Ayrton Senna e Williams: como a parceria dos sonhos se tornou pesadelo?

Ayrton Senna e Williams. Uma parceria que era bastante aguardada se tornou realidade em 1994, já que, depois de anos de tentativas frustradas, o brasileiro conseguiu concretizar uma mudança para a equipe dominante do grid. Isso gerou a expectativa de um massacre sobre a concorrência, mas o desfecho foi rápido e trágico. Como que a história se desenvolveu desta forma?

Na verdade, o namoro entre Senna e a Williams já vinha de um bom tempo. Foi pela equipe inglesa que o brasileiro realizou seu primeiro teste na F1, ainda em 1983, no circuito de Donington Park. Senna causou ótima impressão, mas seus os caminhos se separaram dali em diante. O jovem piloto estreou na F1 pela Toleman, venceu suas primeiras corridas com a Lotus e ganhou títulos mundiais com a McLaren. 

Na campanha do seu tricampeonato, em 1991, Senna e Williams voltaram a se aproximar. A equipe inglesa, que foi a rival do brasileiro na luta pelo título e vinha em ascensão técnica, chegou a fazer uma proposta para contratar o piloto para a temporada de 1992. No entanto, o negócio não saiu do papel, conforme relatou seu empresário na época, Julian Jakobi, ao podcast “Beyond The Grid”:

“Ayrton queria ir para a Williams, mas ele era leal à Honda. Em 91, lembro de ir a Spa com dois contratos para Ayrton: um da McLaren e um da Williams. E Ayrton sabia que deveria ter ido para a Williams. Tínhamos dois contratos prontos para assinar.”

Julian Jakobi empresário de Senna na época.

O começo de uma longa novela

A recusa naquele momento iniciou uma longa e dramática novela até a parceria se concretizar. Em 1992, a Williams construiu um conjunto que aniquilou a concorrência, aliando grande eficiência aerodinâmica, o forte motor Renault e muita tecnologia embarcada. Isso incluía recursos como suspensão ativa e controle de tração, e fez com que Senna apelidasse as máquinas de “carros de outro planeta”.

Mansell na Williams em 1991
(Foto: Renault)

Nigel Mansell conquistou o título com facilidade, e isso, naturalmente, fez com que Senna cobiçasse uma vaga na Williams – até porque a Honda, sua aliada de longa data, estava de saída da F1 ao fim daquele ano. Mas havia um obstáculo no caminho do plano: Alain Prost. 

O francês, na época tricampeão mundial, estava em um ano sabático e havia fechado o retorno ao grid com a Williams para 1993. Sua contratação tinha grande apoio da Renault e da Elf, parceiras técnicas da equipe e também de origem francesa. Porém, havia uma condição: Prost não queria ter Senna como parceiro de equipe e reviver a intensa rivalidade interna dos tempos de McLaren.

Senna tentou de tudo para mudar o cenário. Desafiou Prost publicamente, dizendo que este “se comportava feito um covarde”, e até mesmo se ofereceu para guiar pela Williams de graça. Nada funcionou. Prost manteve o veto, Damon Hill foi confirmado como o segundo piloto para 1993, e Senna foi obrigado a permanecer por mais um ano na McLaren. 

Senna e Williams enfim se concretiza

Em 1993, Prost guiou um carro ainda mais refinado tecnicamente, também contando com freios ABS e câmbio 100% automático. Senna fez resistência enquanto pôde com a McLaren-Ford, mas o tetra, de forma previsível, ficou com Prost com duas corridas de antecipação. A questão é que, nos bastidores, a movimentação era intensa e resultaria em mudanças para 1994. 

Durante o ano, Senna deixava claro que não queria permanecer por mais tempo naquela situação de 1993. Então, algumas possibilidades eram especuladas, incluindo uma ida para a Ferrari ou Benetton, ou até uma permanência na McLaren caso esta conseguisse um acordo de fornecimento de motores com a Renault (o que não aconteceu). No entanto, as portas da Williams mais uma vez se abriram, já que a equipe estava disposta a derrubar o veto de Prost e enfim contratar o brasileiro.

As conversas progrediram bem. A ida de Senna para a Williams foi acertada no fim de agosto, começo de setembro, entre os GPs da Bélgica e da Itália. Prost, indisposto a dividir a garagem com Senna, anunciou sua aposentadoria no GP de Portugal, no fim de setembro, na corrida em que ele garantiria o tetracampeonato. O detalhe é que o francês tinha contrato válido com a Williams para 1994, mas mesmo assim decidiu parar. No dia 11 de outubro, Senna foi confirmado como substituto de Prost e enfim realizaria o sonho de ir para a Williams, em um contrato de dois anos de duração. 

As mudanças de regulamento e proibição da tecnologia

Então, este era o cenário desenhado para a F1 em 1994: Senna seria o único campeão mundial em atividade, ainda vivendo uma ótima forma técnica e física, e se juntaria à equipe que era com sobras a mais forte no grid. Havia a expectativa de que uma nova era de domínio estava prestes a começar, mas nada disso aconteceu. Mas o que foi que deu errado?

Para entender esta parte, precisamos mais uma vez voltar um pouco no tempo. Ainda no começo de 1993, a FIA e seu presidente, Max Mosley, estavam dispostos a eliminar os auxílios eletrônicos da F1. O argumento era de queeles proporcionavam desequilíbrio técnico entre as equipes e, na visão dos torcedores, facilitavam demais a vida dos pilotos – o que havia provocado uma grande queda de audiência televisiva de 91 para 92. Senna, inclusive, era um que se manifestava publicamente em favor das proibições.

