Curva Arie Luyendyk de Zandvoort terá novo desafio aos pilotos da F1
(Foto: Geobrugg)

Zandvoort traz de volta o desafio das curvas inclinadas à F1

O circuito de Zandvoort, que volta a receber o GP da Holanda este ano, anunciou o fim de uma parte importante de sua reforma: as curvas inclinadas.

Zandvoort estava fora da F1 desde 1985, uma época em que os carros eram completamente diferentes e o traçado bem distinto do atual. Quando foi oficializado como sede de uma nova etapa para 2020, muita torceu o nariz pelo fato da pista ser estreita e com poucas retas, o que faria as ultrapassagens quase impossíveis.

Deixar o traçado mais largo poderia ajudar, mas refazer trechos mais longos de aceleração não parecia possível. Zandvoort fica entre outras propriedades, uma praia e um parque natural protegido por legislação federal, por isso, uma extensão de sua área ou o retorno do antigo traçado (que já está fora de seu atual terreno) era inviável. O que fazer então?

No final de 2018, em uma visita de inspeção no circuito, o então delegado da FIA Charlie Whiting, que morreu no começo de 2019, e o diretor técnico do autódromo, Niek Oude Luttikhuis, tiveram a ideia das curvas inclinadas. O principal ponto a receber a medida seria a última tomada do traçado, a 14, conhecida como “Arie Luyendyk”, piloto holandês que fez carreira nos Estados Unidos nos anos 80 e 90, vencendo duas vezes as 500 Milhas de Indianápolis. Nada mais justo com este nome receber este tipo de tangência, não?

O que muda com curvas inclinadas

Para entender o efeito das curvas com inclinação nas corridas de carros, precisamos voltar a alguns conceitos da física. Mais precisamente, a Primeira Lei de Newton, conhecida também como Princípio da Inércia. Através dela, o cientista inglês mostrou que “um corpo em repouso tende a permanecer em estado de repouso e um corpo em movimento uniforme em uma linha reta, tende a permanecer em movimento constante a menos que uma força atue sobre ele”.

Visão da nova curva 14 de Zandvoort
Visão da nova curva 14 de Zandvoort (Foto: Geobrugg)

Ou seja, se você chuta uma bola em um ambiente sem influências, como o espaço, a bola vai seguir reto para sempre até que ela bata em um planeta, asteroide ou qualquer outro corpo celeste. Na Terra, se você chuta esta mesma bola, ela em algum momento vai perder velocidade e parar por conta do atrito com o ar e o chão, e pode até mesmo mudar sua trajetória por conta do tipo de solo, efeito no ar e etc. Ou seja, forças estão agindo para que isso aconteça.

No carro de corrida, o conceito é o mesmo. Se o piloto vier acelerando e não virar o volante, ele passa reto na curva. Quando ele vira, ele pratica uma força através dos pneus para que ele acompanhe a trajetória da tomada, chamada de aceleração centrípeta. A velocidade que ele vai conseguir contornar a curva é estipulada pela força que o carro consegue fazer contra sua tendência de seguir em frente. Se ele passar disso, o piloto não vai conseguir completar a tangência.

E aí entram os projetistas e engenheiros das equipes. Eles desenham carros e pneus que conseguem resistir a forças laterais cada vez maiores, aumentando a velocidade dos veículos nas curvas. Os compostos são os que mais sofrem nesta equação, já que eles são a única parte do conjunto que encosta no chão. Isso quer dizer que eles recebem toda a força lateral na curva enquanto tentam manter o atrito no asfalto que mantém o carro na linha esperada pelo piloto.

Quando vamos para uma curva inclinada, além da força do atrito que segura o carro, a inclinação da tomada joga o carro para dentro dela também. Sendo assim, o veículo consegue fazer a tangência ainda mais rápido, pois ganha um reforço de mais uma força o puxando contra a inércia. Por isso as velocidades ficam tão mais altas em circuitos ovais com alta inclinação.

O problema é que junto a maior velocidade, também cresce a força lateral que pneu irá enfrentar enquanto mantem o atrito com o asfalto. E isso, se não for calculado de forma exata, pode resultar em falhas nos compostos, como as que aconteceram no GP dos Estados Unidos de 2005, quando os produtos da Michelin não suportavam a curva do oval de Indianápolis. Para se ter ideia do que veremos em Zandvoort, enquanto aquela tomada do circuito americano tem inclinação de 9,2°, a curva 14 do holandês terá 18° e na 13 os pilotos enfrentarão 19°.

