O veto: por que Senna barrou Warwick na Lotus em 1986?

Ayrton Senna estabeleceu relações marcantes com os companheiros de equipe que teve na F1. Por exemplo, a camaradagem com Gerhard Berger na McLaren, entre 90 e 92, ou os dias finais ao lado de Damon Hill na Williams, em 94. Isso, claro, sem falar na rivalidade histórica com Alain Prost em 88 e 89, o que dividiu a garagem da McLaren.

No entanto, um dos casos mais curiosos envolvendo Senna e um companheiro de equipe foi justamente sobre uma parceria que não chegou a se concretizar. Em 1986, a Lotus planejou colocar o brasileiro ao lado de Derek Warwick, mas o piloto inglês acabou não sendo contratado após receber um veto do próprio Senna.

Mas por que Senna chegou ao ponto de ter de bloquear a chegada de um novo companheiro de equipe? Para começar a entender tudo, precisamos voltar ao ano de 1985.

Aquela foi uma temporada de grande importância para a carreira de Ayrton Senna. Ele havia se transferido para a Lotus, uma equipe que o permitia lutar com mais frequência no pelotão da frente, embora ela vivesse um jejum de vitórias que durava desde a morte de seu fundador, Colin Chapman.

Senna assumiria a posição que antes era de Nigel Mansell, e passaria a formar dupla com Elio de Angelis, um piloto considerado respeitado e promissor. O belo conjunto preto e dourado contava com a assinatura de Gérard Ducarouge, e tinha por debaixo da carenagem o poderoso motoro Renault turbo.

Ainda não era um conjunto pronto para lutar pelo título, mas o plano realista era já poder lutar ocasionalmente por vitórias. E foi exatamente isso o que aconteceu.

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Em 85, Senna conquistou suas primeiras vitórias na F1, no dilúvio de Portugal, e no reagendado GP da Bélgica, além de ter mostrado toda sua velocidade em classificação ao anotar incríveis sete pole positions.

Porém, nem tudo foram flores. Ao longo da temporada, foram muitas oportunidades desperdiçadas, seja por quebras do motor Renault, ou panes secas ao fim das corridas.

Para piorar, o relacionamento com o parceiro De Angelis não era dos melhores. Isso porque o italiano tinha certeza de que a Lotus dava um tratamento preferencial a Senna, sendo que ele quase partiu para o tapa contra o brasileiro após um desentendimento na África do Sul.

Depois de ser batido por Senna por apenas cinco pontos no campeonato, De Angelis decidiu mudar de ares e se mandar para a Brabham. Ou seja, uma vaga na Lotus passava a ficar aberta, e o time já tinha em mente quem que ela gostaria de ver naquele cockpit.

A opção por Warwick e o veto de Senna

Derek Warwick tinha todos os pré-requisitos para ser considerado um forte candidato. Rival de Nelson Piquet nos tempos de F3, o inglês era experiente, tendo sido o antecessor de Senna na Toleman, e depois foi um dos substitutos de Alain Prost na Renault.

No time francês, conquistou quatro pódios em 84, o que até o fez ser convocado para se juntar à Williams. Porém, ele permaneceu na Renault, mas viu a operação entrar em decadência e sair da F1 ao fim de 85, o que deixou Warwick livre no mercado.

Isso chamou a atenção da Lotus. A ideia de ter alguém experiente e veloz era algo atrativo, e claro que o fato de Warwick ser inglês também era um tremendo ponto a favor. Então, as peças se juntaram, e em dezembro de 85, Warwick assinou contrato com a Lotus para ser o novo parceiro de Senna a partir de 86.

O acordo, segundo o piloto, previa igualdade de condições com Senna, inclusive determinando que os dois, por exemplo, dividiriam por igual o direito ao uso do carro reserva.

Acontece que, quando Peter Warr contou a novidade a Senna, a reação não foi bem a que ele esperava. O brasileiro se mostrou bastante reticente, e foi claro ao dizer que não queria ter Warwick ao seu lado.

Então, Senna insistiu sobre seu desejo ao chefe, usou sua influência com os patrocinadores da Lotus, e o acordo entre o time e Warwick foi simplesmente anulado.

E aí era necessário dar a má notícia ao piloto. Warwick, que já tinha assinado a sua parte do contrato, foi à sede da Lotus em janeiro de 86, quando esperava fechar de vez o acordo, ser anunciado oficialmente, e já poder começar a trabalhar com os mecânicos e engenheiros.

Só que o tom da reunião não foi esse. Coube ao então contador da Lotus, Fred Bushell, a missão de explicar a Warwick que a equipe não avançaria com a contratação, já que esta havia sido barrada por Senna. E foi simplesmente isso. Acabava ali, de maneira tão repentina, o sonho de Warwick de competir em um time tradicional e com um carro potencialmente capaz de vencer corridas.

