Rick Mears e Tom Sneva, ambos impulsionados pelo motor Cosworth DFX, na Indy 500 de 1979
(Foto: IMS)

Cosworth DFX: a derivação turbo do V8 da F1 que massacrou na Indy

O motor Cosworth não é o mais vitorioso da história da F1, mas certamente impôs o período de hegemonia mais destacada e memorável que a categoria já viu em seus 66 anos de história. Em algum momento entre o fim dos anos 60 e princípio da década de 80, ser empurrado pelo DFV V8 de 3 litros era praticamente condição sine qua non para alcançar o sucesso.

Uma das grandes contribuições da marca fundada por Mike Costin e Keith Duckworth, e que recebia apoio da Ford, foi sua postura democrática: ao invés de firmar acordo de exclusividade com a Lotus, que era o que Colin Chapman queria, a fornecedora preferiu abrir o projeto a quem quisesse, e cobrando um preço razoavelmente acessível para isso.

Em resumo, se pudemos ver esquadras medianas como Penske, March, Shadow, Copersucar e Ligier desafiarem as grandes forças da época, mesmo que de forma esporádica, muito se deu por causa da Cosworth. O Projeto Motor já apontou um caminho para se aprofundar um pouco mais nesta seara.

Não estamos aqui para falar do DFV, porém, embora ele esteja intrinsecamente ligado ao objeto de nossa atenção. Estamos falando do DFX, derivação turbinada que foi tão dominante quanto o irmão naturalmente aspirado (e mais famoso), porém na Indy.

Há muitas curiosidades sobre a criação deste projeto, responsável por coletar 12 títulos de pilotos – somando USAC e CART – e 10 triunfos nas 500 Milhas de Indianápolis entre 1976 e 91, período em que a usina foi utilizada. Um dos momentos mais icônicos foi a chegada da edição de 82, em que Gordon Johnstock segurou de maneira épica o ímpeto de ninguém menos que Rick Mears. Confira:

A visão de Barnard e os vinténs da Vel Parnelli

Ironicamente, uma parte oculta mostra faceta menos simpática por parte da Cosworth no surgimento do DFX. Diferentemente do que o douto leitor possa ter suposto, o motor não foi obra oficial da companhia. Quem conhece um pouco a biografia de Keith Duckworth, aliás, sabe de seu perfil purista: ele abominava qualquer método de sobrealimentação.

A ideia de turbinar os DFV nasceu da cabeça do genial John Barnard. Em 75 Barnard ainda era engenheiro-júnior da McLaren, responsável por desenvolver suspensões e asas para o M16C, o monoposto usado pela marca inglesa na USAC. Reconhecidamente um promissor talento, o jovem bretão chamou a atenção da VPJ e acabou contratado pelos sócios Velko Miletich e Parnelli Jones para desenvolver os chassis da escuderia nas operações de F1, USAC e F5000.

À época o regulamento da série americana previa uso ilimitado da pressão do turbo, mas isso estava prestes a mudar: para o ano seguinte o consumo de combustível seria restrito a 1,8 mpg (milha por galão), o que comprometeria o desempenho dos já cansados Offenhauser 4-cilindros. “Eu disse a Vel: temos estes pequenos Cosworth V8 de F1 aqui. Acho que podem nos ajudar”, disse Barnard em entrevista à revista MotorSport publicada em março de 2013.

“Vel” e Parnelli compraram a ousadia e decidiram investir nas adaptações necessárias para turbinar o DFV. Foram acopladas à arquitetura novos coletores de admissão, bielas, pistões, bomba de óleo, sistema de injeção e também uma inédita válvula de alívio. A maior preocupação era fazer com que a potência subisse de 500 para 700 cv sem comprometer a confiabilidade. “Foi uma experiência fantástica, porque eu nunca tinha trabalhado em motores dessa forma”, relembrou o projetista.

Com o ótimo trabalho liderado pelos engenheiros Larry Slutter e Chickie Hirashima, Parnelli procurou a Cosworth para tentar obter algum tipo de apoio oficial. O que conseguiu foi uma enfática resposta negativa. “O pessoal da Cosworth nos chamou de idiotas por tentar criar uma versão turbo de seu motor. Tivemos de comprar tudo à parte. Só em pistões gastamos US$ 100 mil”, contou Barnard.

O esforço se mostrou profícuo: combinado ao chassi VPJ6B, muito mais esguio e compacto do que os McLaren e, especialmente, os Eagle, o propulsor demonstrou ótimo desempenho desde a estreia, ainda em 75, na etapa de Phoenix. Al Unser conduziu o conjunto ao quinto posto. A primeira vitória, com o mesmo ás, veio em Pocono, já na estação de 76. Outros dois triunfos ocorreram no mesmo ano, em Milwaukee e Phoenix. O projeto era um sucesso e, só depois disso, a Cosworth resolveu apostar suas fichas nele.

Não de uma forma que tenha agradado a VPJ, porém: na surdina, Duckworth fez ofertas irrecusáveis a Slutter e Hirashima, e os contratou para aplicar oficialmente o que haviam feito de maneira independente. Nascia, enfim, o DFX, com capacidade cúbica oficial de 2,65 litros, deslocamento menor que o DFV e dotado de um turbocompressor central ligado às válvulas das duas bancadas de cilindros. Potência passava de 700 cv.

