Campos-HRT: problemas antes da estreia e fundão cativo | Novatas de 2010
Já contamos aqui nesta série como aconteceu o processo de seleção dos times novatos de 2010 durante uma enorme guerra política e a história da USF1, uma das escolhidas da FIA para entrar na categoria, mas que desapareceu antes mesmo de estrear. Neste capítulo vamos contar a trajetória da HRT, também conhecida como Hispania.
O fundador da equipe foi o ex-piloto Adrián Campos, que morreu recentemente. A história dele já foi contada aqui no Projeto Motor. Campos, que tinha passado pela F1 na Minardi, iniciou durante os anos 90 um time nas categorias de base europeias. Ele nunca escondeu, no entanto, seu sonho de chegar à F1. Já em 1993, ele chegou a se envolver no projeto da Bravo, que seria a primeira equipe espanhola do Mundial, mas que acabou nunca correndo.
Após quase 20 anos, a Campos se tornou um time importante da base, com títulos em diversas categorias, vencendo inclusive o campeonato de equipes da GP2 em 2007. Quando o espanhol viu a proposta, no começo de 2009, de um teto orçamentário de U$ 50 milhões, acreditou que era chegada a hora de finalmente entrar na F1.
Ele fez a inscrição e teve sua equipe como uma das escolhidas. E aí, saiu correndo para transformar uma organização de categorias de base em um time de F1. Algo bastante comum até os anos 70 e até 80, mas que na maioria dos casos, acabou em desastre a partir dos 90 e principalmente dos 2000.
Recursos técnicos e financeiros
O projeto de equipe de F1 de Ádrian Campos começou já em 2008. No final daquele ano, ele vendeu a equipe dele na GP2 para o empresário Alejandro Agag (que anos mais tarde seria o fundador da Fórmula E) e se juntou com o proprietário da agência de marketing espanhola Meta, Enrique Rodriguez. Por isso, o nome Campos Meta.
Como o anúncio da FIA das equipes escolhias para o grid de 2010 aconteceu apenas em junho em 2009, a equipe, assim como as outras novatas, tinha apenas oito meses para ter um carro na pista. Cada um dos novos times partiu para uma estratégia diferente para montar sua operação. Campos preferiu terceirizar o máximo possível e se concentrar em buscar dinheiro.
E no começo, as coisas até pareciam promissoras. Ele fechou o pacote de motor da Cosworth e contratou a Dallara para projetar, desenvolver e construir o chassi que ele utilizaria em 2010. Assim, ele ganhava tempo para montar sua estrutura. Ele conseguiu um incentivo fiscal do governo da região da Múrcia, no sudeste da Espanha, para instalar sua fábrica, onde prometia empregar pelo menos 200 pessoas.
O segundo passo foi fechar com Bruno Senna para um de seus cockpits. O brasileiro tinha algumas campanhas interessantes no currículo, como o terceiro lugar na F3 Britânica de 2006 e o vice-campeonato da GP2 em 2008. Em 2009, após uma negociação frustrada para estrear pela Honda, que acabou de última hora optando por deixar a F1, ele não correu em monopostos, participando da Le Mans Series (uma semente do que se tornaria o Mundial de Endurance).
Além disso, o nome Senna obviamente chamava a atenção. Tanto da mídia como de patrocinadores. O próprio Bruno tinha os seus apoiadores que poderiam contribuir com o projeto da equipe. Em um segundo momento, Campos ainda atraiu mais um sócio, José Ramón Carabante, empresário dono do Grupo Hispania, um conglomerado de empresas que investia em diversos setores e que era da região de Múrcia, onde o time se instalaria.
Sendo assim, em novembro, o time tinha motor da Cosworth, um carro em desenvolvimento na Dallara, um piloto com sobrenome famoso e alguns bons resultados na base, e uma fábrica com incentivo fiscal. Nada mal, certo? Só que não era o bastante.
Em dezembro, os primeiros rumores de problemas na Campos começaram a circular. Inclusive, vazaram informações que como o time não estava conseguindo cumprir os pagamentos para a Dallara, o desenvolvimento do chassi estava paralisado, o que já geraria uma defasagem de rendimento e até sérios problemas no cronograma de construção.
