Testes F1: batalha dos assoalhos, carros ariscos e cronograma curto
Pré-temporada da F1 é sempre cercada de muitas dúvidas, tentativas de análise levando em conta tempos e quilometragem, e muita discussão sobre novidades apresentadas pelas equipes.
Em 2021, os testes ficaram mais curtos com o objetivo de corte de gastos. Assim, os times tiveram apenas três dias de experimentos com seus novos modelos na pista. É claro que isso restringe não só o tempo de desenvolvimento dos carros e novas partes como também de analisar, julgar e fazer correlações de desempenho entre os adversários.
Aqui no Projeto Motor vamos trazer as principais estatísticas que não necessariamente apontam como deve estar a divisão de forças do grid para a abertura da temporada, no dia 28/03, no GP do Bahrein, mas que dão uma boa ideia do que aconteceu nos testes em Sakhir.
É sempre bom lembrar que tabela de tempos é um indício, porém, neste momento, está longe de ser a base ideal para análises. Por outro lado, ao contrário do que muita gente pensa, nos dias de hoje, existe pouco blefe ou tentativa de aparecer mais com voltas voadoras. A questão é realmente a forma de trabalhar de cada time e o programa que define o que está sendo testado em cada carro.
Neste momento, algumas equipes sentem a necessidade de entender como seu novo modelo anda nos trechos longos e situação de corrida, com tanque cheio. Outras, precisam testar peças aerodinâmicas com o carro andando em velocidade pura, por isso vão para a pista com pouco combustível (mais leve), usando muito DRS nas retas e pneus mais macios. Existem também os que querem entender como o carro se comporta em situações diferentes de modo de potência de motor, variando os cenários para ter mais previsibilidade do que será encarado durante a temporada, em diferentes circuitos.
Com apenas três dias de testes, essa diferença de programação se acentua, pois as equipes acabam focando em menos tipos de simulações e testes. A comparação fica mais difícil do que em uma pré-temporada com mais dias, em que as equipes passam por quase todos os programas.
Mesmo com tudo isso, temos sim alguns dados e análises que podem ser feitas. Vamos começar.
Condições climáticas
Se as equipes não tiveram que enfrentar chuva e temperaturas extremamente baixas que normalmente surgem quando a pré-temporada da F1 é realizada na Europa (às vezes até com neve), elas tiveram que lidar, no entanto, com outras complicações durante os três dias de treinos em Sakhir.
O maior complicador foi o vento, principalmente no primeiro dia de sessão, que levou muita areia para a pista, o que compromete bastante a aderência mecânica e, neste momento, a avaliação de como os modelos estão realmente se comportando. As rajadas de vento na sexta-feira atingiram 47 km/h (25 nós), o que também afetou bastante a aerodinâmica.
A condição da pista melhorou para o segundo e terceiro dias, porém, a temperatura variou bastante, com um sábado mais frio e o domingo mais quente. Neste último, o asfalto acabou gerando algum superaquecimento nos pneus, o que dificultou a avaliação em trechos longos (simulação de corrida).
Além disso, o vento continuou de forma inconstante e com mudanças de direção quase que o tempo inteiro, o que fez a maior parte das equipes desistirem de simulações de corrida pelas rápidas mudanças de reação dos carros e pouca utilidade dos dados para comparação da evolução dos modelos durante um longo trecho em pista.
Tudo isso deixou ainda mais difícil a avaliação de pilotos e equipes tanto de seu próprio desempenho como a comparação com adversários.
Tipos de pneus utilizados
Nestes três dias de pré-temporada, a Pirelli forneceu seis tipos diferentes de compostos para as equipes da F1. A graduação ia do C1, mais duro, ao C5, mais macio. O C3, médio na escala, ainda tinha uma segunda versão protótipo, que a empresa requisitou para os pilotos testarem uma nova composição.
Alguns times focaram nos pneus C2, C3 e C4, que serão as opções que estarão disponíveis para o GP do Bahrein, na mesma pista da pré-temporada, que abre o campeonato no próximo dia 28/03.
Leia a análise de Mario Isola, gerente mundial de automobilismo da Pirelli:
“Ao longo dos três dias, todos os compostos tiveram um bom desempenho e não surgiram problemas com granulação: apenas leve abrasão nos compostos mais macios. Além das condições climáticas, os tempos de volta foram influenciados naturalmente pelas diferentes cargas de combustível de cada equipe, tornando as comparações de desempenho com a corrida do ano passado e os treinos livres no Bahrein muito difíceis.
Também é difícil avaliar com precisão a diferença de desempenho entre os compostos, devido à evolução da pista. O mais fácil de dizer é provavelmente a diferença entre C2 e C3, que é aproximadamente de 0s5, enquanto a diferença entre C3 e C4 é maior do que a esperada, com o C4 equipado em vários carros quando a pista estava em seu momento mais rápido. Agora, estamos ansiosos para o início de uma temporada que será a última com pneus de 13 polegadas antes da mudança para pneus de 18 polegadas em 2022, para os quais uma série de testes de desenvolvimento foram planejados ao longo deste ano.”
