Monzanápolis foi a prova que reuniu carros da Indy e F1 no oval de Monza

Monzanápolis: o dia em que a Indy dominou a F1 na casa dos europeus

Pelo menos uma única vez, o leitor, em seu devaneio mais tórrido da madrugada, já deve ter imaginado como seria alinhar carros de F1 e Indy num mesmo grid. Ora, se crossovers são tão comuns na indústria do entretenimento, por que não trazê-los para a esfera do esporte, mesmo que apenas para puro orgasmo de imaginação?

Pois bem, no fim dos anos 50, Giuseppe Bacciagaluppi, presidente do Automóvel Clube de Milão, e Duane Carter, diretor de competições do United States Automobile Club (Usac), substancializaram essa visão. Eles a chamaram de 500 Milhas de Monza, a Corrida dos Dois Mundos ou “Monzanápolis”, como a imprensa denominou na época.

O motivo fora uma questão de oportunismo. Em 54, a porção oval do circuito de Monza, abandonada desde a 2ª Guerra Mundial, foi reconstruída para o GP da Itália do ano seguinte. A readoção do íngreme trecho – com cerca de 4,5 km de extensão – acabou sendo um sucesso, consequentemente convencendo Bacciagaluppi a convidar Carter para assistir à edição de 56.

Logo de cara, os dois viram similaridades do oval em Monza com Indianápolis. Desta forma, por que não unir os F1 e os IndyCars num mesmo evento? Afinal, as 500 Milhas já faziam parte do calendário da F1 há algum tempo – meio que de uma forma bizarra que podemos explicar numa outra ocasião – e o único piloto europeu que se comprometera havia sido Alberto Ascari, sem sucesso, em 52.

A primeira edição do evento foi então marcada para junho de 1957. Pat O’Connor, de Indiana, foi o responsável por preparar os carros para os pilotos americanos, atingindo no oval uma média de 273 km/h numa única volta – quase 50 km mais veloz que as médias alcançadas em Indianápolis.

A edição de 1957 de Monzanápolis

A primeira versão das 500 Milhas de Monza foi disputada em 23 de junho de 1957, pouco depois da Indy 500 e semanas antes do GP da França.

O quadro de pilotos, contudo, foi composto em sua maioria por pilotos da Usac. O pessoal da F1 desistiu por questões de segurança porque o terreno do oval era muito acidentado e havia o perigo de as suspensões se desvencilharem no meio de uma convergência.

Assim, a única oposição “europeia” aos IndyCars foram três sportscars da Jaguar inscritos pela Ecurie Ecosse e pilotados por John Lawrence, Jack Fairman e Ninian Sanderson.

Na corrida propriamente dita, uma surpresa: como os carros americanos só tinham câmbio de duas marchas e os Jaguars mantinham unidades de quatro, os britânicos utilizaram essa vantagem para pular da rabeira para a frente do grid e liderar a primeira volta por cerca de 300 metros.

Evidentemente, os Usac se mostraram mais competitivos e a vitória ficou com Jimmy Bryan, de Kuzma-Offenhauser, com média de 256,2 km/h. Fairman, porém, ainda descolou uns trocos por ter liderado a primeira volta com o D-Type (veja imagens da corrida no vídeo abaixo).

A edição de 1958 e o cancelamento

A segunda e última versão do Monzanápolis foi realizada em 29 de junho de 58 e, desta vez, atraiu mais a atenção do mundo da F1 – principalmente pelas boas premiações em dinheiro.

A Ferrari, em princípio relutante, inscreveu seu time oficial na competição com três F1 modificados. Para o bólido principal, a escuderia construiu um motor V12 4.2 com potência de cerca de 400 bhp. Munido com câmbio de três velocidades, o chassi abrigava suspensão dianteira com molas helicoidais e traseira com sistema de feixe de molas transversais e barra estabilizadora. A máquina seria dividida entre Mike Hawthorn, Luigi Musso e Phil Hill.

O segundo carro, por sua vez, era uma 412 modificada com motor V6 2.8 de sportscar e o terceiro, uma versão atualizada da 375 Indy para o piloto independente Harry Schell. O outro carro próximo de um F1 presente no grid era a Maserati 420M/58 da Eldorado para o britânico Stirling Moss.

O evento começou bem para os europeus. Musso qualificou a 296 MI na pole position, seguido de Bob Veith, de Kurtis Kraft, e Juan Manuel Fangio, pilotando um Kuzma.

Na série de três baterias, porém, o know how dos americanos se mostrou decisivo. Logo no primeiro páreo, Musso assumiu a ponta, mas a inabilidade dos mecânicos da Ferrari com o controle de metanol no tanque do carro fez com que o italiano ficasse para trás. Este pequeno detalhe acabou sendo o calcanhar de Aquiles para os europeus, que viram Jim Rathmann vencer esta bateria e a seguinte. O californiano foi então proclamado o vencedor.

Rathmann também triunfou no páreo final, cujo incidente mais significativo foi uma assustadora colisão de Stirling Moss.

De qualquer forma, o evento inteiro serviu para evidenciar uma questão: quando se trata de speedways, ao menos naquela época, ninguém seria melhor que os americanos. Tanto que a velocidade média do vencedor na prova foi 266,8 km/h, marca jamais atingida por uma corrida de F1 naquele ano.

Com isso, a separação entre o automobilismo americano e europeu alongou ainda mais. Sofrendo uma espécie de censura simbólica, os ovais foram esquecidos no Velho Mundo: para se ter uma ideia, a porção “speedway” de Monza foi utilizada pelos carros de Grand Prix até 1961 e banida do esporte profissional no fim da década. Hoje, o trecho está frequentemente sob ameaça de demolição pela organização do autódromo. Parece que o revés fora muito forte para o mundo da F1.

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