Max Mosley foi presidente da FIA de 1993 a 2009
(HKG / Team Meritus /BMW AG)

Max Mosley: reformador e modernizador, mas autoritário e vingativo

Personalidade forte, inteligência, habilidade política e um gosto para batalhas de bastidores. Max Mosley foi certamente um dos dirigentes mais importantes da história da FIA e da F1. O inglês morreu no último dia 24 [de maio de 2021], aos 81 anos.

De família rica, Mosley nunca escondeu que acreditava e gostava de pensar que seu destino era na política. Ele se formou advogado em 1965, mas depois resolveu se dedicar a uma de suas paixões, o automobilismo, pela qual acreditava que poderia ganhar fama e abrir portas.  Era uma forma de escapar um pouco do passado de sua família, já que o meio do esporte a motor não se mostrou tão averso ao legado de seu pai, Sir Oswald Mosley, como no meio do direito e da política.

E conhecer a história de seu pai é importante para entender a criação da personalidade e pensamentos de Max. Oswald Mosley foi membro do parlamento do Reino Unido durante os anos 20, primeiro pelo Partido Conservador e depois como independente. Em 1931, ele foi um dos fundadores do Partido Novo, que passou a fazer oposição tanto aos Conservadores quanto aos Trabalhistas, mas foi acusado de cada vez mais assumir políticas e ideias fascistas, que estavam em crescimento na Alemanha e Itália.

Após ficar viúvo, ele se casou com sua amante, Diana Guinness, em uma cerimônia na casa do ministro da propaganda do governo nazista da Alemanha, Joseph Goebbels, e que teve Adolf Hitler como convidado de honra. Em 1932, após passar uma temporada de estudos na Itália com seguidores de Benito Mussolini, Oswald Mosley fundou a União Britânica dos Fascistas. O movimento defendia conceitos extremos de protecionismo, nacionalismo, anticomunismo e autoritarismo.

Com o racha do Partido Novo, ele passou a organizar marchas que se tornaram cada vez mais violentas, marcadas sempre pelas roupas pretas, e que inclusive tiveram como alvo bairros judeus. Mosley também tentou intermediar a paz entre o governo britânico e os nazistas durante a II Guerra, como um mediador propenso a conseguir alinhar os ingleses aos interesses de Hitler.

Com tais posicionamentos, ele chegou a ser preso a pedido do Serviço Secreto Britânico, que temia sua oratória e insurgência durante o período de batalhas contra a Alemanha nos campos europeus. Ele foi solto após o fim da Guerra e tentou um retorno à política através da formação de um novo movimento nacionalista e radical contra imigração. Não teve sucesso e se mudou para a Irlanda. Ele morreu em 1980, após lutar por anos contra o Mal de Parkinson.

E por que estamos contando toda essa história para chegar a Max Mosley? Por que além do contexto de sua criação, esse histórico do pai não só perseguiria o futuro presidente da FIA, como seria chave para sua queda, em 2009.

Entrada de Mosley no automobilismo

Assim como o pai, Max Mosley sonhava mesmo em entrar na política inglesa e fazer parte da Casa dos Comuns. Porém, tanto em sua carreira como advogado como nos bastidores políticos, seu sobrenome não ajudava.

Ele começou a se interessar pelo automobilismo após acompanhar um amigo a uma corrida em Silverstone. Ele tentou se tornar piloto, chegando até a correr na F2, em 1968, usando o dinheiro da família para comprar seus carros e formar sua própria equipe. Admitindo que não tinha talento e velocidade o bastante para alcançar o topo, resolveu fazer a primeira de muitas mudanças de lado que daria na vida. Assim, se juntou com Robin Herd, Alan Rees e Graham Coaker para formar a March. A marca carregava as iniciais de cada um dos sócios, em que Mosley era o “M” inicial.

A March Engineering se tornou uma importante construtora de chassis para diversas categorias, como a F2, F3, Can-Am, Indy, IMSA e até F1. Cada um dos sócios tinha uma expertise: Mosley cuidada do lado comercial e burocrático, Herd era o projetista, Rees administrava a equipe de corridas e Coaker, a produção na fábrica, localizada em Bicester, na Inglaterra.

A Tyrrell foi a primeira cliente da March na F1, conquistando pole e vitória com o modelo 701

De cara, o modelo 701 da empresa se mostrou bastante competitivo. A Tyrrell conquistou a pole do GP da África do Sul de 1970, com Jackie Stewart, na primeira participação do carro, e depois venceu a segunda, também com o escocês, na segunda. Mais duas vitórias viram em 1975 e 76, com Vittorio Brambilla e Ronnie Peterson, ambas sob operação da própria March.