Inspeção da FIA chegou a colocar o carro da Scuderia Italia como o único dentro do regulamento de 1993 (Foto: Creative Commons)

Em fevereiro de 1993, um mês antes da campanha do tetra de Prost sequer começar, a Comissão da F1 propôs um regulamento que bania todos estes recursos para 1994. Porém, para a mudança ficar oficializada, seria necessário que todas as equipes estivessem de acordo, e algumas delas (sobretudo Williams e McLaren) eram contrárias à decisão.

Desta forma, Mosley usou uma tática ousada para alcançar seu objetivo. No GP do Canadá, em junho, uma inspeção técnica dos comissários concluiu que 12 das 13 equipes do grid contavam com carros irregulares, descumprindo os seguintes artigos do Regulamento Técnico:

1.3 / 2.4: O sistema de propulsão do carro deve estar em controle do piloto durante todo o momento. 

3.7: Qualquer peça que influencie na aerodinâmica deve permanecer imóvel

3.71.3 e 2.4
Williams
Tyrrell
Benetton
McLaren
Footwork
Lotus
Jordan
Larrousse
Scuderia Italia
Minardi
Ligier
Ferrari
Sauber

Ou seja, por esta lógica, apenas estaria dentro do regulamento o carro da Scuderia Italia, a pior do grid naquele ano. Todos os que tinham controle de tração, suspensão ativa ou outros recursos que regulavam a altura do carro eram considerados ilegais.

Era uma cartada de Mosley. Se as equipes continuassem se recusando a assinar o regulamento de 94, continuaria considerando os carros como ilegais e obrigaria a eletrônica a ser removida já no GP da Alemanha, o que daria pouco mais de um mês para os engenheiros se adaptarem. Porém, se houvesse um acordo para as novas regras, a proibição seria válida somente para 94, e os carros poderiam ficar com recursos eletrônicos até o fim de 93. Foi o que aconteceu: no dia 22 de julho, Williams e McLaren recuaram, concordaram com a mudança no regulamento, e a eletrônica estava oficialmente banida para a temporada de 94.

O impacto para Senna na Williams 

Foto: Reprodução

Quando fez seu primeiro teste oficial pela Williams, Senna guiou o FW15D, carro de 1993 adaptado à suspensão convencional. Por mais que ele tenha registrado o melhor tempo das atividades coletivas no circuito do Estoril, em Portugal, o brasileiro se queixou de algumas coisas, como a posição de guiar e o conforto com o banco e o volante, além de observar que o carro pulava mais e ficava instável com a suspensão passiva. A tendência permaneceu quando a equipe estreou o modelo FW16, o carro para a temporada de 94. 

Adrian Newey, o projetista daquele carro, admitiu em seu livro, “How to Build a Car”, que “fez besteira no projeto durante a transição da suspensão ativa para a passiva”, o que resultou em um modelo “aerodinamicamente instável”. Explicando de forma básica, a suspensão ativa de 93 deixava o carro sempre na altura perfeita em relação ao solo, garantindo que o rendimento da aerodinâmica fosse sempre em nível máximo. Com a suspensão convencional, isso não era possível.

“O fato é que eu fiz besteira na transição da suspensão ativa para a passiva. Projetei um carro que era aerodinamicamente instável, no qual Ayrton tentava coisas que o carro não era capaz de fazer.”

Adrian Newey no livro “How to Build a Car”

Para piorar, a porção dianteira da carenagem lateral, chamada de sidepods, era longa demais. Isso, durante as trepidações, provocava uma área de turbulência e fazia com que o difusor entrasse em estol, o que resultava em grande perda de eficiência e gerava instabilidade. A tendência era visível sobretudo em pistas mais lentas e onduladas. Uma solução para isto seria construir um sidepod mais curto na parte dianteira, mas não era uma mudança tão simples – a correção veio apenas quando a Williams estreou o FW16B, em julho de 1994.

Antes de a temporada começar, a F1 ainda realizou uma sessão de testes em Imola. Schumacher liderou com direito a quebra do recorde do circuito, o que mostrava que a Benetton também viria forte. Entretanto, muita gente ainda não acreditava que a Williams estaria em apuros, e estas ficaram surpresas com o começo do campeonato. 

No GP do Brasil, Senna fez a pole, mas perdeu a liderança para Schumacher nos pitstops e abandonou ao rodar enquanto perseguia o alemão. Já no GP do Pacífico, o brasileiro mais uma vez largou em primeiro, mas foi superado por Schumacher na largada e abandonou instantes depois em um acidente.

Isso, como é de se esperar, deixou Senna em momento de grande pressão. O piloto estava preocupado por saber que havia um longo caminho pela frente para resolver os problemas de equilíbrio da Williams. Ainda por cima, ele suspeitava que Benetton descumpria o regulamento e competia com controle de tração.

Pouco antes do GP de San Marino, Senna até se encontrou com o presidente da Ferrari, Luca di Montezemolo, acenando para uma possível parceria futura. Mas não deu tempo de nada disso acontecer. Em Imola, o brasileiro sofreu seu acidente fatal. Assim, a F1 perdia um de seus maiores nomes da história, e a aliança entre Senna e Wiliams foi abreviada de forma brutal e trágica.

Confira mais detalhes em nosso vídeo especial:

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