Mulsanne: a história da reta mais incrível do mundo
Existem curvas e retas pelo mundo do automobilismo que ficam bastante conhecidas e que se tornam verdadeiros símbolos do esporte. A reta Mulsanne, em Le Mans, é um desses pontos históricos.
Já contamos aqui em nossa série um pouco sobre a história e os desafios do circuito de Le Mans. Mas vale a pena agora focarmos na icônica Mulsanne, que já foi uma das maiores retas do mundo e que hoje é dividida por duas chicanes por questões de segurança.
Para começar, já precisamos falar do nome da reta. Apesar de ser chamada de Mulsanne pelo mundo, o nome daquele trecho em francês (e oficialmente) é Ligne Droite des Hunaudières, que significa Linha Reta de Hunaudières, uma área da cidade de Le Mans. A grande reta termina na curva Mulsanne, onde fica uma vila de mesmo nome.
Essa reta faz parte de uma via pública, aberta até hoje, que sai do centro de Le Mans e depois se torna uma estrada vicinal que chega até a cidade de Tours.
Por muitas décadas, desde a versão dos anos 20 do circuito, os carros utilizavam um longo trecho de oito quilômetros da reta que saía do centro da cidade de Le Mans. Ela começava no apertado hairpin da Pontlieue até a curva Mulsanne.
Com o passar dos anos, o circuito de Le Mans deixou de passar dentro do centro da cidade e a reta acabou sendo reduzida. Mesmo assim, ela continuou com impressionantes 6 quilômetros de extensão, em um dos trechos de maior aceleração e velocidade do automobilismo mundial. A Mulsanne passou a ser um ícone do circuito de La Sarthe tanto pelo imaginário dos fãs por conta das altas velocidades,como também pelos riscos que os pilotos enfrentavam.
Uma das primeiras marcas que chamaram a atenção para um possível excesso foi em 1971, quando o famoso Porsche 917 longtail alcançou 362 km/h. Com o passar dos anos, as mudanças de regulamento aerodinâmicas e de motores muitas vezes seguraram a evolução das velocidades. Mas depois de algum tempo, equipes e pilotos voltavam a superar os recordes.
Nos anos 80, a Porsche conseguiu repetidamente superar a casa dos 370 Km/h com seu modelo 956. Mas foi em 1988 que uma barreira impressionante foi derrubada. O piloto Roger Dorchy, pilotando um protótipo WM P88 equipado com um motor Peugeot V6 turbo de 2,8 Litros, alcançou os 405 km/h durante a corrida. No ano seguinte, um protótipo Sauber Mercedes C9 chegou aos 400 km/h, o que mostrava que essas marcas poderiam se tornar cada vez mais comuns.
Acidentes e mudanças na Mulsanne
Só que com velocidades tão altas, também vem o perigo. A reta Mulsanne era um trecho com um pequeno desnível, o que muitas vezes fazia os carros perderem parte da pressão aerodinâmica que os mantinha no chão. Além disso, ela tem várias faixas pintadas no chão por ser uma via pública e praticamente não tem espaço ao seu redor por conta das várias árvores.
Qualquer problema no carro, como um estouro de pneu, uma poça de óleo ou água, detritos, a necessidade de desviar de um retardatário mais lento, vento, entre outros, podiam gerar situações de risco para os pilotos. Não é à toa que durante a história, sete pilotos perderam a vida em acidentes neste ponto.
A última fatalidade aconteceu com Jo Gartner, em 1986. Seu Porsche 962 sofreu uma falha mecânica quando estava a cerca de 260 km/h na reta e virou repentinamente para a direita. Ao pegar o ar lateral nesta velocidade, o protótipo começou a capotar e voou para fora da pista, pegando fogo, e arrancando 100 metros de guard-rail. O piloto morreu na hora.
Para a corrida de 1990, uma alteração no circuito colocou fim à longa reta. Duas chicanes foram instaladas para quebrar o trecho em três. A alteração aconteceu principalmente por um pedido da FIA, que resolveu na época deixar de homologar pistas com retas de mais de dois quilômetros.
Mas mesmo com as chicanes, o ponto continuou com velocidades altas, próximas dos 330 km/h. E inclusive ainda viram alguns acidentes perigosos. Em 1999, por exemplo, por conta de um problema de projeto que fazia muito ar entrar por debaixo do bico, os modelos Mercedes-Benz CLRs decolavam quando estavam em altas velocidades ou logo atrás de outros carros. Mark Webber, que anos depois viria a correr na F1, foi um dos que passou por isso na Mulsanne.
Em 2001, uma nova obra foi feita para que o desnível no meio das retas fosse amenizado para diminuir a perda aerodinâmica dos carros no ponto e assim prevenir novas decolagens. Assim, o trecho ficou mais plano.
Mesmo dividida em três, a reta Mulsanne segue sendo um trecho desafiador por conta das fortes freadas, e um momento importante para ultrapassagens. Além disso, ainda gera imagens incríveis para os fãs, que podem ver alguns dos carros mais modernos do mundo cruzando um dos percursos mais românticos e nostálgicos do esporte a motor.
Comentários