USF1: a ideia de montar um time americano que virou vexame | Novatas de 2010
Contamos em uma matéria na última semana a história da guerra política que envolveu, entre outros fatores importantes, a ideia de se abrir uma concorrência para a entrada de novas equipes na F1 para a temporada de 2010. Uma das organizações escolhidas no processo seletivo da FIA foi a USF1, uma iniciativa do jornalista inglês Peter Windsor e o engenheiro americano Ken Anderson.
A ideia “genial” deles era tentar buscar patrocinadores nos Estados Unidos para uma equipe com a inscrição e a marca do país. Em um segundo momento, foi revelado ainda que o empresário americano Chad Hurley, cofundador e ex-CEO do Youtube, era um dos principais investidores do time.
Só que a USF1 não conseguiu nem usar a desculpa da queda do teto orçamentário para um mal desempenho, pois a equipe sequer participou do campeonato. Após ficar quase um ano soltando notícias sobre sua evolução e lutando contra o ceticismo de quase todos que acompanham a F1 e o automobilismo, a organização acabou admitindo duas semanas antes da abertura da temporada de 2010 que não iria correr por falta de recursos. Ou até mesmo de um carro.
Nenhum dos envolvidos chegou a participar pessoalmente de algum comunicado ou explicar os problemas. A FIA basicamente publicou uma nova lista de inscritos sem o time. E a verdade é que o sumiço da USF1 antes mesmo de um carro completo e funcional ser apresentado não surpreendeu ninguém. Desde o começo, Windsor e Anderson falharam em atrair alguma credibilidade para o projeto e, consequentemente, dinheiro.
O nascimento do projeto USF1
Já fazia algum tempo que se falava no paddock da F1 que a categoria precisava de um participante americano. Fosse um piloto ou uma equipe. Como já explicamos o contexto, entre a virada de 2008 para 2009, o presidente da FIA da época, Max Mosley, resolveu tocar a ideia de um teto orçamentário de U$ 50 milhões na F1. Windsor e Anderson, que já vinham conversando há alguns meses sobre a possibilidade de montarem uma equipe na F1, resolveram aproveitar a chance.
Peter Windsor é um jornalista que começou a cobrir o Mundial no final dos anos 70 pela revista Car Competition e depois pela tradicional AutoCar. Em 1985, ele foi contratado pela Williams para fazer uma espécie de relações públicas com patrocinadores e administrar esses contratos. Windsor estava no carro do acidente que deixou Frank Williams paralítico, no começo de 1986, quandos ambos viajavam no sul da França, próximo a Nice. Ele, no entanto, sofreu apenas lesões menores.
Três anos depois, ele foi contratado pela Ferrari para ser administrador geral de uma base que a equipe italiana resolveu montar na Inglaterra. Isso durou até 1991, quando, acompanhando seu amigo Nigel Mansell, ele retornou à Williams como administrador geral da equipe.
No final daquela década, Windsor voltaria a ficar do outro lado da mesa, cobrindo como jornalista a F1, principalmente para veículos americanos. Ele nunca escondeu, no entanto, seu sonho de estar à frente de uma equipe. E ele acreditou que com Ken Anderson, poderia realizar esse desejo.
Anderson começou seu envolvimento no esporte a motor através do motocross. Um amigo deste círculo era Roger Mears, irmão do recordista de vitórias das 500 Milhas de Indianápolis, Rick Mears. Através deles, ele conheceu o dono da Penske, Roger Penske, que acabou o contratando para trabalhar em sua equipe na Indy em 1984.
Anderson foi engenheiro de corrida de Mears entre 1985 e 88. Na época, a Penske tinha um acordo para usar o túnel de vento da Williams, o que levou Anderson a fazer um trabalho pontual para ajudar a equipe de F1 a desenhar uma nova suspensão. Os contatos se abriram e ele foi contratado pela Ligier como novo diretor técnico em 1988, se tornando responsável pelo projeto do novo modelo JS33. Depois, ele ainda passaria pela Onyx até voltar aos EUA para trabalhar na Chip Ganassi no começo dos anos 90.
Ele seguiu na Indy por mais de dez anos, desenhando inclusive chassis G Force da IRL na segunda metade dos anos 90 e depois os Falcon em 2002. Em 2003, ele foi contratado pela Haas para trabalhar na Nascar até 2008, quando ele resolveu entrar de cabeça no projeto da USF1 com Windsor.
A ideia dos dois era simples: montar um time com um apelo total ao nacionalismo americano para tentar levantar atenção da mídia e de patrocinadores. Além do nome, o time carregaria as cores vermelha, azul e branco da bandeira e teria sua sede principal em Charlotte, na Carolina do Norte, estado das principais organizações da Nascar. O prédio da fábrica, inclusive, era utilizado anos antes pela Joe Gibbs Racing.
O anúncio da iniciativa aconteceu em 24 de feveriro de 2009 no canal Speed Channel nos EUA. Em junho, junto com Campos Meta e Manor, a USF1 recebeu uma das vagas da concorrência da FIA para 2010, mesmo possuindo quase nenhuma estrutura, histórico e sem comprovar que tinha um orçamento competitivo.
