Tropeços, mudanças e mais: curiosidades do ano do hexa de Schumacher
Um recorde histórico da F1 caiu no dia 12 de outubro de 2003: Michael Schumacher completou o GP do Japão na oitava posição e anotou o ponto de que precisava para garantir seu sexto título mundial, deixando para trás a marca de Juan Manuel Fangio.
O pentacampeonato do argentino era a referência máxima da F1 desde que o Maestro triunfou pela última vez, na distante temporada de 1957. Dali em diante, vários pilotos almejaram igualar e superar o feito, e alguns até chegaram perto. Mas Schumacher foi o primeiro (e até agora o único) a ter no bolso meia dúzia de canecos.
Por mais que essa seja inevitavelmente a principal narrativa para contar a história da temporada de 2003, houve muitos outros acontecimentos curiosos que marcaram aquele campeonato – envolvendo tanto Schumacher como alguns de seus concorrentes e até a F1 como um todo.
Listamos cinco curiosidades de uma temporada marcante para a F1:
1 – Temporada de mudanças
A F1 teve cara nova em diferentes aspectos para a temporada de 2003, e muitas das novidades foram reflexo direto da fase de domínio vivida pela Ferrari naquela época.
Uma mudança notável foi no sistema de pontuação: saía de cena o tradicional 10-6-4-3-2-1, que premiava os seis primeiros colocados, para abrir espaço ao 10-8-6-5-4-3-2-1, que bonificava o top 8.
Ao diminuir a diferença entre o vencedor e o segundo, a F1 esperava evitar que um piloto dominante disparasse na tabela e cravasse o título com grande antecedência – como foi o caso de Schumacher em 2002, quando garantiu o penta ainda em julho.
O chacoalho do regulamento esportivo também modificou o formato do fim de semana como um todo. A sessão classificatória passaria a ser disputada com uma única volta lançada por piloto, um de cada vez na pista, em ordem definida de acordo com a classificação da sessão da tarde de sexta-feira. Esta, por sua vez, deixaria de ser de programação livre e passaria a ser uma espécie de pré-classificação, também com uma única volta por piloto.
Mais do que isso, os pilotos deveriam disputar a classificação de sábado já com o combustível da largada para a corrida de domingo. Ao fim da tomada oficial de tempos, todos os carros eram recolhidos para o parque fechado e só seriam devolvidos às equipes no domingo pela manhã, sem que fosse possível a realização de mudanças no acerto. Isso naturalmente também resultou na extinção do warm-up em seu formato tradicional, disputado até 2002 no domingo pela manhã.
O novo formato inicialmente provocou confusão na cabeça de pilotos e estrategistas. Qual era a melhor tática: classificar no pelotão da frente, largando com pouco combustível, ou priorizar a corrida e iniciar a prova mais pesado? As primeiras etapas do campeonato foram um pouco bagunçadas até que as equipes chegassem à fórmula ideal.
2 – Campanha de trancos e barrancos para Schumacher
Por mais que a temporada de 2003 tenha tido uma importância especial para Schumacher, também é fato que aquele ano lhe rendeu o título mais difícil no período de domínio com a Ferrari.
O alemão vinha de campanha impecável em 2002, quando cravou o título com folga e subiu no pódio em todas as corridas. No entanto, 2003 contou com alguns erros e até um período de atuações apagadas, esta última uma característica muito incomum para os parâmetros de Schumacher.
Alguns tropeços que lhe custaram pontos, seja por culpa do piloto ou por puro azar: uma disputa ferrenha contra Kimi Raikkonen que danificou seu carro na Austrália; um choque atrapalhado com Jarno Trulli na Malásia; o acidente sozinho no Brasil; a rodada no duelo com Juan Pablo Montoya em Nurburgring; o pneu furado em Hockenheim; a sequência de incidentes no Japão.
Além disso, Schumacher teve um “miolo” de temporada discreto, quando foi superado por Rubens Barrichello entre os GPs da Inglaterra e da Hungria. Na época, houve até especulações de que a pilotagem do alemão estava sendo atrapalhada por uma suposta doença de sua esposa, Corinna; outros relacionaram a má fase a um chassi problemático do alemão.
Talvez a última hipótese faça mais sentido, já que a pior fase de Schumacher na temporada se deu justamente no período em que usou um novo chassi, entre Silverstone e Budapeste. Depois disso, voltou ao carro anterior e o alto rendimento retornou.
Aliás, a temporada foi tão atípica para Schumacher que até sua primeira vitória no ano, em Ímola, não foi motivo de comemoração, já que ela aconteceu poucas horas após o falecimento de sua mãe.
Mas não se engane: apesar dos reveses, Schumacher não foi campeão de 2003 à toa. Ele foi o piloto que mais fez pole e venceu no ano, com destaque para os triunfos importantes em Monza e Indianápolis, em pontos críticos da temporada.
3 – Um ano de renovação…
A campanha de 2003 também viu o surgimento definitivo de nomes que protagonizariam a F1 nos anos seguintes.