Tabela de tempos e quilometragem
Como já dissemos acima, o cronômetro em uma pré-temporada da F1 é um indício, mas não serve para conclusões. Feita essa ressalva, vamos aos tempos combinados e de cada dia, mostrando com qual tipo de pneu a volta foi feita (dados fornecidos pela Pirelli).
Combinado dos três dias
[piloto/equipe/tempo(em que dia)/tipo de pneu]
Dia 1 (12/03 – sexta-feira)
Dia 2 (13/03 – sábado)
Dia 3 (14/03 – domingo)
Outra estatística sempre importante para verificar nas pré-temporadas da F1 é a quilometragem de cada piloto e equipe. Isso mostra os times que tiveram menos problemas de confiabilidade e conseguiram permanecer mais tempo na pista, sem precisar fazendo consertos ou ajustes.
Novo regulamento da F1 complica vida dos pilotos
Como já explicamos em outro artigo aqui no Projeto Motor, apesar das restrições de desenvolvimento impostas para 2021 pelo novo regulamento (o que alguns estão chamando erroneamente de congelamento dos carros), as regras desta nova temporada mexeram bastante no equilíbrio dos monopostos.
Com a intenção de diminuir ou pelo menos conter a evolução das velocidades dos atuais modelos, a FIA trabalhou em uma série de modificações aerodinâmicas obrigatórias, principalmente no assoalho e na parte traseira dos modelos. A iniciativa se deu a pedido da Pirelli, que, como teve seus pneus de 2020 rejeitados e está trabalhando agora nos novos compostos para rodas de 18 polegadas de 2022, está indo para a terceira temporada com o mesmo produto. Isso causou um temor de problemas de estresse pelo aumento das forças laterais por conta da evolução do desempenho dos carros nas curvas.
A FIA fez um corte no assoalho na frente das rodas traseiras e limitou a altura das aletas que ficam embaixo do difusor. Além disso, também limitou a espessura de componentes dos dutos de resfriamento dos freios traseiros, que vinham sendo utilizados com objetivo de melhorar a aerodinâmica na região. Como foi possível ver nos testes, isso deixou os carros mais ariscos nas curvas, com as traseiras bem instáveis. O melhor exemplo disso foram as duas rodadas de Lewis Hamilton, uma no sábado e outra no domingo.
The big talking point of Saturday morning ?
— Formula 1 (@F1) March 13, 2021
A spin into the gravel disrupted running for @LewisHamilton and @MercedesAMGF1, but they were back up and running soon after ?#F1 #F1Testing pic.twitter.com/bmTXFa84YD
A Mercedes, aliás, é uma das equipes da F1 que publicamente admitiu que ainda não se encontrou no acerto para diminuir esta instabilidade de seu modelo de 2021. Por outro lado, a Red Bull parece ter feito um bom trabalho com modificações principalmente na suspensão traseira.
Isso significa que a Red Bull está certamente à frente da Mercedes? Não. Isso é apenas um fator que a equipe do touro vermelho mostrou estar mais confortável neste momento, porém, o time alemão ainda tem tempo para se acertar com a questão.
Grandes novidades apresentadas na F1
Como era de se esperar, apesar da fase de lançamentos promocionais dos carros mostrarem novas pinturas e linhas gerais dos novos modelos, as equipes utilizam nestes eventos apenas versões de apresentação ao público. Muitas vezes, inclusive, são utilizados monopostos do ano anterior, com uma ou outra mudança só para disfarçar. Ninguém quer mostrar seus segredos antes da hora.
Sendo assim, na pré-temporada da F1 é quando vemos de verdade os carros com que as escuderias pretendem começar o campeonato. E assim, é possível descobrir também algumas novidades e experimentos interessantes nos carros. A maioria, no entanto, só saberemos se realmente trará um ganho de desempenho depois das primeiras provas. De qualquer maneira, é uma dica sobre o foco de trabalho de cada time.
E como era de se esperar, por conta do novo regulamento, a principal área que os times trabalharam foi o assoalho e parte traseira no geral, tentando minimizar as limitações impostas e explicadas anteriormente.
Assoalhos
Buscando um direcionamento de ar que de alguma forma compense parte da perda de pressão na parte final do assoalho, as equipes partiram para soluções diferentes. Algumas com pequenas barbatanas e aletas direcionando o fluxo, outras com mais veias, além do próprio desenho dos sidepods.
Neste quesito, a que mais chamou a atenção acabou sendo a Mercedes com um trabalho minucioso e detalhista nas beiradas da peça, direcionando o caminho do ar da parte de baixo do assoalho para a de cima, mudando um pouco o fluxo convencional.
