Toleman de Senna em 1984 era uma porcaria? | Fato ou Mito #2
Logo no começo deste texto, já é bom deixar claro que não estamos aqui tentando diminuir os feitos de Ayrton Senna. A história mostra com fatos o piloto genial que ele foi, com certeza, entre os melhores que já correram na F1, e sua estreia pela Toleman foi a primeira demonstração de seu grande talento.
Colocado isso, é preciso alertar que, em alguns momentos, na empolgação com os elogios ao piloto, algumas pessoas se esquecem de analisar melhor algumas nuances. Algo bastante normal que lemos e escutamos é como Senna fez uma temporada de estreia brilhante na categoria “naquela porcaria de Toleman”.
Nesta segunda edição do “Fato ou Mito” do Projeto Motor, vamos analisar melhor quão ruim ou boa era a equipe do brasileiro naquele momento. E já podemos afirmar que, sim, ele fez realmente coisas geniais, principalmente para um novato em 1984, mas dizer que a Toleman era horrível é um MITO.
O estágio da Toleman e sua estrutura
O time inglês estava em ascensão. Na temporada anterior à da estreia de Senna, a equipe já tinha conseguido alguns resultados importantes com Derek Warwick, incluindo dois quartos lugares. Para se ter ideia, em 1983, a escuderia marcou 10 pontos e ficou na nona posição no campeonato de construtores. No ano seguinte, com o brasileiro, terminou com 16 tentos e a sétima posição no geral.
Outro fator que mostra como a Toleman vinha aos poucos formando uma boa estrutura era o de ter como projetista o sul-africano Rory Byrne, mago da prancheta que mais tarde desenharia os carros dos sete títulos de Michael Schumacher na Benetton e Ferrari. Também tinha entre seus engenheiros Pat Symonds, outro que fez carreira na Benetton e depois na Renault (foi um dos principais envolvidos no escândalo do GP de Singapura de 2008), voltou à F1 pela Williams e hoje está em um cargo técnico da categoria.
O modelo TG184, da temporada de 1984, foi o quinto desenvolvido pela Toleman na F1 – todos projetados por Byrne. Com o bom desempenho do carro de 83, ele foi uma evolução do TG183B, que também foi utilizado nas primeiras quatro provas de 84.
O conceito era um pouco diferente dos carros da época. A asa traseira dupla, utilizada no modelo anterior, continuava, mas a parte frontal do carro e a suspensão foram completamente modificadas. O radiador frontal, utilizado no aerofólio dianteiro em 83, voltou para a lateral por questões aerodinâmicas, obrigando Byrne a redesenhar também aquele ponto do carro. Essa mudança também teve que seguir algumas exigências de espaço do motor Hart, mas em troca de uma asa dianteira mais refinada.
Outra escolha certeira da Toleman para 1984 foi nos pneus. Até o começo do ano, a equipe utilizava os Pirelli, enquanto a Michelin era a parceira das principais equipes. O time inglês conseguiu um acordo com a empresa francesa para também ter os seus compostos, o que certamente a colocou em um novo patamar de competividade.
É verdade, porém, que a Michelin não dava um tratamento igual aos grandes times e aos seus clientes médios e pequenos, como a Toleman. Ou seja, existia uma evolução para 84, porém, o produto não vinha acompanhado da mesma assistência técnica dos ponteiros, que tinham preferência na escolha dos melhores jogos de pneus.
O motor Hart era com certeza o ponto fraco da equipe até aquela temporada. Com cerca de 600 cavalos, sua potência era bem abaixo dos concorrentes como BMW e Porsche, que chegavam aos 750 em suas versões de corrida e mais de 950 nos de treino. Só que a fornecedora manteve um desenvolvimento constante de seu 415T, introduzindo durante o campeonato de 84 injeção eletrônica e um novo turbo, o que levou seu propulsor a entrar na casa dos 700 cavalos.
O resultado desta evolução pôde ser visto nos pódios que Senna conquistou com dois terceiros lugares em Brands Hatch e Estoril, ambos com pista seca e em circuitos com longos trechos de alta velocidade. Ok, o brasileiro fazia a diferença com sua tocada. Mas vale também destacar a quarta posição de Stefan Johansson em Monza, uma das pistas com a maior média do calendário.
O pós-Senna
Em 85, já sem Senna, com a desistência da Michelin da F1, a Toleman ficou em maus lençóis e não conseguiu um novo contrato para fornecimento de pneus, já que a Pirelli ainda não tinha engolido a troca de um ano antes. Isso fez com que o time perdesse as três primeiras corridas do ano, além de não poder fazer testes para desenvolver seu novo carro, o TG185. A questão só foi resolvida quando a sua patrocinadora Benetton comprou a equipe Spirit e transferiu o contrato da Pirelli para o time.
A temporada já estava praticamente perdida diante dos problemas técnicos e financeiros. Mesmo assim, mostrando o potencial que a Toleman sempre teve, Teo Fabi marcou naquele ano a única pole position da história do time, no GP da Alemanha. No final do ano, a Benetton comprou definitivamente a equipe e deu sequência à sua evolução, construindo sua nova sede em Enstone, até chegar ao título mundial em 1994. O time se tornaria o que é hoje a Renault.
De qualquer forma, naquele momento, em 1984, a Toleman já tinha a base ideal para que Senna estreasse na F1 sem a pressão de um time grande, mas já em condições de correr em uma equipe média em evolução, com um equipamento decente. Coloque isso nas mãos de um piloto talentoso como Senna, o resultado foi um punhado de corridas e atuações memoráveis que abriram as portas para que o brasileiro se transferisse já em seu segundo ano no Mundial para a Lotus.
Comentários