Quem levou a público a preocupação foi Bernie Ecclestone, chefão da categoria na época. E ele mesmo começou a procurar uma alternativa e foi conversar com Zoran Stefanovic, que teve a candidatura de sua Stefan GP recusada pela FIA.
O empresário sérvio, além de muito dinheiro para gastar, tinha uma carta na manga. Mesmo não sendo um dos escolhidos na concorrência pelas novas posições no grid, ele continuou trabalhando no seu projeto de equipe de F1 e, assim que a Toyota anunciou que deixaria a categoria, ele entrou em contato com dirigentes da operação esportiva da marca, na Alemanha. Assim, ele descobriu que a equipe japonesa, no final do ano, já tinha praticamente concluído a construção de dois chassis para a temporada de 2010. Sendo assim, ele fechou um acordo para utilização não só dos carros, como também de motores da empresa, que poderiam ser rebatizados com algum outro nome.
Stefanovic chegou a convocar alguns nomes para área técnica do time, com Colin Kolles para ser o chefe de equipe, o ex-Ferrari e Forti George Ryton para diretor técnico, e o ex-McLaren Mike Coughlan (conhecido pelo seu envolvimento no caso Spygate) como um dos engenheiros.
Ecclestone então começou a pressionar nos bastidores para a Campos ser substituída pela Stefan GP. A briga entre as duas pela vaga chegou a se tornar pública, com o espanhol, mesmo admitindo seus problemas financeiros, batendo o pé que tinha um contrato que o garantia o lugar na F1.
A essa altura, porém, já estava bastante claro que a Campos Meta, da forma como foi idealizada, não estaria no grid.
A mudança da Campos para a HRT na última hora
A pré-temporada de 2010 começou no dia 1º de fevereiro e obviamente a Campos Meta não estava em Valência para os três primeiros dias de treinos. Sem carro ou dinheiro, o time também não apareceu para o restante dos testes em Jerez, entre os dias 10 e 20.
O time estava se desmantelando e quase ninguém acreditava que ele estaria no grid do GP do Bahrein, marcado para 14 de março. Foi quando surgiu uma luz no fim do túnel. No dia 19 de fevereiro, foi anunciado que Adrián Campos tinha vendido a totalidade do time para um de seus sócios, Carabante.
O empresário espanhol rebatizou a equipe de HRT (Hispania Racing Team), em referência à sua companhia. O novo proprietário saiu correndo para colocar as contas em dia e a Dallara retomou a fabricação do modelo F110, que tinha ficado três meses parada. Ele ainda contratou Kolles para chefiar o time o indiano Karun Chandhok para a segunda vaga de piloto, mantendo o contrato com Bruno Senna na outra.
A apresentação da “nova” equipe aconteceu alguns dias depois, em um hotel em Múrcia, inclusive com o lançamento promocional do carro do time, montado às pressas pela Dallara. A princípio, aquele chassi era apenas para fazer uma demonstração pública, porém, acabou sendo utilizado para a temporada completa.
“Depois de fazer o molde do banco, me encontrei com [os engenheiros da Dallara] Walter Biasatti e Bem Agathangelou. Eles me disseram ‘olha, o plano era de levar esse carro para o hotel em Múrcia para o lançamento. É literalmente apenas um protótipo de lançamento para ser fotografado com a pintura. Mas agora que o negócio todo atrasou, parece que você terá que correr com esse carro nas primeiras quatro corridas fora da Europa”, contou Chandhok, em uma entrevista para a revista Autosport, em 2020.
O carro foi acionado pela primeira vez nos treinos livres do GP do Bahrein. Foi prometido que para a quinta etapa do campeonato, o GP da Espanha, o carro receberia uma atualização que de acordo com testes no CFD (sistema computadorizado de dinâmica de fluídos em que as equipes de F1 desenvolvem a aerodinâmica de seus modelos), a evolução poderia ser em torno de 2s5 a 3s. Para se ter ideia, na quarta corrida, na China, Bruno Senna, o melhor da equipe na classificação, ficou a 3s3 do 18º colocado, a Force India de Vitantonio Liuzzi, pior do grid fora as equipes novatas.
