Caterham passou cinco temporadas pela F1 sem nenhum ponto
(Foto: Arquivo Caterham F1)

Lotus-Caterham: muita briga na justiça, pouco resultado na pista | Novatas de 2010

Das equipes que estrearam em 2010 na F1, não existe muita dúvida que as que tinham a melhor estrutura eram a Lotus (que mais tarde se tornaria a Caterham) e a Manor (que mudou de nome várias vezes, entrando na categoria como Virgin e depois levando a marca da Marussia). Nenhum dos dois times, porém, conseguiu evoluir muito dentro do grid, o que se tornou uma grande decepção principalmente para o proprietário da primeira, o malaio Tony Fernandes, que investiu quantias consideráveis na estrutura de sua nova equipe.

Fernandes era um empresário de bastante sucesso com sua empresa aérea AirAsia, que voa principalmente no sudeste asiática. Ele também é o fundador do Tune Group, companhia de entretenimento que cobre na mesma região.

Assim como suas adversárias estreantes, a Lotus Racing sofreu com a falta de tempo para criar sua própria estrutura e depois para se desenvolver. Fernandes, aos poucos, um grande entusiasta, foi perdendo o apetite com essa falta de evolução.

A equipe, que mudou de nome para Caterham no meio do caminho, durou cinco temporadas sem nunca marcar sequer um ponto. Ela se tornou uma eterna promessa que nunca conseguiu entregar o que parecia ter de potencial. No final das contas, o time é sempre mais lembrado pela sua emblemática batalha pelo seu próprio nome, que chegou a ir parar nos tribunais ingleses.

Série Novatas de 2010
1 – Como três novatas entraram na F1 em meio a uma grande guerra política

2 – USF1: a ideia de montar um time americano que virou vexame
3 – Campos-HRT: problemas antes da estreia e fundão cativo

O começo do projeto Lotus Racing

Durante a concorrência da FIA realizada em 2009, a equipe de F3 Litespeed entrou com uma candidatura para correr com o nome Lotus, em uma parceria com a empresa de projetos MGI, do engenheiro Mike Gascoyne, ex-Renault e Toyota. Ela não foi uma das escolhidas no anúncio inicial em junho, mas com a chance de novos times serem puxados por conta de desistências, ela seguiu de olho na oportunidade.

Só que com a oficialização de que o teto orçamentário idealizado por Max Mosley para 2010 não entraria mais em vigor, a Litespeed resolveu desistir e entrou em acordo com Tony Fernandes para vender seu lugar na fila. Com a desistência da BMW no segundo semestre de 2009, a FIA chamou o malaio, que tinha entrado com o projeto de equipe 1Malaysia F1 Team.

Fernandes gostou da ideia de apostar na tradição do nome de Lotus e foi atrás da Proton, montadora estatal malaia que era proprietária na época da Lotus Cars, a empresa de carros de rua fundada por Colin Chapman. Assim, com apoio do governo, ele recebeu a permissão para entrar na F1 com o nome Lotus Racing.

O malaio aproveitou que Gascoyne já estava com um projeto inicial encaminhado e também o trouxe para a empreitada. Fernandes comprou uma fábrica em Norfolk, na Inglaterra, na mesma região da antiga fábrica da Lotus, para ser sede do time. Na época do lançamento, a organização chegou a anunciar que a estrutura de projeto, pesquisa e desenvolvimento seria em um segundo momento transferida para a Malásia, dentro do circuito de Sepang, mas a iniciativa nunca foi para frente.

Com financiamento, uma marca forte e bons nomes na área técnica e administrativa, a Lotus rapidamente se ergueu. A aposta para pilotos foi nos experientes Jarno Trulli e Heikki Kovalainen, que tinham perdido suas vagas na Toyota e McLaren no ano anterior.

Na pista, o time ficou longe das equipes estabelecidas, porém, quando não sofria problemas mecânicos, liderava com certa constância o bloco das estreantes, batendo a Virgin e a HRT. No final do ano, mesmo sem pontos, um 12º de Kovalainen garantiu a décima posição no campeonato de construtores.

O lugar valeu uma vitória para Tony Fernandes na aposta contra Richard Branson, dono da Virgin. Os dois tinham acertado no começo do ano que quem ficasse atrás naquele ano teria que fazer um voo na companhia aérea do outro vestido de aeromoça e servindo os passageiros. Branson pagou a aposta apenas em 2012.