O novo recorte do assoalho imposto pelo regulamento faz o ar que está embaixo da peça ir para a roda traseira, o que causa mais turbulência por conta da rotação do pneu. A ideia do time alemão aqui foi de desviar esse fluxo antes dele chegar à porção final do carro para poder depois redirecioná-lo, já na parte de cima da peça. Assim, o ar vai para a parte traseira central ou externa, desviando da roda.
A Mercedes não foi a única que partiu para esse tipo de abordagem, mas certamente é que abusou mais do artifício. Aston Martin e Alpine fizeram soluções parecidas, mas com menos desvios do tipo. Outros times, simplesmente apostaram em formas diferentes de trabalhar a região do carro.
Podemos ver as diferenças entre algumas das equipes nestas imagens:
Mercedes criou formas de direcionar o fluxo da parte de baixo do assoalho (Foto: Zak Mauger / LAT/Pirelli)
rake
O rake é uma artifício em que a parte da frente do carro fica mais baixa do que a traseira, acelerando o ar que passa por baixo do assoalho e gerando uma área de baixa pressão para que o monoposto fique mais “preso” ao asfalto.
Historicamente, desde 2009, a Red Bull é a equipe mais agressiva neste ângulo e seus carros vitoriosos de 2010 a 14 sempre fizeram bom uso do artifício. Nos últimos anos, porém, a Mercedes tem sido uma espécie de contraposição à esta técnica, com um carro mais paralelo ao solo.
A equipe alemã preferiu seguir esse outro caminho por conta do aumento da distância entreeixos dos carros a partir de 2014. Isso também deixou o assoalho mais longo, o que diminuiu as vantagens do rake alto. É uma questão simples de filosofia, em que obriga o carro da Mercedes trabalhar melhor outras áreas aerodinâmicas em que ela acredita ter mais vantagem.
Em 2017, um novo conjunto de regras da F1 que permitiu aos times utilizarem as extremidades inferiores dos assoalhos com mais liberdade com furos, veias e aletas, impulsionou ainda mais este caminho escolhido pela Mercedes, que simplesmente não precisava de um ângulo agressivo de rake para gerar pressão aerodinâmica.
Só que para esta temporada, aconteceu exatamente o contrário daquele ano. A FIA diminuiu bastante a liberdade de desenho do assoalho e ainda tirou uma parte da área dele. Isso motivou a Red Bull e sua equipe irmã, AlphaTauri, a atacarem ainda mais o rake. Outros times foram na mesma direção, como podemos ver nas imagens.
A Mercedes, porém, não tinha muita escolha. Aumentar o rake mexe com toda aerodinâmica do carro, do bico à asa traseira, pois faz com que o monoposto ataque diferente o ar que está à sua frente. Como existe uma limitação no que pode ser mexido este ano, o time alemão não poderia fazer uma grande revolução aerodinâmica no seu modelo e por isso teve que manter a atual filosofia de rake baixo e trabalhar em outras áreas para compensar a perda aerodinâmica.
Difusor da McLaren
Outra novidade técnica que acabou causando conversa e alguma discussão no paddock da F1 foi a solução bastante criativa da McLaren para o seu difusor. O time não necessariamente usou uma “brecha” no modo tradicional de se dizer, mas mostrou apenas que leu atentamente o que poderia ou não fazer.
A regra de 2021 limita a altura das aletas embaixo dos difusores em até 50mm. Só que ela deixa uma área central de transição, que normalmente chega ao fim pouco depois do eixo traseiro. A ideia do diretor técnico da equipe, James Key, foi de expandir essa região e usar uma aleta que já sai da altura mais baixa dessa parte do assoalho.
Essas aletas, no entanto, não podem ficar para fora da área delimitada em 250mm no centro do carro, o que também diminui de alguma maneira o seu alcance. De qualquer maneira, é uma forma de trabalhar mais próximo ao solo para tentar aumentar a pressão aerodinâmica nesta parte tão crítica do carro.
Tampa do motor inchada da Alpine
Nos últimos anos, a Renault já tinha uma tampa de motor relativamente mais larga do que a dos rivais. Mas na pré-temporada de 2021, agora com o nome de Alpine, a equipe chegou com um novo desenho que chamou muito a atenção, bem fora dos padrões atuais da F1.
O que a Alpine fez foi realocar componentes internos para ficarem em cima do motor, exigindo assim mais espaço na região, além de mexer nos dutos internos de refrigeração que trazem o ar da entrada acima da cabeça do piloto. Além de esquisito, a opção deixa o centro de gravidade do carro um pouco mais alto, o que teoricamente gera alguma instabilidade.
Mas existe um motivo importante para essa escolha: aerodinâmica. Com menos componentes nas laterais, a Alpine teve a chance de deixar os sidepods mais estreitos. Assim, a equipe ainda ganhou mais espaço na parte superior ao assoalho nesta faixa lateral para poder trabalhar o fluxo de ar e assim compensar de alguma forma a perde de área da peça pelo novo regulamento.
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