Como três novatas entraram na F1 em meio a uma grande guerra política

Entre 2009 e 2010, a F1 viveu uma movimentação bastante intensa entre seus participantes. Três novas equipes foram aceitas no grid, em um movimento que não já não era mais tão comum. A entrada desses concorrentes, porém, tinha um pano de fundo muito maior, com uma enorme briga política que envolvia alguns dos principais times do grid, como Ferrari, McLaren, Renault e Red Bull, contra o então presidente da FIA, Max Mosley.

Com a crise econômica mundial de 2008 ainda causando impactos no setor automotivo, diversas montadoras resolveram deixar o campeonato. E Mosley, que já vinha em uma árdua luta contra os grandes times, resolveu aproveitar a deixa para enfrentar seus inimigos políticos e se impor na regulamentação do campeonato.

Para diminuir o poder desses concorrentes mais fortes, ele resolveu tentar uma manobra drástica para acabar com os altos orçamentos dos principais competidores. Na opinião dele, os valores gastos pelas grandes equipes estavam deixando a F1 impraticável para organizações que não tivessem o apoio de grandes marcas.

Por um lado, Mosley até tinha certa razão se olharmos para o que aconteceu na F1 durante a década seguinte. Na época, ele tentou forçar um teto orçamentário de U$50 milhões, cerca de 10 vezes menos do que concorrentes como Ferrari, Toyota e até mesmo a Red Bull vinham gastando. McLaren também tinha um dos grandes orçamentos da época. Não deixa de ser curioso como 11 anos depois, o tal teto orçamentário está finalmente entrando em vigor.

Só que ficou bastante claro que mais do que qualquer intenção, o problema da política de Mosley na época foi de impor ideias – algumas, por mais que tivessem boas intenções, eram extremamente duras e revolucionárias – sem uma costura com as equipes. A começar, quase todas as medidas foram definidas entre o final de 2008 e o começo de 2009 já pensando em 2010, sem um período de preparação ou de transição.

A Fota (Associação dos Times da F1)  vinha desde o final de 2008 trabalhando em um documento que iria sugerir uma forma de corte de custos sem o teto. No caso da limitação de gastos, nem todos os times eram exatamente contra, mas imaginavam um valor mais alto, acima dos U$ 100 milhões, e que fosse introduzido aos poucos. Mas Mosley não queria nem saber e avisou no começo de 2009 que iria em frente com a ideia, que algum tempo antes parecia algo impensável.

E entre uma das várias ações que Mosley promoveu foi, dentro da promessa do teto orçamentário, abrir uma concorrência para novos times que entrariam já em 2010 na categoria. O processo seria finalizado em junho e as novas organizações teriam praticamente sete meses para construírem seus carros, fechar acordos de fornecimento, parcerias comerciais e técnicas para estarem no grid.

Não parecia um tempo razoável, o que já indicava que dificilmente essas novas equipes seriam competitivas no curto prazo. E foi o que acabou acontecendo. Uma das equipes escolhidas, a USF1, sequer estreou. A Campos Meta foi vendida semana antes da estreia por também não ter condições financeiras de correr, e se tornou a HRT. Lotus e Manor até conseguiram esticar um pouco mais suas vidas no grid, mas fecharam suas operações em 2014 e 2016, respectivamente. Essa última, foi a única a conquistar pontos. Três. Eles vieram com um nono lugar de Jules Bianchi no GP de Mônaco de 2014, quando o time corria sob o nome de Marussia, e o décimo de Pascal Wehrlein no GP da Áustria de 2016.

“Mas você não disse que eram três equipes novas? Por que citou quatro?”, deve estar se perguntando o leitor. Bem, no meio da confusão de 2009, BMW e Toyota resolveram deixar a F1 e assim, mais uma vaga se abriu. A FIA foi na lista de espera e chamou a Lotus, tinha por trás um empresário malaio sem ligação com a antiga equipe de Colin Chapman.

A guerra de Mosley com as equipes

Mosley já vinha em pé de guerra com as grandes equipes desde pelo menos 2007, principalmente pela sua maneira de tocar reformas de regulamento e sempre tentar restringir cada vez mais o desenvolvimento. Em 2008, ele já começou a falar em teto orçamentário, o que causava calafrios nos times de ponta.

Em março de 2008, ele se envolveu em um escândalo sexual, quando o tabloide inglês News of the World publicou uma reportagem com fotos de Mosley em uma orgia. Para piorar, existia a alegação de que os participantes usavam símbolos nazistas. E tinha mais: foi lembrado o histórico da família do dirigente, pois seu pai, Oswald Mosley, foi líder de um movimento dos anos 30 chamado União Britânica de Fascistas.

Isso tudo fez com que Mosley se tornasse alvo por todos os lados. E os times, pensando no que poderiam enfrentar nos meses por vir para barrar o dirigente, resolveram se juntar e fundaram a Fota, uma espécie de sucessora da Foca, entidade das equipes dos anos 80 que rachou com a FIA.

