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Cancelamento de Imola foi bom senso da F1 ou falta de alternativa?

O cancelamento repentino do GP da Emília Romanha que aconteceria em Imola no próximo final de semana (21) passou uma sensação que nos últimos anos ficou relativamente conhecida para os fãs e comunidade que segue a F1. Isso aconteceu principalmente por conta do período da pandemia, em que diversas provas foram suspensas, sendo que a primeira a poucas horas do início da ação na pista, em Melbourne.

Sendo assim, cancelar uma corrida de F1 a poucos dias de sua realização nem parece uma novidade tão grande assim. Mas, se desconsiderarmos os acontecimentos do período pandêmico, de uma enorme carga de ineditismo não só para o automobilismo e esporte, mas para a sociedade em geral, perceberemos que não é nada comum para a F1 desistir de promover um GP assim de última hora.

E não precisamos ir muito longe para lembrarmos de como a categoria já levou a questão até o limite. Um exemplo óbvio recente foi o do GP da Bélgica de 2021, em que os pilotos enfrentaram muita chuva na classificação de sábado (o que resultou inclusive em um acidente bastante forte de Lando Norris) e a corrida teve três voltas protocolares atrás do safety car apenas para contar pontos para o campeonato.

Voltamos mais um pouco, encontramos também o GP do Japão de 2019. Por conta da passagem do Tufão Hagibis, a F1 precisou cancelar as atividades do sábado. Transferiu a classificação para o domingo de manhã e a programação seguiu em frente.

Em 2011, apesar de ceder no final, a F1 também mostrou como tenta sempre ao máximo manter suas corridas. A categoria acabou se vendo obrigada a cancelar o GP do Bahrein, apenas algumas semanas antes da etapa que abriria a temporada, por conta da Primavera Árabe, que já vinha deixando países do Oriente Médio e norte da África em enorme inquietação civil.

No ano seguinte, porém, mesmo com a manutenção das manifestações contra os líderes locais e as críticas públicas de diversos governos e líderes políticos internacionais (incluindo um abaixo-assinado de parlamentares britânicos), a corrida aconteceu normalmente.

Cancelamentos em uma outra era

Até a metade dos anos 80, quando a F1 entrou em um intenso processo de profissionalização de sua organização, o cancelamento de GPs já com a temporada em andamento acontecia com uma frequência maior. O problema nessa época normalmente envolvia dinheiro ou algum problema de última hora na promoção. Além disso, os contratos de transmissão eram menos exigentes.

Em 1957, a Crise de Suez fez com que os preços do petróleo subissem de forma astronômica, o que causou problemas econômicos na Europa. Desta forma, os promotores dos GPs da Holanda e Bélgica pediram para as equipes aceitarem valores de premiação mais baixos do que os que tinham sido acordados anteriormente. Com a negativa, a F1 então cancelou as duas corridas que aconteceriam naquele ano.

Spa enfrentou também dois cancelamentos por conta de problemas de segurança. O primeiro aconteceu em 1969, em que após visita de Jackie Stewart, então líder da Associação dos Pilotos de GP (GPDA), os pilotos pediram diversas alterações na pista. Os proprietários do autódromo se recusaram a realizar o investimento e em abril, menos de dois meses antes da corrida, o evento foi cancelado pelas equipes.

Em 1985, a situação foi bastante grave porque o evento chegou a começar. O circuito belga teve diversos trechos recapeados algumas semanas antes do GP para melhorar a aderência dos carros na chuva. Só que o tiro saiu pela culatra. O tempo quente fez com que o novo asfalto começasse a rachar e se soltar.

Os pilotos até treinaram durante a sexta-feira e chegaram a se dispor a enfrentar o precário cenário. Só que pela noite, a empresa contratada para fazer reparos de emergência piorou a situação. Além de reasfaltar partes do traçado que não eram necessárias, ainda fez consertos em toda a largura da pista.

No sábado de manhã, quando os pilotos iniciaram novo treino livre, o asfalto instalado há poucas horas começou a se soltar totalmente e a condição ficou impraticável. A corrida, assim, precisou ser cancelada. Os organizadores, no entanto, conseguiram remarcar o GP da Bélgica para uma nova data naquela mesma temporada, passando a prova de junho para setembro.

Enfim, existiu o caso também de 1955, quando a F1 precisou cancelar quatro GPs (França, Suíça, Alemanha e Espanha) após o famoso acidente em que o carro de Pierre Levegh foi arremessado nas arquibancadas das 24 Horas de Le Mans e oitenta expectadores morreram. O automobilismo como um todo chegou a ser proibido em vários países (inclusive o Brasil) por alguns meses.

O que mudou dessa vez para a F1 em Imola

Considerando que a F1 já chegou a ignorar a previsão de tornados e tempestades no passado, muitos podem imaginar que após os acontecimentos do GP da Bélgica de 2021, a categoria pode ter preferido se preservar de realizar mais um “não GP”. Só que o problema dessa vez é que a categoria realmente ficou sem opções.

Mesmo que tentasse enfrentar as intempéries desta semana na Itália, a Região da Emília Romanha, onde fica Ímola, simplesmente ficou sem condições de realizar qualquer tipo de evento.

Para se ter uma ideia, o sistema de monitoração de boa parte das cidades brasileiras segue uma diretriz em que uma chuva a partir de 50mm/h é considerada muito forte. O mês mais chuvoso em São Paulo, janeiro, tem uma média histórica de 230mm durante os seus 31 dias. Apenas entre a última segunda (15) e quarta-feira (17) choveu cerca de 250mm na Emília Romanha, onde fica o circuito de Imola.

E como as chuvas já vinham ocorrendo de forma torrencial há semanas, sem mais condições de absorção de água pelo solo, os rios da região começaram a transbordar, causando inundações em diversos locais e cidades, e distruindo estradas e pontes. Esse cenário impossibilitava o trânsito de pessoas e qualquer tipo de equipamento não essencial.

O nível do Rio Saterno, que passa a metros da pista por trás dos boxes e a chicane Tamburello, subiu mais de 2,5 metros em um período de 12 horas durante a terça-feira (16). Desta forma, o Autódromo precisou ser evacuado, já que as equipes trabalhavam na montagem dos carros e equipamentos dos boxes. Partes do circuito chegaram a sofrer com inundações.

O piloto Nyck de Vries chegou a publicar no Instagram que ficou preso em uma pequena cidade entre Faenza (sede da equipe AlphaTauri) e Imola, já que inundações e desabamentos de árvores bloquearam seu caminho.

Desta forma, é possível dizer que, assim como na pandemia, a situação se impôs às vontades da F1 de cancelar uma corrida. Simplesmente não existia como o GP da Emília Romanha acontecer.

E com o atual calendário extremamente apertado e já com diversos outros compromissos, uma remarcação é inviável. Mesmo que as tempestades na Emília Romanha possam ser consideradas fator de causa maior, a organização do GP irá reembolsar o público que comprou ingressos. A F1 e a Ferrari, cuja sede também fica na região, anunciaram doações para ajudar as comunidades afetadas pela tragédia.

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