Originalmente, Windsor e Anderson falavam que tinham a intenção de terem dois pilotos americanos em seus carros. Como nenhum nome relevante deu muita bola ou sequer aceitou começar a conversar, essa ideia logo caiu por terra. Pior, com o passar do tempo, poucas empresas locais mostraram interesse em injetar dinheiro no projeto, mesmo depois da revelação de que Chad Hurley era um dos investidores por trás da equipe. Isso fez com que o time precisasse olhar logo de cara para pilotos que topassem pagar para correr na F1, algo que dificilmente eles encontrariam nos EUA.
Combatendo o descrédito pelas redes sociais e a caça por dinheiro
Hoje, parece algo óbvio, mas na época era difícil ver uma equipe da F1 usar decentemente a internet e as redes sociais. A USF1 trabalhou bastante neste campo para tentar afastar as dúvidas que existiam sobre sua capacidade de estar no grid. Muito provavelmente sob aconselhamento de Hurley. O time americano nasceu já com conta no Twitter e um canal no Youtube, o que era impensável na época. Curiosamente, ambos ainda estão ativos até hoje, apesar de serem atualizados desde fevereiro de 2010.
E usando esses recursos, a equipe tratou de propagandear sua fábrica e até publicou vídeos mostrando partes de um carro de F1 sendo construído. Pelo menos, em teoria. Muito disso, na verdade, era para tentar atrair patrocinadores e a atenção de pilotos pagantes.
O chassi USF1 Type 1 usaria um pacote convencional das estreantes de 2010, com motor Cosworth. A equipe chegou a anunciar que seria a única das novatas a desenhar sua própria caixa de câmbio, já que os outros times planejavam comprar o item de alguma outra escuderia, algo permitido no regulamento.
Em 21 de novembro de 2009, foi revelado no site do piloto argentino José María López que ele estava fechando um contrato com a USF1. Incrivelmente, a tal equipe que representaria os Estados Unidos na F1 receberia um aporte de U$ 8 milhões do governo argentino. O acordo foi completado e confirmado pelo time em 22 de janeiro, com o pagamento efetuado. A presidente Cristina Kirchner chegou a receber o piloto e Windsor na Casa Rosada em evento para celebrar a novidade, bancada com verba estatal.
O piloto tinha uma passagem na GP2, que fazia o papel da atual F2, com uma vitória e seis pódios. Em 2008, ele se sagrou campeão da TC2000, principal campeonato argentino de turismo.
O ex-piloto de testes da Honda, o inglês James Rossiter, também assinou um acordo em dezembro com a USF1 pelos menos valores, mas não chegou a ser anunciado porque não conseguiu realizar o pagamento antes da desistência da equipe.
O colapso da USF1 antes mesmo da estreia
Apesar do uso frequente das redes sociais, a USF1 nunca conseguiu afastar as dúvidas em torno de sua participação. Em dezembro de 2009, até mesmo Bernie Ecclestone se disse cético quanto a possibilidade da equipe estar na abertura do campeonato, marcada para 14 de março, no Bahrein.
O anúncio de que o time não iria participar da pré-temporada em Barcelona durante o mês de fevereiro fez a situação piorar ainda mais. Os poucos investidores e potenciais patrocinadores resolveram pular fora do barco.
No dia 18 de fevereiro, de forma quase que infame, o perfil da USF1 no Twitter publicou a mensagem: “O servidor de internet da USF1 caiu e está sendo reparado enquanto isso está sendo escrito. Não fomos embora, como muitos noticiaram. Mais notícias em breve”.
No dia 20, Ken Anderson admitiu que a equipe tinha feito um pedido à FIA para perder as quatro primeiras corridas da temporada e estrear apenas na Espanha. Alguns dias depois, a pedido da FIA por conta dos crescentes boatos, Charlie Whiting, diretor técnico da entidade, foi a Charlotte inspecionar as instalações da equipe. E ficou chocado. Ele logo emitiu um relatório afirmando que o time não tinha condições de competir em 2010.
Reportagens começaram a surgir com fontes anônimas de dentro da equipe sobre como a administração de Anderson e Windsor falhou, principalmente pela forma centralizadora como o engenheiro queria trabalhar, o que causou atrasos e mais atrasos no projeto.
Anderson e Hurley, que seguia como o sócio que colocou algum dinheiro, pediram à FIA para a entrada da USF1 fosse adiada para 2011. O empresário tentou neste meio tempo um acordo para fundir o time com a sérvia Stefan GP, que tinha sido preterida na concorrência pela vaga no grid. A FIA, no entanto, respondeu que para 2011, teria que abrir um novo processo sem garantias.
Sem mais opções, em 2 de março, apenas 10 dias antes do primeiro treino livre do Mundial, a USF1 dispensou todos seus funcionários da fábrica e comunicou María Lopez que ele estava livre para fechar com algum outro time. No dia seguinte, a FIA publicou uma nova lista de inscritos para a temporada de 2010 sem a precisa da equipe americana.
Mais tarde, em junho de 2010, o Conselho Mundial da FIA realizou uma audiência sobre o caso. A USF1 foi multada em €309 mil e banida de qualquer outra competição sancionada pela entidade. Desta forma, era colocada a pedra final sobre o caixão do time.
Continuaremos nos próximos dias publicando textos da série sobre as equipes de novatas de 2010. Acompanhe o Projeto Motor para não perder!
Série Novatas de 2010
1 – Como três novatas entraram na F1 em meio a uma grande guerra política
3 – Campos-HRT: problemas antes da estreia e fundão cativo
4 – Lotus-Caterham: muita briga na justiça, pouco resultado na pista
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