Só que em vez de arrefecer diante das equipes, Mosley partiu para o ataque. E no começo de 2009, ao não considerar as medidas de corte de custos propostas pela Fota suficientes, ele resolveu impor quase que a força suas ideias, com apoio do Conselho Mundial da FIA. A bomba estourou na reunião do Conselho Mundial da FIA do dia 17 de março, em que o presidente da entidade conseguiu articular politicamente para que todas as propostas da Fota foram rejeitadas e as de Mosley, aprovadas

O que mais irritava as equipes era a ideia do teto orçamentário já para 2010 e extremamente baixo em relação ao que elas praticavam na época, pois elas teriam que fazer cortes repentinos e uma diminuição enorme de custos que não estavam previstos. No meio disso tudo, começou ainda a concorrência para as novas equipes.

As três eleitas, Campos Meta, Manor e USF1 foram anunciadas em 12 de junho de 2009. Participantes preteridas como a italiana N.Technology, a sérvia Stefan Grand Prix e a inglesa Prodrive reclamaram do processo alegando que a FIA escolheu apenas times que se comprometeram com o motor Cosworth. As três tinham outros planos em negociações que fornecedoras que já estavam no campeonato. Teoricamente era uma forma de enfraquecer o peso das montadoras ao incentivar o uso de um pacote independente, porém, a informação foi rejeitada pela FIA.

A N.Technology chegou a entrar com uma ação contra a FIA em Paris e a Stefan GP foi à Comissão Europeia alegando que o processo da entidade violou leis de não competição no continente. Nenhuma das duas, no entanto, teve sucesso em suas reclamações.

Em um segundo momento, com o anúncio da BMW que deixaria a F1, a entidade ainda abriu mais uma vaga, ocupada pela Lotus, uma iniciativa do empresário malaio Tony Fernandes com autorização da Proton, construtora de carros malaia que era proprietária da marca inglesa. A Sauber acabou mantendo a inscrição da montadora alemã, mas a Toyota também saiu, mantendo o número de equipes em 13.

Um dos embates era também pela assinatura do novo Pacto de Concórdia. Querendo peitar Mosley, as equipes se juntaram na FOTA e anunciaram que boicotariam as inscrições para a o campeonato de 2010. Williams e depois Force India acabaram se alistando no Mundial e foram suspensas da associação.

Durante o GP da Grã-Bretanha, em junho, a Fota, que tinha como principal porta voz Flavio Briatore, chefe da Renault, chegou a anunciar uma nova categoria concorrente à F1, abrindo a chance para um racha ao estilo da Indy em 1996 entre IRL e CART. Duas semanas depois, os representantes da Fota deixaram uma reunião sobre futuras regras da F1 ao serem informados que por não estarem inscritos, não tinham voz sobre decisões.

Naquele momento, a FIA alegava que existiam seis equipes inscritas para o Mundial: as novatas Campos Meta, Manor e USF1, as duas já existentes Williams e Force India, que se inscreveram voluntariamente, e [na marra] Ferrari, Red Bull e Toro Rosso, que tinham contratos comerciais assinados que as obrigavam a correr até 2012. Brawn GP, McLaren, Renault e Toyota estavam fora.

Acordo para paz na F1 e queda de Mosley

No final de julho, era difícil saber até se existiria F1 em 2010. Pressionado pelo fundo CVC, que na época era dono da empresa proprietária dos direitos comerciais da F1, Bernie Ecclestone resolveu entrar na discussão de forma mais contundente para apaziguar os ânimos.

O presidente da Ferrari, Luca di Montezemolo, era o elo político da Fota e fez o trabalho de bastidores junto a Ecclestone e Mosley. Depois de muita conversa, as equipes assinaram um novo Acordo de Concórdia que promovia um redesenho da governança da categoria para as mudanças de regras, o que em teoria deveria manter uma maior estabilidade técnica e política.

As inscrições das equipes novatas seriam aceitas, porém, o teto orçamentário seria descartado. Em troca, as equipes existentes iriam avaliar formas de ajudar tecnicamente os novos times. Além disso, medidas de corte de custos seriam adotadas, como a limitação de funcionários das equipes nas corridas e até mesmo nas fábricas, padronização de alguns equipamentos, banimento do reabastecimento, entre outros. O fim dos testes particulares durante o ano e o fechamento das fábricas nas férias de agosto, ambas ações para desacelerar o desenvolvimento, também seriam mantidos.

O ponto principal, no entanto, era que para a paz acontecer, Max Mosley não deveria se candidatar para uma reeleição a presidente da FIA em outubro de 2009. O inglês concordou e deixou o cargo ao final daquele mandato, substituído por Jean Todt.

Desta forma bastante atabalhoada, a F1 ganhava três equipes completamente novas para 2010. É bom ressaltar que elas não vinham de espólios ou compras de outros times, mas organizações erguidas do zero, em um período bastante curto. E mais: elas enfrentariam um cenário bastante diferente ao qual se candidataram, já que o teto orçamentário de U$ 50 milhões não existiria. Ou seja, não era uma situação exatamente fácil.

Vamos abordar como cada time nasceu, a estrutura e o que aconteceu com eles em novo artigo ainda esta semana. Fique ligado no Projeto Motor!

Série Novatas de 2010
2 – USF1: a ideia de montar um time americano que virou vexame

3 – Campos-HRT: problemas antes da estreia e fundão cativo
4 – Lotus-Caterham: muita briga na justiça, pouco resultado na pista

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