Com o passar dos anos, no entanto, a equipe e seus carros deixaram de frequentar as primeiras posições. Mesmo assim, Mosley, usando sua esperteza e inteligência nas negociações, conseguia encontrar clientes para os carros, além de buscar patrocinadores para pilotos, o que rendia boas verbas.

Durante esse tempo como dirigente da March, ele conheceu Bernie Ecclestone, que nos anos 70 adquiriu a Brabham. Os dois se tornaram grandes amigos e parceiros quase inseparáveis em futuras batalhas pelo controle da F1. Após a morte de Mosley, o próprio Ecclestone admitiu que estava sentindo “como se tivesse perdido um irmão”.

Em 1974, junto com Colin Chapman (Lotus), Teddy Mayer (McLaren), Ken Tyrrell (Tyrrell) Frank Williams (Williams), eles formaram a FOCA (Associação dos Construtores da F1). A ideia era organizar as equipes nas discussões comerciais em torno da categoria com a FISA (braço esportivo da FIA que existia na época) e promotores dos GPs.

É importante destacar que, como já contamos em um artigo sobre o Pacto de Concórdia, até os anos 70, as corridas da F1 não tinham um padrão conjunto de organização. Os promotores locais pagavam uma taxa a pilotos e equipes e decidiam programação, entradas, venda de patrocínios, direitos de televisão e etc. O regulamento técnico, decidido de forma unilateral pela FIA, era a única obrigação a ser seguida.

A ideia da Foca era justamente organizar essa história e lutar por mais poder para as equipes, que, em sua visão, eram as maiores responsáveis pelo show, enquanto promotores e FISA eram mais agentes comerciais e regulatórios.

Percebendo que o movimento tinha potencial, Mosley vendeu sua participação na March ao final de 1977 e se tornou conselheiro legal da Foca em período integral. Ele e Ecclestone foram personagens fundamentais nos anos a seguir na enorme batalha entre a FISA e FOCA que durou até 1982.

Após a grande quebra de braço, Ecclestone e Mosley conseguiram para a Foca o controle comercial da F1 e impor uma organização padrão para os GPs. Esse movimento foi essencial para a profissionalização e aumento gigantesco das verbas de televisão que explodiram durante os anos 80. É possível dizer que a dupla acabou sendo responsável por moldar o que viria a ser a F1 moderna, em um formato que dura até os dias de hoje.

Apoiado e incentivado por Ecclestone, Mosley percebeu que poderia mais. E a partir de 1986, passou a organizar uma campanha para tentar a assumir a FIA, dirigida pelo francês Jean-Marie Balestre.

Um reformador na FIA

Em 1991, Mosley usou toda sua habilidade política e a ajuda do lobby comercial de Bernie Ecclestone, para vencer Balestre na eleição para a FISA. Dois anos mais tarde, já com apoio do próprio Balestre, ele fundiu de forma definitiva a FISA com a FIA e assumiu a presidência da federação. Neste período de transição, Ecclestone ainda se tornou vice-presidente de relacionamentos da FIA.

Seu passo seguinte foi a fusão com a Associação Internacional de Turismo (AIT), que organizava campeonatos de carros de turismo. Aos poucos, ele começou a dar mais força política para a FIA não só no mundo esportivo, como na política, ao ter peso em discussões com marcas do setor automotivo e, consequentemente, com governos de diversos países.

Com esse novo status, Mosley capitaneou negociações para regulamentações de segurança em carros de rua na Europa, conhecidas com Euro NCAP. Dentro das pistas, após as mortes de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger no GP de San Marino de 1994, também passou a impor uma reformulação completa de segurança na F1. Através da comissão formada por ele e liderada pelo médico Sid Watkins, os carros foram reformulados para protegerem mais os pilotos, o crash-test dos modelos foi alçado a novos padrões de exigência e o Hans foi incorporado como item de segurança obrigatória.

Max Mosley, durante etapa do Mundial de Turismo em Silverstone, em 200
Max Mosley, durante etapa do Mundial de Turismo em Silverstone, em 2007 (Foto: BMW AG)

Se tinha uma visão e objetivos que pareciam ajudar a F1 do ponto de vista comercial e de segurança, por outro lado, Mosley era constantemente criticado por sua forma autoritária e pouco democrática de administrar a FIA, sem ouvir os anseios e preocupações de equipes e outros envolvidos no Mundial.