Luta pelo nome Lotus e a mudança para Caterham

Durante a temporada de 2010, a Proton se mostrou publicamente incomodada com a falta de desempenho da equipe de Fernandes. Além disso, começou a crescer dentro da companhia malaia a vontade de voltar a impulsionar o nome Lotus, que vinha adormecido, tanto dentro do esporte quanto fora.

Assim, após diversas discussões, em setembro de 2010, a Proton emitiu um comunicado afirmando que ia encerrar o contrato de licença para uso da marca Lotus por Tony Fernandes. Só que do outro lado, o empresário não ficou muito satisfeito com isso, alegando tudo estava acontecendo apenas porque a Proton queria o nome de volta para investir no automobilismo, algo que eles não faziam desde que tinham comprado a Lotus Cars.

Em uma jogada que colocou mais fogo na discussão, Fernandes anunciou no final de setembro que comprou a marca “Team Lotus”, que era a original utilizada pela equipe de F1 de Colin Chapman, e que estava sob propriedade de David Hunt, irmão do campeão mundial James Hunt. O inglês tinha adquirido o nome em 1994, quando time deixou de existir dentro das pistas. A marca estava fora dos ativos adquiridos pela Proton da Lotus Cars, que era basicamente a companhia de carros de rua.

A Proton, por outro lado, ameaçou Fernandes com uma ação legal, dizendo que era dona da Lotus e ponto final. O empresário, mesmo assim, não recuou, e registou a inscrição para 2011 de seu novo Team Lotus.

Para piorar a situação e corroborar com a teoria de que a Proton estava planejando algo a mais para a marca Lotus, ela anunciou em dezembro um patrocínio em que comprava o nome da equipe Renault, que na época, apesar de carregar a nomenclatura da montadora francesa, estava sob administração do fundo Genii Capital, de Luxemburgo. Assim, o time entraria em 2011 com a inscrição de “Lotus Renault GP”.

Entre as duas temporadas, a discussão seguiu com acusações sobre os direitos da marca Lotus. Em 23 de dezembro, a família de Colin Chapman, o que incluía o filho Clive e a viúva Hazel, fizeram um comunicado afirmando que apoiavam a Proton e o Grupo Lotus na briga, e pedindo que o nome “Team Lotus” não fosse mais utilizado na F1.

A briga foi para os tribunais e em janeiro de 2011 e a Alta Corte Britânica marcou um julgamento para 21 de março. Sem uma decisão logo antes do início da temporada, isso resultou que a F1 tivesse duas equipes com o mesmo nome no grid: o “Team Lotus” e a “Lotus Renault”.

A briga se estendeu até o final de maio, quando a Corte definiu que Fernades tinha o direito de usar o nome e a logo do “Team Lotus”, mas que, por outro lado, o nome e marca “Lotus” isolados eram de propriedade exclusiva da Proton. Assim, o empresário ainda teve que pagar uma indenização pela utilização de “Lotus Racing” no final de 2010, quando sua licença já tinha sido suspensa. Ou seja, no final das contas, a situação continuaria a mesma.

Paralelamente, Fernandes adquiriu a montadora inglesa Caterham, que começou sua existência com carros projetados pela Lotus nos anos 70. Em novembro de 2011, ele então entrou com o pedido de inscrição para o campeonato de 2012 da F1 como Caterham F1 Team, encerrando a disputa.

Em 2011, a F1 teve duas equipes chamadas Lotus na pista. O "Team Lotus" acabou mudando para Caterham em 2012
Em 2011, a F1 teve duas equipes chamadas Lotus na pista. O “Team Lotus” acabou mudando para Caterham em 2012 (Foto: Renault)

Na pista, problemas persistiam

Enquanto a briga pela marca Lotus seguia fora da pista, o rendimento do “Team Lotus” de Tony Fernandes em 2011 ainda era bem fraco dentro. O time seguiu liderando o “bloco das novatas”, porém, não evoluiu em relação aos times consolidados. Os pontos ainda eram um sonho distante, mesmo com o investimento para passar a contar com o motor Renault no lugar dos Cosworth.

Em 2012, a sede da equipe foi transferida para Leafield, em uma fábrica que já tinha sido utilizada antes por Arrows e Super Aguri e foi reformada por Fernandes. Trulli foi substituído por Vitaly Petrov entre os pilotos. Sob seu novo nome de Caterham, alguns momentos sugeriram alguma evolução para a equipe, com Kovalainen passando duas vezes ao Q2 nos GPs do Bahrein e da Europa, em Valência. Só que mesmo assim, pontuar ainda parecia algo distante.