Curva 3 de Zandvoort também ganhou inclinação para que os carros possam carregar mais velocidade em seu contorno
Curva 3 de Zandvoort também ganhou inclinação para que os carros possam carregar mais velocidade em seu contorno (Foto: Circuito de Zandvoort)

Como a mudança pode ajudar Zandvoort

A ideia das inclinações de Zandvoort é fazer com que o carro entre mais rápido na reta principal. Cogita-se até que a zona de asa móvel comece já na curva 14, o que aumentaria ainda mais a velocidade e deixaria as brigas na freada da 1, a famosa Tarzan, ainda mais interessantes.

O outro ponto de inclinação é a curva 3, no miolo do circuito. As simulações mostram que os carros devem chegar nela para freada perto dos 270 km/h para seguir depois para uma sequência de curvas de alta. A ideia aqui não foi nem tanto de aumentar a chance de ultrapassagens, mas sim o desafio técnico a pilotos e engenheiros.

Ao contrário de outros autódromos novos e reformados da F1 atual, que normalmente usam o escritório do alemão Hermann Tilke o projeto de reforma do traçado foi feito pela empresa italiana Dromo Circuit Design, responsável pelos cálculos e simulações, e obra executada pela suíça Geobrugg.

A Pirelli também participou de forma ativa da concepção das curvas para evitar problemas como os enfrentados em 2005 em Indianápolis. Um asfalto com mistura especial foi colocado nas superfícies inclinadas com o intuito de os pneus não sofrerem com bolhas por conta na força lateral. Assim, os pilotos também terão a chance de experimentarem diferentes trajetórias, por dentro ou por fora.

Segurança em Zandvoort

Claro que um esquema especial de segurança para a pista também teve que ser montado. Curvas em geral na F1 possuem algum nível de inclinação, mas nem perto do que veremos em Zandvoort.

Simples áreas de escape, como temos na maior parte dos circuitos da FIA, obviamente estavam fora de cogitação, pois não seria possível manter tal inclinação do terreno por uma área tão grande. Por isso, a entidade e as empresas responsáveis pela obra olharam para o que é feito nos ovais americanos.

Assim, foram produzidas barreiras de concreto que ficam a 90° da superfície da pista, acompanhando a inclinação, e não na vertical  normal em relação ao solo do terreno. Assim, elas não se tornam “rampas de decolagem”. Elas foram fixadas com cabos de aço ao chão para não serem deslocadas independente da força da batida e colocadas em ângulos para evitar acidentes em “T”, em que o piloto chega diretamente de frente ao muro.

Novas muretas de proteção de Zandvoort (Foto: Geobrugg)

Junto delas, também foi instalada uma espuma de absorção de energia, conhecida por quem acompanha o automobilismo americano como “soft wall”, que normalmente é utilizada nos ovais da Nascar e Indy.

F1 e as curvas inclinadas

As novas curvas de Zandvoort possuem a mesma inclinação de alguns ovais americanos, como a parte do tri-oval de Daytona, em que as voltas são completadas (as outras duas curvas são em 31°). Não é pouca coisa.

Em outros tempos, este tipo de tomada também existia na Europa. Monza utilizou por alguns anos um oval com duas curvas em 38° de inclinação e raio de 320 metros. O traçado foi utilizado inclusive para eventos em que carros de F1 corriam contra os da Indy, conhecidos como Monzanápolis.

A F1 utilizou este traçado apenas em quatro oportunidades: 1955, 1956, 1960 e 1961. Neste último ano, Wolfgang von Trips morreu em um acidente na Parabolica, que também vitimou 15 espectadores. Mesmo não acontecendo na parte do oval, a FIA e organizadores locais chegaram à conclusão que era preciso diminuir a velocidade do traçado, descartando as duas grandes curvas inclinadas.

Curva inclinada do circuito de Avus
Os pilotos da F1 enfrentaram o desafio da Curva Norte de AVUS

Como já contamos aqui no Projeto Motor, em 1959, AVUS, com seu “Muro do Inferno” de incríveis 43°, sediou o GP da Alemanha com um dos traçados mais insanos a receber a F1 na história. Para efeito de comparação, o superspeedway de Talladega, que recebe a Nascar, tem 33°.

Na segunda metade dos anos 60, as curvas com muita inclinação foram praticamente abandonadas pelos principais campeonatos na Europa ou homologados pela FIA por fatores de segurança. Muitos circuitos, inclusive, foram remodelados. Agora, se a experiência em Zandvoort for positiva, fica a brecha para um possível retorno.

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