Ao lado de Ecclestone, ele ajudou a aumentar o profissionalismo e fez da categoria uma das maiores e mais importantes ligas esportivas do mundo, com cifras enormes, mas também foi sob sua liderança que os custos do Mundial escalam de forma insustentável, gerando quebradeira geral de equipes pequenas e médias e quase inviabilizando a entrada de novos competidores. Isso fez com que a F1 praticamente se tornasse refém de investimento de montadoras nos anos 2000, o que geraria uma enorme crise no final da década.

A polêmica parceria de Mosley com Ecclestone

Se começaram suas carreiras como donos de equipes, Mosley e Ecclestone foram aos poucos migrando para o outro lado, um ajudando o outro. Ambos muito inteligentes, astutos e com talento para política, eles formaram uma dupla mortal para inimigos e tomaram conta da FIA no começo dos anos 90.

A ideia era que Mosley, advogado e que tinha aspirações políticas, passasse a controlar a parte de regulamentação, enquanto Ecclestone se tornasse o grande cabeça do lado comercial do negócio. O segundo, inclusive, trabalhou em diversos momentos para minar a internacionalização da Indy nos anos 90, categoria que não mantinha vínculo com a FIA e que era vista como uma potencial concorrente que poderia atrapalhar as negociatas cada vez mais inflacionadas dos acordos comerciais da F1.

Em 1995, como presidente da FIA, Mosley assinou um contrato com Bernie Ecclestone cedendo todos os direitos comerciais envolvendo a F1, em troca de uma fatia de 15% para entidade nos lucros. O acordo tinha validade de 15 anos e tinha como exigência que os direitos fossem devolvidos à FIA ao final do período. No ano seguinte, Mosley melhorou ainda mais o acordo, passando os direitos comerciais de todas as categorias sancionadas pela FIA a Ecclestone pelo menos período de 15 anos.

Esses contratos deixaram dirigentes das equipes furiosos, em especial Ron Dennis (McLaren), Frank Williams (Williams) e Ken Tyrrell (Tyrrell), que não achavam justo FIA e Ecclestone comercializarem os direitos sem anuência ou participação dos times. Assim, eles se recusaram a assinar o novo Pacto de Concórdia de 1997.

A Comissão de Competição Comercial da União Europeia investigou e considerou ilegal o acordo entre a FIA e Ecclestone. Paralelamente, uma corte local na Alemanha também demandou que os direitos do Campeonato Europeu de Caminhões fossem devolvidos ao organizador original, já que eles tinham sido repassados para Ecclestone no pacote de campeonatos sancionados pela FIA.

Ecclestone, Mosley, e Luca di Montezomolo, então presidente da Ferrari
Ecclestone, Mosley, e Luca di Montezomolo, então presidente da Ferrari

Após mais de um ano de discussões, um acordo foi feito em que Ecclestone teria que deixar seu cargo de vice-presidente da FIA e passaria a ser parte apenas pela empresa que recebia os direitos comerciais da F1. Mosley, usando seu conhecimento jurídico, argumentou então que em vez de um acordo de 15 anos, uma forma de não existir falta de competitividade no contrato seria de estender o período de cessão para 100 anos e retirar a FIA de qualquer negociação comercial. Desta forma, ele caracterizaria a ação como uma venda e não uma cessão.

A Comissão Europeia aceitou a proposta e Ecclestone passou a ser dono dos direitos comerciais da F1 (que incluem acordos de transmissão, mídias digitais, patrocínios e etc) até 2101. Com ajuda da Ferrari, Ecclestone conseguiu negociar com a maior parte das equipes um novo Acordo de Concórdia, que passava a incluir pagamentos anuais para os times. McLaren e Williams, a princípio, ficaram de fora, mas enfraquecidas politicamente, tiveram que no final das contas aceitar as novas condições.

Estes acordos se tornaram a base para depois a F1 se tornar uma empresa independente. Ecclestone dividiu suas participações em diversas empresas, vendendo aos poucos para fundos de investimentos, em especial o britânico CVC, que passou a ser majoritário, mas que aceitava mantê-lo na presidência da companhia. Isso acabaria apenas em 2017, quando o CVC repassou sua participação para o Grupo Liberty.

Escândalo e queda de Mosley

Em seus anos de presidência da FIA, Mosley fez alguns inimigos por conta de sua forma pouco democrática de conduzir a administração. Um, no entanto, se tornou um antagonista de destaque: Ron Dennis.