No ano seguinte, Cyril Abiteboul se tornou o chefe da equipe, vindo da divisão de motores da Renault. A fábrica também ganhou mais investimento, seguindo o processo de constante melhoria da estrutura. Só que na pista, a coisa continuou ruim.

Sem a HRT na briga, a Caterham ficou na última posição no campeonato de construtores, atrás da Marussia (novo nome da Manor/Virgin). As duas acabaram zeradas nos pontos e a Caterham até tinha um carro mais rápido do que a rival no geral, porém, um 13º lugar de Bianchi em Sepang para a Marussia garantiu a posição na classificação geral.

A falta de resultados após tanto investimento começou a incomodar Fernandes. E ele não escondeu seu descontentamento. Ele avisou os dirigentes que se em 2014 o desempenho não começasse a melhorar, ele iria considerar encerrar seu envolvimento.

Só que a situação piorou. E o balde de água fria foi quando a Marussia, principal rival, marcou seus primeiros pontos na F1 com um nono lugar de Jules Bianchi no GP de Mônaco. Em sua quinta temporada de F1, ser deixado para trás e continuar sem pontos foi o bastante para Fernandes.

Em junho de 2014, o malaio anunciou que estava vendendo a equipe de corrida para um consórcio de investidores da Suíça e Oriente Médio, que eram aconselhados por Colin Kolles, ex-chefe da HRT. O ex-piloto Christijan Albers assumiu no GP da Grã-Bretanha como chefe de equipe, enquanto Abiteboul seguiu para a Renault.

O fim da equipe Caterham e mais briga na justiça

Os novos donos da equipe Caterham não quiseram investir tanto no time. De cara, mais de 40 funcionários foram demitidos da fábrica, o que gerou um passivo trabalhista na justiça. Apenas algumas semanas depois de assumir, Albers pediu demissão e foi substituído por Manfredi Ravetto no comando da operação.

Ficou claro que a estabilidade financeira e administrativa que Fernandes pelo menos dava a entender que existia, não estava mais lá. No começo de outubro, fornecedores dos mais variados tipos de serviços começaram a bater na porta do time com contas que estavam vencendo. Isso resultou na perda de alguns ativos como o simulador da equipe, um chassi de 2013, algumas peças dos carros de corrida, entre outros.

Modelo CT05 da Caterham de 2014 chamava a atenção pelo desenho de seu bico
Modelo CT05 da Caterham de 2014 chamava a atenção pelo desenho de seu bico (Foto: Arquivo/Caterham F1)

Os novos donos acusaram de Fernandes ter feito as dívidas na empresa 1MRT que controlava a equipe de corridas e ter deixado para trás os problemas. Eles tentaram separar a 1MRT da “Carteham Sports” (a equipe de F1), mas tiveram problemas para fazer isso na justiça.

O problema é que Fernandes não chegou a transferir as ações da segunda empresa para os compradores. Ele alegou que não o fez porque os novos donos tinham se comprometido a pagar antigos e novos credores, além de salários, o que não fizeram. O resultado dessa briga é que em outubro, a justiça britânica colocou a equipe em Administração Judicial.

Bernie Ecclestone liberou a Caterham de não correr nos GPs dos EUA e Brasil por conta de seus problemas financeiros e muitos acreditavam que nunca mais veriam a escuderia nas pistas. De forma surpreendente, no entanto, o time anunciou que iria participar do encerramento da temporada, em Abu Dhabi.

Kamui Kobayashi, que já vinha competindo com um dos modelos da Caterham foi confirmado para a prova, enquanto Will Stevens, jovem que corria na World Series, foi anunciado alguns dias antes da etapa para o lugar de Marcus Ericsson, que já tinha partido para a Sauber. Os dois fizeram uma prova dentro das limitações da equipe, com o japonês abandonando quando era 16º e Stevens recebendo a bandeira quadriculada em 17º.

Poucos dias depois, a FIA anunciou que permitiria a Caterham usar seus modelos de 2014 na temporada de 2015, o que daria mais chance para o administrador judicial encontrar um comprador. Mas ninguém quis arrematar a equipe e o time fechou as portas, com todos seus ativos sendo colocados à venda em um leilão em março. Era o fim da Caterham F1, que chegou a nascer como Lotus Racing e se chamar Team Lotus.

Fernandes segue até hoje como um dos proprietários do Grupo Caterham, que desenvolve alguns modelos de carros de rua e de corrida, além de projetos de tecnologia e desenvolvimento para o setor automotivo.

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