton, Mercedes, tomou a ponta na primeira curva à frente de Verstappen, da Red Bull
Com um belo pulo na largada, Hamilton tomou a ponta na primeira curva do GP dos EUA (Foto: Jiri Krenek/Mercedes)

A Red Bull, então, começou a jogar a partida do lado tático. Ela percebeu que o cenário era que Verstappen não tinha velocidade pura o bastante para fazer a ultrapassagem na pista. E mais: enquanto o holandês gastava seus compostos andando no ar sujo atrás de Hamilton, o inglês estava claramente economizando pneus para tentar impor um ritmo mais forte nas voltas antes da parada, o que poderia significar uma vantagem para evitar o undercut.

Desta forma, a Red Bull resolveu antecipar de forma considerável e bastante agressiva o primeiro pit stop de Verstappen. Ele entrou no box na volta 10 para trocar seus pneus médios por duros novos. Para se ter ideia, esse era o início da janela prevista pela Pirelli para troca dos compostos macios, como pudemos ver Yuki Tsunoda, em um carro menos equilibrado, fazer quando parou na volta nove. Carlos Sainz, que também saiu com macios em sua Ferrari, conseguiu levar seus compostos até a 11ª passagem.

Muita gente questionou depois o motivo da Mercedes não ter parado Hamilton imediatamente depois de Verstappen. E a resposta é simples: não faria diferença porque ele já tinha perdido a posição. No momento em que holandês entrou no box, ele estava 0s8 atrás do heptacampeão. Mesmo saindo logo atrás de Daniel Ricciardo, Verstappen compensou o pouco tempo que perdeu atrás do australiano abrindo a asa para ultrapassar a McLaren na reta oposta e cravou o melhor segundo setor da prova até aquele instante ainda na volta de saída do box. Ele marcou 40s073 no trecho, exatamente 0s9 melhor do que Hamilton fez naquele momento. Verstappen ainda repetiu a dose no terceiro setor com 32s375, agora 1s melhor que o inglês.

Ou seja, a posição de pista já era de Verstappen antes de Hamilton chegar à entrada do pit. A Mercedes, então, tomou a decisão de continuar o jogo de xadrez para simplesmente não colocar seu piloto em segundo e em condições iguais a do rival, o que dificultaria muito a chance de uma ultrapassagem. Assim, ela mandou o inglês seguir em frente, agora, sem economizar pneus.

E nesse momento, a equipe austríaca usou sua outra vantagem estratégica: Sérgio Pérez. Como Valtteri Bottas ficou fora do jogo por precisar largar em nono por conta de uma troca de motor, o mexicano se tornou uma peça fundamental na briga com Hamilton. Percebendo que o inglês não cairia na “pegadinha” de parar logo e voltar em segundo, a Red Bull tomou uma nova decisão e chamou logo Pérez para sua parada, na volta 12.

Como o mexicano estava apenas 5s7 atrás, ficar por mais algumas voltas na pista poderia representar um risco de perder também a segunda posição em um novo undercut. Sabendo que voltar atrás da segunda Red Bull representaria o fim de qualquer chance de lutar pela vitória, a Mercedes se viu o obrigada a chamar Hamilton para o pit em seguinda, na 13ª passagem, talvez alguns giros antes do que gostaria para ter uma vantagem maior de pneus em relação a Verstappen.

Parte 2: Mercedes tenta preparar bote

Hamilton voltou 6s6 atrás de Verstappen e 4s7 à frente de Pérez. Para quem estava assistindo, esse segundo trecho da prova pareceu até um pouco monótono. Dentro da estratégia de cada uma das equipes, era mesmo um momento de acomodação de peças antes do ataque final.

E aqui, vemos como equipes e pilotos fizeram exatamente o que precisavam fazer, dentro do cenário que se apresentou diante de cada um. Até a volta 20, Verstappen começou a impor a princípio um ritmo mais forte, com tempos abaixo de 1min40s5, e depois se mantendo abaixo de 1min40s7. Já Hamilton, com a estratégia de ter mais pneu na segunda metade da corrida, saiu andando com mais calma, virando sempre entre 1min40s8 e 1min40s9.

A partir da volta 20, a diferença começou a surgir. O ritmo de Verstappen foi aos poucos e de forma constante subindo para 1min40s9, passando em alguns momentos para a casa de 1min41s. Já Hamilton, sete giros depois do seu pit, começou a acelerar, passando a virar marcas entre 1min40s1 e 1min40s4. Isso fez a diferença entre eles cair de forma acentuada (veja no gráfico abaixo) e chamou a atenção da Red Bull, que percebeu que poderia sofrer um ataque na pista ou, se esperasse muito, até uma devolução do undercut.