A justificativa de Senna

Mas a pergunta que ficava era: por que Senna chegou ao ponto de vetar a chegada de Warwick? De acordo com o brasileiro, a Lotus simplesmente não tinha condições de dar atenção aos dois pilotos de forma igual.

E o fato de Warwick ser inglês, amigável e de fácil papo, também era considerado um fator. Senna acreditava que, para ter chances de desafiar as poderosas McLaren e Williams, ele teria de ser a prioridade completa da Lotus, e uma eventual chegada de Warwick impediria que isso acontecesse.

Na verdade, Senna planejava levar a sua influência a um passo além. Seu objetivo mesmo era ter ao seu lado o amigo Maurício Gugelmin, que, ainda jovem, havia acabado de se tornar campeão britânico de F3. Mas, neste ponto, seu lobby não emplacou, e a Lotus confirmou na outra vaga o nome do estreante John Crichton-Stuart, um aristocrata escocês que competia sob o nome de Johnny Dumfries.

Dumfries havia sido campeão da F3 Britânica um ano antes de Gugelmin, em 84, e havia feito testes por equipes como McLaren, Ferrari e Brabham. Mas, mais do que isso, ele era britânico, o que agradava aos patrocinadores, e cercado de poucas expectativas por resultados. Ou seja, tinha o perfil perfeito para que Senna fosse o foco total da Lotus para 1986.

E foi assim que Senna e Dumfries foram parar a bordo do belíssimo modelo 98T. O último carro da Lotus original com a clássica pintura preta e dourada ainda contava com a assinatura de Ducarouge e os potentes motores Renault.

A novidade estava por conta de um microcomputador bastante avançado para a época, que monitorava e projetava o consumo de combustível para evitar o festival de panes secas que a Lotus viveu em 85.

Senna, que foi um alvo de duras críticas da imprensa inglesa devido ao veto imposto a Warwick, pode continuar a mostrar todo o seu potencial.

O brasileiro anotou oito pole positions, venceu mais duas vezes, e se manteve matematicamente na luta pelo título até a antepenúltima etapa do ano. Ou seja, a campanha de 86 cumpriu a missão de dar continuidade ao crescimento de Senna na F1.

Já Dumfries foi para lá de coadjuvante. Em meio às suas limitações, ele só pontuou por duas vezes, ficou em 13º no campeonato, e em momento algum chegou minimamente perto de ameaçar Senna dentro da pista.

Depois, ele mesmo admitiu que teria sido melhor para a Lotus se ela tivesse de fato contratado Warwick. Com a chegada da Honda à Lotus em 87, Dumfries deixou a F1 depois de somente uma temporada, para abrir lugar ao japonês Satoru Nakajima.

As consequências na carreira de Warwick

Como o veto de Senna aconteceu em uma fase tardia das preparações para 86, Warwick não teve tempo de procurar uma outra vaga para seguir na F1. Então, ele se viu totalmente fora do grid, e foi competir no Mundial de Marcas com a Jaguar.

O curioso é que, depois desta história, ele recebeu do brasileiro um cartão, no qual Senna desejava “boa sorte” para ele para o ano de 86. Para Warwick, isso mostrava que Senna não fazia ideia do dano que aquele veto causou para sua carreira.

Warwick conseguiu retornar à F1 ainda 86, mas em uma circunstância triste, substituindo na Brabham aquele mesmo Elio de Angelis, após o italiano falecer em um acidente em Paul Ricard.

Mas, no geral, a sua carreira havia perdido o embalo e nunca mais o retomou. O sonho de se juntar à Lotus só se concretizou em 1990, quando o time já vivia outro momento e estava longe de ser competitivo.

Porém, ainda haveria tempo para Warwick receber mais um cartão de Senna. Em 1991, Derek Warwick viveu uma das maiores tragédias de sua vida, quando perdeu o seu irmão mais jovem, Paul, um promissor piloto que morreu em um acidente na Inglaterra.

De acordo com Warwick, que estava afastado da F1 naquela época, Senna foi um dos poucos pilotos do Mundial que prestou suas condolências, uma atitude a qual ele jamais esqueceu.

A relação de respeito entre Senna e Warwick foi vista novamente três anos mais tarde, quando o tricampeão sofreu o seu acidente fatal, Warwick foi um dos pilotos que carregaram o seu caixão.

No fim, foi uma relação que não resultou em uma parceria de fato na F1, mas que ainda assim gerou uma camaradagem e respeito fora das pistas.

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