O soco de Senna no estreante Irvine: a história contada em detalhes

O GP do Japão de 1993 contou com uma treta curiosa. O consagrado Ayrton Senna, tricampeão mundial, se desentendeu na pista com o novato Eddie Irvine, que fazia sua corrida de estreia.

Depois da bandeirada, o revoltado brasileiro deu um soco no colega, em uma briga que se tornou folclórica na F1. Porém, o episódio teve suas repercussões para os dois envolvidos, em uma história que deu muito pano para manga.

Eddie Irvine foi um dos vários talentos da Grã-Bretanha que surgiram no final dos anos 80, e tinha Ayrton Senna como uma de suas grandes referências. Com o progresso de sua carreira, o norte-irlandês se mudou para o Japão para competir na F-3000 local, em uma mudança que era financeiramente vantajosa.

Em 1993, ele disputava o título da categoria, quando surgiu a oportunidade de estrear na F1. Com o dinheiro de seus patrocinadores japoneses, Irvine correria nas duas últimas etapas do ano pela mediana Jordan, e seria o quinto companheiro diferente do novato sensação Rubens Barrichello. A estreia aconteceria justamente em Suzuka, uma pista que Irvine conhecia muito bem.

E o encaixe foi imediato. Irvine andou forte em todos os treinos e fez algo que nenhum outro piloto da Jordan havia conseguido até então: superar Barrichello em uma classificação. Irvine partiu em oitavo, igualando o melhor resultado da equipe em um grid naquele ano.

Na largada, ainda saltou para quinto, mas com o passar da prova, as limitações da Jordan e o noviciado de Irvine passaram a pesar, e o piloto perdeu posições. Mas ele continuava na luta por pontos, e inclusive iniciou um ataque para cima de Damon Hill, com a poderosa Williams, com a pista molhada pela chuva.

A confusão entre Senna e Irvine dentro e fora da pista

Na 34ª volta da corrida, o líder Ayrton Senna se aproximou da disputa entre Hill e Irvine para colocar uma volta nos dois. O estreante da Jordan deixa o brasileiro passar, mas Hill permanece à frente por várias curvas, o que faz com que Senna tire o pé por cautela.

Nisso, Irvine perde a paciência e volta a passar Senna na chicane, para não perder contato com Hill, com quem disputava posição. Hill e Irvine ficam à frente de Senna por mais uma volta inteira, duelando roda a roda, até que o brasileiro enfim despacha os retardatários.

A prova teve a vitória de Senna, que triunfava em sua penúltima corrida pela McLaren. Irvine, que sequer esperava terminar a corrida devido a dores nas costas, por ser grande demais para o carro, conseguiu receber a bandeirada em sexto, marcando um ponto logo em sua estreia, o que era um feito e tanto. Isso significava que os dois terminaram o domingo felizes da vida, certo? Não foi bem assim.

Quem estava em Suzuka garante que viu Senna conversando com seu amigo e ex-companheiro de equipe Gerhard Berger. O austríaco, conhecido por seu senso de humor, teria colocado uma pilha no brasileiro a respeito da confusão com Irvine, então ele foi atrás do novato para tirar satisfação.

O norte-irlandês, que comemorava seu primeiro ponto, estava nas dependências da Jordan, quando um furioso Senna se aproximou. Os dois começaram um bate-boca que durou minutos: o brasileiro dizia que Irvine guiava feito um idiota, e que o colocou em perigo, sendo que o novato teria problemas com os comissários se continuasse a se portar desse jeito.

Irvine deu de ombros, disse que o problema era que Senna não estava rápido o suficiente e que em momento algum colocou a corrida dele em risco. Depois da longa discussão, o brasileiro deu um empurrão e um soco no rosto de Irvine, que caiu desequilibrado, enquanto Senna era contido pela turma do “deixa disso”. E um detalhe: toda a confusão foi capturada em áudio pelo jornalista inglês Adam Cooper, e este material está disponível na internet.

Repercussão e o pós-confusão

Aquela não era a primeira vez que Senna teve um forte desentendimento com um concorrente, só que desta vez a briga ganhou grande destaque no noticiário. Na corrida seguinte, na Austrália, Irvine era uma das figuras mais procuradas do paddock para comentar a confusão, e chegou a deixar em aberto a possibilidade de processar o brasileiro na justiça.

Já a McLaren foi pelo lado do humor, e brincou ao colocar luvas de boxe no carro de Senna. O tricampeão, de cabeça mais fria, comentou que “nada justificava a agressão” e se disse arrependido, mas reforçou que o comportamento de Irvine foi “perigoso e absurdo”, e que nada foi feito a respeito.

A FIA convocou os dois para darem depoimento em dezembro, depois do término do campeonato. Senna recebeu duas corridas de punição em efeito suspensivo – ou seja, ele só teria o gancho de duas provas caso cometesse alguma outra infração mais grave em um período de seis meses. O veredito o deixou revoltado.

Max Mosley, presidente da FIA, disse que foi levado em consideração o “alto grau de provocação” ao qual o brasileiro havia sido submetido. Já o chefão da F1, Bernie Ecclestone, deu razão a Senna, e disse que “teria arrebentado Irvine” se estivesse no lugar do tricampeão.

Em meio a toda essa confusão, o forte desempenho de Irvine na pista não foi esquecido, e em janeiro de 94 a Jordan confirmou o piloto para toda aquela temporada. No mesmo mês, durante testes em Portugal, Senna passou nos boxes da Jordan para apertar as mãos de Irvine, o que aparentemente colocava um ponto final na história. Só que Irvine ainda teria mais dores de cabeça pela frente.

Na primeira corrida de 94, em Interlagos, ele se envolveu em um acidente múltiplo com Jos Verstappen, Martin Brundle e Eric Bernard. Irvine foi considerado culpado e foi suspenso da corrida seguinte, o GP do Pacífico, além de receber uma multa de US$ 10 mil.

A Jordan recorreu da decisão, e, no início de abril, a FIA retirou a multa, mas não só manteve a suspensão como a ampliou para três corridas no total. Irvine discordou da punição, e acreditou que aquilo só aconteceu devido à reputação de piloto problemático que adquiriu com a briga com Senna no Japão.

Irvine nunca conversou com Senna de forma aprofundada sobre aquele dia. Segundo ele, a origem do desentendimento foi na verdade nos treinos, quando ele e Senna bloquearam um ao outro na pista. Sobre a corrida, considera que o real culpado foi Hill, por ter demorado para deixar Senna passar.

Depois disso, Irvine ainda teve uma longa carreira na F1, com destaque para a temporada de 99, já na Ferrari, quando venceu quatro corridas e foi vice-campeão. No entanto, um dos momentos mais intensos e polêmicos de sua carreira aconteceu naquela tarde de 93 com o fatídico soco.

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