Só que como a HRT e Dallara acabaram encerrando a relação ainda durante os primeiros meses de 2020, essa atualização nunca foi colocada em prática e a HRT apenas empurrou a temporada com a barrida, se arrastando no fundo do grid com seu carro versão apresentação promocional.
O time passou todo o ano apelando para pilotos pagantes, incluindo alguma rotação entre Senna, Chandhok, Sakon Yamamoto e Christian Klien. O time ocupou a última fila em praticamente todas as provas, com algumas exceções de quando ocorriam punições de adversários no grid. As melhores posições em corrida, sempre se aproveitando de desistências dos outros, foram dois 14º lugares, um de Chandhok na Austrália e outro de Senna, na Coreia do Sul.
HRT e o posto cativo no fundão
Depois de muito suor, a HRT conseguiu completar sua temporada de estreia e precisava resolver agora seu problema para 11. Construir um carro do zero era algo bastante complicado, e sem o acordo técnico com a Dallara, Carabante e Kolles começaram ainda no segundo semestre de 2010 correr atrás de algum novo parceiro.
A Ferrari chegou a ser consultada, mas em novembro, o time anunciou um acordo com a Toyota para usar os TF110 projetados pela marca para competirem em 2010. Aqueles mesmos que a Stefan GP chegou a divulgar que usaria um ano antes. Só que não demorou para o acordo ruir por falta de dinheiro pelo lado da HRT.
Kolles convenceu então o experiente projetista Geoff Willis, ex-Williams, McLaren e Red Bull (atualmente ele trabalha na Mercedes), a projetar uma versão B para o F110. Isso mesmo, a HRT pegou o pior carro de grid de 2010, deu uma geral, e foi para a sua segunda temporada. A dupla de pilotos inicial foi formada pelo indiano Narain Karthikeyan e o italiano Vitantonio Liuzzi. A partir do GP da Grã-Bretanha, a Red Bull comprou um dos assentos para promover a estreia de um dos integrantes de seu programa de jovens pilotos, Daniel Ricciardo.
Como era de se esperar, a equipe seguiu sempre nas últimas duas posições do pelotão, nunca sequer brigando com as outras novatas que entraram com ela em 2010, Virgin e Lotus.
A grande novidade da temporada foi mesmo fora da pista, com a venda do time para o Thesan Capital, um fundo de investimentos espanhol. Só que dinheiro mesmo na equipe, entrou pouco. No final de 2011, Kolles deixou o time e foi substituído pelo ex-piloto Luis Pérez-Sala.
O novo modelo para 2011, o F112, foi projetado por Jean-Claude Martens e foi a maior evolução da equipe em todo seu tempo no grid. Pela primeira vez, a equipe até estava no cronograma de participar de uma pré-temporada. Só que o novo carro não passou em três testes de impacto da FIA, o que acabou causando atrasos de última hora.
Mesmo assim, o time conseguiu fazer um shakedown usando a regra do uso de um dia de filmagem da FIA e assim acionou o modelo antes de ir para a etapa de abertura de um campeonato pela primeira vez. A dupla de pilotos era formada agora por Pedro de la Rosa e Karthikeyan.
De qualquer modo, apesar das melhorias, HRT seguiu nas últimas posições do grid. É verdade que ela andou mais próxima de suas concorrentes mais próximas, Marussia e Caterham, mas também não o bastante para representar uma grande evolução.
No final de outubro, o Thesan Capital anunciou que estava colocando a equipe à venda, mas não conseguiu nenhum interessado antes do prazo de 30 de novembro para as inscrições para a temporada seguinte. A HRT então estava oficialmente fora do campeonato de 2013 e quase não participou das etapas finais de 12. O time acabou sendo liquidado e os bens vendidos na justiça, colando um ponto final em sua dura história na F1.
Série Novatas de 2010
1 – Como três novatas entraram na F1 em meio a uma grande guerra política
2 – USF1: a ideia de montar um time americano que virou vexame
4 – Lotus-Caterham: muita briga na justiça, pouco resultado na pista
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