Assim, o time autríaco novamente teve que antecipar a parada do holandês, na volta 29, quando a vantagem caiu para 2s7. Para se ter ideia, apenas Alonso (que fez seu primeira para na volta sete) e Ocon (primeira parada na três) fizeram seu segundo pit antes do piloto da Red Bull. Verstappen colocou novos pneus duros, agora para um trecho de 27 voltas até o final da prova. Hamilton, por outro lado, já tinha 18s2 de vantagem para Pérez, o que o deixava tranquilo para fazer a sua estratégia sem se preocupar com o mexicano.

E o inglês mostrou porque é conhecido por sua habilidade de andar rápido sem danificar os pneus. Ele seguiu virando abaixo de 1min40s7 por mais cinco voltas (1min40s0 em uma delas) para perder o menos tempo possível com seus compostos usados contra os novos de Verstappen. Assim, ele conseguiu adiar sua parada por mais oito voltas para no trecho final ter uma vantagem mais significativa de desempenho.

Hamilton fez seu segundo pit da volta 37, último entre todos os carros, e colocou pneus duros novos. De novo, algumas pessoas questionaram se não era o caso de arriscar aqui compostos médios, já que o inglês tinha também um jogo novo destes. Só que os pneus deste tipo mostraram tanto nos treinos como no primeiro trecho da prova que não aguentariam 19 voltas andando no ritmo de perseguição que o piloto da Mercedes precisaria até o final. E esticar mais a segunda parada para diminuir essa distância poderia significar deixar Verstappen abrir demais.

Assim, o inglês voltou 7s8 atrás do rival e partiu para a caça.

Final de prova e o problema da turbulência

Do momento em que Hamilton volta para a pista até a bandeira quadriculada, a vantagem de Verstappen só caiu. Nas primeiras 11 voltas do pneu do inglês, ele faz a diferença despencar de 7s8 para 2s1.

Só que se por um lado vimos toda a habilidade do heptacampeão nos primeiros trechos da prova para administrar seus pneus e andar rápido mesmo com os compostos mais gastos, vimos nesta parte final Verstappen também mostrar sua frieza e habilidade no controle da corrida.

Desde o momento que decidiram antecipar a primeira parada, lá na volta dez, ele e a Red Bull sabiam que iam sofrer um ataque nos quilômetros finais. Verstappen então pergunta no rádio qual é o ritmo que ele precisa para conseguir se segurar no final. Ou seja, mesmo perdendo terreno em um primeiro momento, ele queria saber o que precisava fazer para ter pneus para segurar a ponta nas últimas voltas.

Após virar tempos acima de 1min40 durante todas as primeiras oito voltas de seu pneu, Verstappen melhora de repente seu ritmo para abaixo de 1min39s5 a partir do momento em que Hamilton volta à pista com pneus novos. E mais: quando a diferença cai abaixo dos 3s, ele faz uma sequência de cinco voltas entre 1min39s0 e 1min39s2, já a menos de cinco passagens para o final.

Entenda neste gráfico comparativo de tempos de volta como Verstappen controlou seu ritmo no começo e andou cada vez mais rápido quando Hamilton se aproximou (quanto mais baixo, mais rápido):

Do outro lado, apesar de ter pneus em melhores condições, Hamilton também não tinha uma vantagem de compostos tão grande assim para conseguir furar a turbulência causada pelo carro da frente quando a diferença chegou próxima da casa dos 2s. É diferente, por exemplo, do GP da Espanha, quando ele fez uma parada a mais em relação ao rival para fazer um ataque matador e de sucesso no final, mas com pneus 18 voltas mais novos.

E o que contou muito aqui para Verstappen se segurar na frente, além de sua habilidade em se manter frio para não cometer erros, foi justamente aquela característica dos carros que explicamos no primeiro capítulo dessa história. Ele era muito forte do primeiro e terceiro setores, justamente os mais difíceis para o carro de trás seguir de perto, o que deixava Hamilton fora da zona de DRS nas duas grandes retas.

No final de todo esse jogo, em que equipes e pilotos fizeram o máximo que tinham sob seu alcance, a vitória ficou com Verstappen por apenas 1s3 sobre Hamilton.

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