“Não achei correta a forma como eles agiram. Vel e Parnelli investiram muito para desenvolver esse motor, e nunca levaram os devidos créditos por isso”, lamentou Barnard. “Podíamos ter processado a Cosworth, mas optamos por não fazê-lo porque queríamos tentar trabalhar em parceria”, completou. Para a VPJ, não obter apoio oficial representou grande choque financeiro, culminando em sua falência anos mais tarde.

Ian Bisco, então vice-presidente das operações da Cosworth para a América do Norte, ocultou essa parte da história em entrevista ao site Motorsport.com, concedida em 2001, mas contou um detalhe interessante acerca da produção das unidades motrizes. “O DFX estabeleceu nossa participação nas provas de fórmula na América do Norte. Nós desenvolvíamos os kits do motor e as peças de reposição na Inglaterra, e enviávamos para que os times montassem tudo em suas próprias oficinas”, resumiu.

Ascensão, reinado e queda do Cosworth

Não tardou para que o DFX dominasse a categoria e passasse a ser usado por mais de 90% da grelha. Em 77 o motor foi responsável por faturar oito das 14 etapas da USAC, ajudando Tom Sneva (Penske) a conquistar o primeiro de seus dois títulos na série. Neste mesmo ano Sneva cravou a pole para as 500 Milhas de Indianápolis superando, pela primeira vez na história, a média de 200 mph (320 km/h) em sua soma de voltas.

Al Unser conquistou a última vitória do Cosworth DFX em Indianápolis em 1987
Al Unser conquistou a última vitória do Cosworth DFX em Indianápolis em 1987 (Foto: IMS)

De 77 a 87 o Cosworth DFX evoluiu a até 840 cv e contribuiu para a consagração de 12 campeonatos (incluindo aí duas conquistas na peculiar estação de 79, quando USAC e CART foram disputadas simultaneamente), e 10 vitórias em Indiana. Quem mais se aproveitou foi a Penske, detentora de sete títulos de piloto e cinco vitórias no Brickyard nesse período. Rick Mears, sozinho, tornou-se tri na CART e bi no quadrioval.

Títulos de pilotos da Cosworth:

USAC 77 – Tom Sneva (Penske McLaren-Cosworth)
USAC 78 – Tom Sneva (Penske McLaren-Cosworth)
USAC 79 – AJ Foyt (Gilmore Parnelli-Cosworth)
CART 79 – Rick Mears (Penske-Cosworth)
CART 80 – Johnny Rutherford (Chaparral-Cosworth)
CART 81 – Rick Mears (Penske-Cosworth)
CART 82 – Rick Mears (Penske-Cosworth)
CART 83 – Al Unser (Penske-Cosworth)
CART 84 – Mario Andretti (Newman-Haas Lola-Cosworth)
CART 85 – Al Unser (Penske March-Cosworth)
CART 86 – Bobby Rahal (Truesports March-Cosworth)
CART 87 – Bobby Rahal (Truesports Lola-Cosworth)

Vitórias na Indy 500:

1978 – Al Unser – Chaparral Lola-Cosworth
1979 – Rick Mears – Penske-Cosworth
1980 – Johnny Rutherford – Chaparral-Cosworth
1981 – Bobby Unser – Penske-Cosworth
1982 – Gordon Johncock – Patrick Wildcat-Cosworth
1983 – Tom Sneva – Bignotti Cotter March-Cosworth
1984 – Rick Mears – Penske March-Cosworth
1985 – Danny Sullivan – Penske March-Cosworth
1986 – Bobby Rahal – Truesports March-Cosworth
1987 – Al Unser – Penske March-Cosworth

A alegria durou até 1987, quando a Chevrolet (por meio da Illmor) liderou um projeto de V8 turbo ao lado da Penske, justamente a fim de acabar com as surras constantes que todos os rivais da Cosworth vinham tomando. A conquista das 500 Milhas de 88 (pelas mãos de Mears) e o título de Danny Sullivan indicaram, sem tugir, que a dinastia do DFX chegara ao fim.

Desta vez com envolvimento direto da Ford, a Cosworth criou o DFS, uma espécie de atualização do projeto que usava soluções já presentes nos DFY e DFR, da F1. O Resultado foi pífio: apenas uma vitória, conquistada por Bobby Rahal em 89, no oval curto de Meadowlands. A fabricante decidiu recomeçar do zero em 1992 com uma nova família de motores: a série X, formada pelas especificações XB, XD e XF. Aí já estamos chegando a outro capítulo da história, que merece um texto à parte.

Fato é que a Cosworth, aproveitando uma mesma arquitetura, conseguiu a proeza de dominar as pistas de Europa e Estados Unidos quase que simultaneamente e por anos a fio. Intrigante saber que, no segundo caso, os louros vieram por um feliz acaso, a partir do visionismo de um projetista criativo e de um conceito ao qual a companhia sequer era favorável. Ah, claro: e com certa dose de um bastante contestável oportunismo.

**Obs: além do DFX, a Cosworth criou outras duas derivações do DFV, ambas aspiradas. A DFW, de 2,5 litros, equipava carros da oceânica Tasman Series entre os anos 60 e 70. Já a DFL, criada em 1981 para provas de longa duração do Grupo C, tinha deslocamento maior. Primeiro surgiu na configuração 3.3, que deixava a desejar na classe C1 e passou a empurrar competidores da classe C2. A partir disso foi criada a derivação 3.9, especificamente para a C1, mas que tinha sérios problemas estruturais e logo foi abandonada.

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