Hamilton e Verstappen ficaram encavalados em Monza após batida
(Foto: Mercedes/LAT Images)

“Direito ao Espaço”: a decisão dos comissários na punição a Verstappen

Se o primeiro acidente, em Silverstone, entre Lewis Hamilton e Max Verstappen já tinha resultado em alguma discussão, a nova batida entre os dois, agora em Monza, é um lance ainda mais complicado. A princípio, é difícil não ver o lance como um “encontrão” de corrida. Você tem dois pilotos brigando não só por uma posição, mas pelo título mundial, que chegam praticamente lado a lado em uma curva que só existe espaço para um carro. A chance de isso não dar problema é baixa, muito baixa.

Mesmo assim, para seguir seu procedimento padrão dos últimos anos, a FIA tem procurado, mesmo em lances muito complicados como este, eleger um culpado que deve tomar alguma punição. Caso não exista um responsável muito claro, como inclusive é o caso do acidente em Monza, os comissários buscam nas imagens entender quem poderia ter evitado o acidente.

Essa visão foi utilizada na própria batida de Silverstone, que já analisamos aqui no Projeto Motor em detalhes. Basicamente, os dois estavam brigando pela ponta e mergulharam juntos para a mesma curva. Ficou relativamente claro que naquele lance, Hamilton era quem tinha a responsabilidade de ceder e evitar a batida. E ele realmente foi punido com 10 segundos a serem cumpridos no seu primeiro pit stop.

No lance do GP da Itália, os comissários decidiram por uma punição em que Verstappen foi considerado o responsável pelo lance e perderá três posições no grid para a próxima etapa, o GP da Rússia. Esse tipo de penalização foi aplicada porque ele abandonou a corrida em Monza e obviamente não tinha como pagar uma sanção ainda na etapa.

Veja que a penalização ao holandês foi a menor possível dentro das previstas para perda de posições de grid, enquanto a de Hamilton, em Silverstone, foi mais mediana na escala da FIA entre as punições de tempo, que ainda tiem a de 5 segundos abaixo. Isso mostra um pouco como os comissários de Monza viram uma “culpa” do piloto da Red Bull menor neste lance do que a responsabilidade do representante da Mercedes no GP da Grã-Bretanha.

Mas o que vale destacar é que no texto da decisão dos comissários, eles citam nominalmente uma lei não escrita do automobilismo: o “Direito ao Espaço de Corrida”. Você não vai achar esse termo em nenhum artigo do regulamento, porém, ele embasa a maioria das penalizações em lances de dividida de curvas como essas. E se você acompanha o Projeto Motor, já leu ou ouviu explicações sobre isso. Podemos lembrar, por exemplo, do incidente entre Verstappen e Leclerc no GP da Áustria de 2019, em que apesar de um toque, o holandês não foi punido por ter já conquistado ao direito do espaço, ou as polêmicas punições, também no Red Bull Ring, esse ano, nas disputas entre Sérgio Pérez, Lando Norris e Charles Leclerc.

A visão dos comissários, Hamilton e Verstappen do acidente

No texto da decisão sobre e punição a Verstappen, os comissários começam descrevendo o acidente. Pode parecer uma bobagem, mas isso já dá uma indicação de como eles viram toda a questão.

“Carro 44 [Hamilton] estava saindo dos pits. O carro 33 [Verstappen] estava na reta principal. No ponto a 50 metros antes da Curva 1, o carro 44 estava significativamente à frente do Carro 33 [Imagem 1 abaixo]. O carro 33 freou tarde e começou a manobrar por fora do carro 44, apesar de em nenhum ponto durante a sequência, o carro 33 não fica mais à frente do que atrás da roda traseira do carro 44 [Imagem 2].”

Divida entre Verstappen e Hamilton em Monza
Divida entre Verstappen e Hamilton em Monza (Reprodução/F1)

Olhando só esse parágrafo, já dá para dizer que a coisa não estava boa para o Verstappen neste julgamento, certo? Mas a investigação continuou. Algum tempo depois da prova, eles receberam os dois pilotos na cabine da direção e ouviram os relatos. Segundo o documento oficial, Verstappen apontou que a causa do acidente foi que Hamilton embarrigou a curva DEPOIS da curva 1 e o espremeu na tomada da curva 2 (a segunda perna da chicane). Repare aqui que o próprio Verstappen não reclamou do Hamilton ter aberto sua trajetória antes da curva. O problema, em sua visão, foi já depois da primeira perna da variante.

Já Hamilton, apontou que Verstappen tentou uma ultrapassagem muito tarde e que deveria ter desistido da curva ou recuado da tentativa de ultrapassagem mais cedo, ou ter passado pela esquerda da zebra, sobre as lombadas.