O dirigente da McLaren nunca aceitou bem os acordos comerciais feitos entre Mosley e Ecclestone e entrava em rota de choque com Mosley sempre que podia. Em 2007, no entanto, isso se tornou um grande problema para ele. O Spygate, já explicado aqui no Projeto Motor em vídeo (abaixo), se tornou a possibilidade perfeita de Mosley para uma vingança.

A McLaren foi pega em um esquema de espionagem e uso de propriedades intelectuais da Ferrari. Algo parecido já tinha acontecido antes, porém, a FIA resolveu fazer do time inglês um novo modelo de punição. E não aliviou. O time foi desclassificado do campeonato de construtores daquele ano e ainda recebeu um multa de U$ 100 milhões. Um recorde longe de qualquer coisa vista na F1 antes.

Assim como parte do paddock, Dennis acreditou que o tamanho da punição foi desproporcional pelo seu ineditismo e tinha cunho de perseguição pessoal de Mosley.

No meio de tudo isso, o dirigente ainda tentava lidar com outros problemas. Diante da crise mundial iniciada em 2007 e que se tornou um furacão econômico em 2008, Mosley percebeu que a F1 corria sérios riscos. Os custos estavam altos demais, o que espantavam novos competidores, e os cortes no setor de marketing de patrocinadores e montadoras deixaram o campeonato quase insustentável.

Assim, ele chamou as equipes e resolveu tentar liderar uma reforma para baixar de forma drástica os custos. Insatisfeito com as propostas, ele resolveu conduzir de forma unilateral as mudanças, com alterações no regulamento técnico e a imposição de um teto orçamentário de 40 milhões de libras. Ele ainda abriria uma concorrência para a entrada de três novas equipes no grid. Suas ideias deixaram as equipes do grid em polvorosa, principalmente as maiores, que gastavam até quatro vezes mais do que o proposto. Foi a abertura de uma nova Guerra Política na F1.

E aí veio a primeira bomba contra Mosley. No meio de tanta confusão, o tabloide inglês “News of the World” publicou um vídeo de Max Mosley em uma orgia sadomasoquista. O que mais chamou a atenção, no entanto, foi a temática nazista, com mulheres e ele mesmo usando indumentárias que faziam alusão ao regime de Hitler, incluindo a suástica. Lembra aquele passado do pai de Mosley que contamos no começo do texto? Então, ele voltou para assombrar o dirigente como nunca.

O mundo se voltou contra Mosley, que mesmo recebendo críticas de todos os lados, não desistiu de terminar seu mandato na FIA e de conduzir suas reformas na F1. Em uma reunião extraordinária do Conselho Mundial da entidade, ele conseguiu se manter no cargo. A decisão revoltou diversas entidades, como a ADAC (da Alemanha) e AAA (dos EUA), que ameaçaram se desfiliar da FIA.

No segundo semestre, diversos dirigentes de equipes de F1, aproveitando o momento fraco de Mosley, chegaram a anunciar o lançamento de uma categoria paralela. O Grupo CVC, então proprietário dos direitos comerciais, pediu então para que Ecclestone intervisse e desse um jeito na crise.

Junto com Luca di Montezemolo, presidente da Ferrari e também um habilidoso político, Ecclestone costurou um acordo para tranquilizar as equipes em que Mosley também teve a chance de encerrar seu mandado à frente da FIA, em 2009. O teto orçamentário do dirigente deixou de existir, mas as equipes do grid aceitaram contribuir com apoio técnico com as novatas de 2010, em história que já contamos aqui no Projeto Motor.

E assim, após três reeleições e 16 anos à frente da FIA (além dos dois em que liderou a FISA), Mosley deixou o mundo do automobilismo por baixo e, de certa forma, até humilhado perante a opinião pública.

Ele gastou os anos seguintes em batalhas judiciais contra a publicação do vídeo de sua orgia e indenizações, vencendo uma ação contra o “News of The World” de mais de 500 mil libras. Ele também financiou campanhas por mais regras e leis que defendam a privacidade, que ganharam apoio de artistas que também tiveram problemas com tabloides na Inglaterra.

Mesmo assim, Mosley nunca mais conseguiu recuperar sua reputação, se tornando quase que um pária para a maioria das pessoas envolvidas no automobilismo. Deixou um legado de reformas importantes, porém, sua mente sempre voltada para a conquista de poder absoluto e espírito extremamente vingativo acabou deixando marcas impossíveis de serem apagadas de sua história.

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