A começar por Kimi Raikkonen. Aos 23 anos e somente em sua terceira temporada, o finlandês ficou com o vice-campeonato, derrotado por pequena margem, sendo que dificilmente alguém reclamaria caso o título parasse em suas mãos.
Raikkonen competiu ao longo de toda a temporada com um carro da McLaren do ano anterior atualizado, já que o novo modelo, MP4/18, apresentou diversos problemas nos testes e sequer foi escalado para competir. Mas, com um conjunto incapaz de desafiar Ferrari e Williams em velocidade pura na luta pelas vitórias, o Homem de Gelo baseou sua campanha na consistência.
O piloto venceu por uma vez, na Malásia, e passou perto em outras duas, na Austrália e no Brasil. Ao todo foram 10 pódios, o maior número da temporada. Porém, como dependia mais da regularidade para se destacar, Raikkonen acabou atrapalhado por tropeços importantes, como a quebra em Nurburgring (quando liderava) ou com os acidentes nas largadas de Barcelona e Hockenheim.
O ano também representou um marco importante para Fernando Alonso. Depois de uma temporada de Minardi e outra dedicada a testes, o jovem espanhol teve seu teste de fogo na Renault, que apresentou em momentos esporádicos força suficiente para andar entre os ponteiros.
Alonso tirou proveito disso. Anotou sua primeira pole na Malásia (àquela altura o mais jovem da história a obter o feito), venceu pela primeira vez na Hungria (também um recorde de precocidade) e fez a festa da torcida ao subir no pódio na Espanha.
O triunfo de Hungaroring, aliás, teve um gosto especial, já que além do domínio de ponta a ponta, Alonso aplicou uma volta em Schumacher. Certamente o espanhol ainda precisava ganhar experiência (como mostraria a temporada de 2004), mas o campeonato evidenciou que o talento bruto de fato existia, e muito.
Correndo por fora, Jenson Button foi outro que ganhou seu espaço. Em temporada de ressurgimento na BAR, o inglês despachou o colega campeão do mundo Jacques Villeneuve, liderou GPs pela primeira vez na carreira e mostrou que enfim poderia apresentar o desempenho que se esperava dele.
4 – … e do fim de uma era
Um nomes surgem, outros perdem espaço. 2003 marcou o canto do cisne para alguns personagens de destaque surgidos na década de 90, o que mostrou que o bastão estava em fase de passagem.
David Coulthard e Ralf Schumacher registraram suas últimas vitórias na F1 naquele ano. O escocês triunfou na Austrália, mas posteriormente foi engolido por Raikkonen dentro da McLaren e perdeu qualquer oportunidade de se tornar protagonista.
Já o alemão teve temporada de altos e baixos. Ralf cresceu no meio da campanha, quando venceu duas seguidas e se colocou na luta pelo título. Porém, qualquer possibilidade de sonhar mais alto desapareceu após um acidente durante testes em Monza, o que o tirou do GP da Itália que seria realizado posteriormente.
Entre as equipes, duas outras viveram seus últimos momentos de glória – claro, cada uma à sua maneira. A Williams foi uma real força durante a luta pelo título, sendo presença frequente na luta por vitórias. Nunca mais ela viveu tal status. Já a Jordan, que tentava se recuperar da perda da parceria com a Honda, conquistou uma improvável última vitória de sua vida com Giancarlo Fisichella no Brasil.
5 – A grande controvérsia dos pneus
Amortecedores de massa em 2006, mapeamento de motores em 2011 e até o sistema de baterias da unidade de potência da Ferrari em 2018: muitas temporadas acirradas possuem sua controvérsia em algum item técnico, e 2003 não foi diferente.
Naquele ano, o assunto de debate foi a situação dos pneus Michelin. Os carros com a borracha francesa massacraram a concorrência em algumas corridas específicas, o que levantou dúvidas a respeito de sua legalidade.
Havia suspeitas de que, em condições de desgaste, os pneus dianteiros da Michelin extrapolavam a largura máxima prevista por regulamento, de 270mm, o que rendia uma maior superfície de contato e, consequentemente, mais aderência. A Ferrari chegou a estipular um ganho de 10 a 15% de superfície, o que é algo bastante significativo.
As dúvidas ficaram ainda mais acentuadas nas corridas da Alemanha e Hungria, disputadas sob forte calor, e, portanto, com maior exigência à borracha. Nelas, os carros da Bridgestone (leia-se Ferrari) simplesmente não viram a cor da bola.
A partir da etapa de Monza, a FIA decidiu alterar seu procedimento. Em vez de fazer a medição dos pneus enquanto novos, a entidade verificaria a borracha após seu uso. Isso gerou protesto por parte da Michelin, mas não teve jeito: do GP da Itália em diante, a fornecedora trouxe uma nova especificação de pneus. Coincidência ou não, a Ferrari venceu todas as três corridas dali para frente.
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