Os outros acidentes graves da F1 na curva Tamburello antes de Senna
A antiga curva Tamburello se tornou um dos pontos mais famosos do circuito de Imola quando Ayrton Senna sofreu o seu acidente fatal, no dia 1º de maio de 1994. Isso resultou na remodelação completa do trecho, o que retirou o perfil de alta velocidade e transformou a Tamburello em uma chicane mais travada.
Porém, a tragédia envolvendo Senna não foi o único momento que expôs o potencial perigo da Tamburello. Nos anos anteriores, a F1 testemunhou quatro acidentes mais graves na mesma curva, o que já dava indícios dos riscos do local.
Então, o Projeto Motor vai relembrar destas outras batidas da F1 na curva Tamburello e contar os destalhes de cada história. Mas antes, vale contextualizar um pouco a história dessa curva com a F1.
Em seu antigo perfil, a curva Tamburello era situada cerca de 700 metros após o ponto da largada do circuito de Imola, quando os carros normalmente já superavam os 300 km/h. Apesar de ser oficialmente uma curva, ela exigia apenas uma leve tomada à esquerda para ser contornada.
No entanto, ainda assim o local tinha os seus riscos, pois, do lado externo, havia apenas uma faixa de grama e um muro de concreto. Não era possível, por exemplo, ampliar a área de escape, já que, atrás da curva, havia um rio. Então, foi com este perfil da Tamburello que Imola entrou no calendário da F1, recebendo provas oficiais a partir de 1980.
Nelson Piquet sofre o primeiro susto na Tamburello
Na edição de 87, aconteceu o primeiro grande acidente no local. Com 20 minutos de sessão na classificação de sexta-feira, também em um 1º de maio, Nelson Piquet havia acabado de registrar o melhor tempo do dia.
Quando passou pela Tamburello, seu carro escapou de traseira e rodou, batendo forte no muro externo a cerca de 270 km/h. O impacto destruiu o lado esquerdo da Williams de Piquet. O piloto foi levado ao hospital em Bolonha, e apresentou uma breve perda de memória, com um traumatismo craniano, uma lesão no tórax e uma torção no tornozelo esquerdo.
Os médicos queriam mantê-lo internado em observação, mas Piquet ainda estava determinado a participar da corrida. Ele os convenceu a lhe dar alta no sábado, um dia depois do acidente, e chegou a propor que ele próprio assinasse um termo de responsabilidade para ser liberado para correr.
Porém, sua participação foi barrada pelo médico da F1, Sid Watkins, que temia que um novo impacto em sua cabeça pudesse agravar o seu estado. Na altura, Piquet comentou que “os médicos sempre exageravam em suas preocupações”.
De início, a Williams não conseguiu descobrir ao certo a causa da batida, mas já ficava claro que algo de anormal havia ocorrido. Ayrton Senna comentou que um acidente naquele trecho “só acontecia quando algo quebrava no carro”. Depois se concluiu que o motivo foi um estouro em um pneu traseiro.
Adrian Campos, da Minardi, estava atrás de Piquet pouco antes da batida, e disse que viu pequenas peças se soltando do carro do brasileiro, que considerava ser pedaços do pneu. Naquele fim de semana, a Goodyear havia introduzido um novo composto, de construção mais fina, mas, devido ao acidente de Piquet, decidiu trazer um outro lote de pneus na noite de sexta para sábado.
Piquet voltou à ação na corrida seguinte, duas semanas mais tarde, no GP da Bélgica, e ao fim daquela temporada, garantiria o seu tricampeonato mundial. Mas, anos mais tarde, revelou que nunca mais foi o mesmo piloto depois do acidente na Tamburello – já que passou a sentir constantes dores de cabeça, dificuldades para dormir, além de perder a noção de profundidade, passando a ter de usar as placas como referência para frear, algo que nunca tinha feito antes.
Acidente assustador de Berger causou mudanças na Tamburello
Dois anos mais tarde, a vítima foi Gerhard Berger, na época piloto da Ferrari. Na quarta volta da corrida, o austríaco ocupava a quinta posição, passou reto na Tamburello e bateu no muro a 260 km/h.
Como ainda se tratava da fase inicial da prova, o tanque de combustível ainda estava cheio, então seu carro se arrastou por mais de 100 metros depois do impacto, e pegou fogo quando parou, em uma cena assustadora.
O resgate chegou 15s após o começo do incêndio, e levou mais 10s para as chamas serem apagadas. Berger perdeu a consciência no impacto, e, quando acordou, começou a se debater, bastante agitado. Então, Sid Watkins se sentou sobre o peito do piloto, para que os outros médicos pudessem aplicar um sedativo em suas veias e acalmá-lo. A corrida foi interrompida em bandeira vermelha.