O problema para Verstappen e o “direito de espaço”

Os comissários ainda apontaram que checaram depois das conversas com os pilotos as várias câmeras de transmissão à disposição e que verificaram que Hamilton estava em uma linha defensiva que realmente fez Verstappen ir para cima da zebra. “Mas, os Comissários observaram que o Carro 33 não ficou ao lado do carro 44 antes de significativamente entrar da Curva 1”, explicaram os representantes da FIA no texto, antes de emitir a opinião final, em que apontam a questão central do lance.

“Na opinião dos Comissários, essa tentativa de manobra aconteceu muito tarde para o piloto do Carro 33 ter o ‘direito do espaço da linha de corrida’ [Imagem 2 abaixo]. Enquanto o Carro 44 poderia ter virado mais para longe da zebra para evitar o acidente [Imagem 2], os Comissários determinaram que sua posição era razoável e assim resolveram que o piloto do Carro 33 era o culpado predominante pelo acidente.”

Visão de Verstappen e Hamilton na divida na Curva 2 em Monza (Reprodução/F1)

Mas o que é “direito de espaço na linha de corrida”? Quando dois carros chegam juntos a uma curva, assim como acontece em competições de vela. Assim, um deles tem a preferência dependendo de sua posição em relação à linha natural que os carros contornam a tomada e em relação ao apex (a linha de corrida mais rápida para passar pela curva).

Como cada curva tem um ângulo diferente, um contorno diferente e é feita em uma velocidade diferente, não se pode julgar todas as divididas apenas pelo “quem está parte do carro à frente” em tal ponto. Existem dinâmicas que precisam ser observadas. É preciso entender quem está mais próximo da linha ideal de corrida e em qual ponto da curva. Por isso, em alguns lances, mesmo que um carro aparente estar “lado a lado”, ele está longe do traçado normal daquela tomada, o que tira dele a oportunidade de reivindicar o espaço à frente.

Muitas vezes, os pilotos que estão por fora, mesmo não estando na linha em um primeiro momento, pelo ângulo em que entram na curva e posicionamento em relação ao outro carro, são os que possuem a preferência. Isso acontece porque normalmente o desenho de traçado no automobilismo se faz com o carro entrando aberto, fechando até o apex e depois abrindo de novo. Foi o caso, por exemplo, do embate entre Verstappen e Hamilton em Silverstone, quando o holandês vinha por fora, mas na linha mais rápida.

Em Monza, para conseguir mergulhar por fora, Verstappen precisava estar lado a lado ou até um pouco à frente durante o apex da curva 1 para poder reivindicar a curva 2. Por isso, era ele quem deveria ter evitado a batida ao desistir da manobra de ultrapassagem antes ou, ao ver que não teria espaço, ter desviado para fora da chicane, passando pelas lombadas internas, como Hamilton fez durante uma divida contra o próprio holandês, na primeira volta.

“Fica impossível passar por fora, então!”, alguém pode bradar. Negativo. Já vimos várias manobras por fora nas chicanes de Monza. No próprio domingo, na segunda variante, Hamilton ultrapassou Lando Norris na volta 24. Perceba pelos frames como a dinâmica é bem diferente, inclusive em relação à placa de 50 metros para a curva, observada pelos comissários no outro incidente.

1 – Hamilton já está lado a lado com Norris ainda na aproximação da curva / 2 – Hamilton chega à marca de 50 metros já à frente de Norris / 3 – Norris entra na curva meio carro atrás de Hamilton, sendo que o inglês, inclusve, já está mais perto da “linha ideal” da tomada / 4 – Hamilton contorna a primeira perna da chicane por fora e entra na segunda totalmente à frente, com direito de tomar o espaço e a posição (Reprodução/F1)

Punições e mais punições

O problema todo, como já dissemos diversas vezes aqui no Projeto Motor, é a questão de jurisprudência. No momento em que se pune qualquer lance em um campeonato, isso faz com que todos os outros incidentes dentro daquela temporada tenham que ser vistos da mesma maneira.

E no momento, a posição dos comissários da FIA tem sido de que na maioria dos casos, mesmo que não exista um culpado claro, sempre alguém merece uma penalização por não ter evitado o acidente. E como isso já foi feito durante 2021, seria até mesmo compreensível que alguém se sentisse prejudicado no caso de um oponente não ser julgado dentro deste padrão.

É chato que todo lance precise ter um culpado. Mas uma mudança agora só geraria mais discussão com um ou outro relembrando algum acidente recente. Agora, uma alteração nesse padrão teria que ficar para 2022 mesmo. Se isso realmente acontecer. Sendo assim, não existem muitos “lances de corrida”. A única torcida dos fãs é que não precisemos decidir um título na sala dos comissários.

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