Berger foi transportado ao hospital Maggiore, de Bolonha, e lá as notícias foram mais animadoras. O piloto havia sofrido queimaduras no corpo e nas mãos, fraturou uma costela e lesionou a omoplata, mas estava fora de qualquer risco de morte. Sid Watkins, inclusive, acreditava que ele poderia ter causado a lesão na costela de Berger quando se sentou sobre seu peito durante o resgate.
Enquanto isso, a Ferrari tentava entender o que havia provocado o acidente – e a análise foi prejudicada, já que os fãs italianos levaram embora alguns detritos da batida, especialmente o que sobrou do bico e da suspensão.
Mas a conclusão foi de que a asa havia quebrado, ficado presa embaixo de uma roda, e impedido que o carro contornasse a curva – algo corroborado por Thierry Boutsen, da Williams, que vinha logo atrás de Berger antes da batida. Com isso, a Ferrari reforçou o bico do carro e mudou o desenho do tanque de combustível para aumentar a segurança.
Já Berger foi transferido a um hospital na Áustria, e passou por uma cirurgia plástica para tratar das queimaduras na mão direita. Ele recebeu alta quatro dias após a batida, e depois foi se recuperar na mesma clínica que cuidou de Niki Lauda em 76.
Inicialmente, esperava-se que Berger ficaria de fora de dois GPs, mas sua recuperação foi positiva, e ele retornou já no GP do México, pouco mais de um mês depois do acidente.
Depois disso, a Tamburello retirou parte de seu trecho de grama. Como não era possível prolongar a área de escape por conta do rio, a ideia era fazer com que o carro desacelerasse o máximo possível antes de atingir o muro. Mas não foi suficiente.
Alboreto e Patrese foram os últimos avisos
Em abril de 1991, Michele Alboreto testava em Imola com o novo carro da Footwork-Porsche. Na Tamburello, quando estava a 250 km/h, o italiano passou reto após uma suspeita de falha na suspensão, e bateu de frente no muro.
O tanque de combustível chegou a ser rompido e o carro pegou fogo, mas Alboreto conseguiu sair sozinho, mancando bastante. No fim das contas, o piloto sofreu um corte na perna direita e precisou levar 15 pontos no local, além de ficar com diversos hematomas e enxaquecas.
Mesmo assim, Alboreto participou do GP de San Marino, uma semana mais tarde – mas teve de usar o modelo antigo da Footwork, já que o novo foi destruído no acidente. No entanto, ele não conseguiu se classificar para a prova.
No ano seguinte, um outro italiano passou por um susto, também em um teste. Riccardo Patrese, a bordo da poderosa Williams, fazia uma simulação de corrida perto do meio-dia local, e sofreu um furo no pneu traseiro direito, rodou duas vezes e estampou o muro em alta velocidade.
O seu carro só foi parar do outro lado da pista. Ele chegou a perder a consciência por um breve momento, mas já estava acordado quando o resgate se aproximou, e foi caminhando até a ambulância.
Patrese foi levado ao hospital para exames, e foi diagnosticado com uma lesão no pescoço, na coluna cervical e um traumatismo craniano leve. Foi necessário apenas o uso de um colar cervical por alguns dias, mas o piloto conseguiu participar normalmente do GP de San Marino, nove dias depois do acidente.
Era aviso atrás de aviso. A Tamburello se tornava um ponto perigoso, e algumas figuras já pensavam em soluções. Berger revelou que ele e Ayrton Senna queriam sugerir mudanças para a Tamburello, para eliminar o muro que “poderia um dia matar alguém”, mas os dois não conseguiram pensar em uma solução que fosse viável. E isso, infelizmente, custaria caro.
No dia 1º de maio de 94, Senna sofreu o seu acidente fatal na Tamburello, marcando a mais grave e chocante vítima do local. No processo da justiça italiana sobre o acidente de Senna, a acusação argumentou que os pilotos ficavam extremamente vulneráveis em caso de falha mecânica no local, e ela usou os quatro acidentes como exemplo disso.
Mas foi só após a morte do brasileiro que algo de fato foi feito. Já para a edição de 95, o circuito de Imola passou por várias mudanças em seu traçado, o que incluiu a adoção de uma chicane na Tamburello.
Tudo isso diminuiu a velocidade da pista e mudou o perfil clássico da Tamburello. Em contrapartida, também reduziu de forma significativa o perigo do local. A intenção era evitar ao máximo acidentes como os que vitimaram Piquet, Berger, Alboreto, Patrese e Senna.
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