Zanardi sofreu grave acidente em etapa da Cart em 2001 na Alemanha

Detalhes do terrível acidente de Zanardi na Cart em 2001

Em 15 de setembro de 2001, um acidente chocou a comunidade do automobilismo e deixou um carismático personagem entre a vida e a morte. Alessandro Zanardi perdeu as duas pernas em um episódio assustador pela CART, na Alemanha, mas depois de um período crítico conseguiu se recuperar para escrever uma das mais belas histórias de superação que o esporte já viu. 

Alessandro Zanardi fazia uma carreira “lá e cá” nos dois lados do Atlântico. Depois de sua primeira passagem pela F1, entre 91 e 94, ele se mudou para o automobilismo americano, e conseguiu chegar ao status de estrela com dois títulos da CART, em 97 e 98, pela Chip Ganassi. O sucesso nos Estados Unidos o fez mais uma vez ser convidado pela F1, mas uma temporada difícil e sem pontos pela Williams, em 99, fechou de vez as portas por lá. Assim, depois de um ano parado, Zanardi voltaria à CART em 2001, pela Mo Nunn, equipe de seu antigo engenheiro dos tempos de Ganassi.

A temporada de retorno não estava sendo fácil. Nas primeiras 14 corridas disputadas em 2001, o piloto havia terminado apenas três vezes entre os dez primeiros, com o destaque para um quarto lugar em Toronto. No geral, a campanha vinha sendo marcada por acidentes e abandonos, o que deixava Zanardi apenas na 22ª posição no campeonato de pilotos. 

Então, em meados de setembro, a CART faria sua primeira corrida no continente europeu, no trioval de Lausitz, na Alemanha. Originalmente, a prova teria o nome de “German 500”, em referência à extensão de 500 km da corrida, mas depois ela foi rebatizada de American Memorial. Isso porque o evento foi realizado apenas quatro dias depois dos atentados de 11 de setembro em Nova York. A ocasião, obviamente, deixou o clima bastante pesado na pista, e muito se questionou se a CART não deveria ter adiado ou até cancelado a corrida em luto pelas vítimas – como já havia acontecido com outros eventos de modalidades americanas. Porém, a prova foi mantida em sua data original, no dia 15 de setembro, um sábado.

Só que, na prática, a programação do evento foi bastante conturbada. Uma chuva insistente caiu na quinta-feira, e isso obrigou os dirigentes a reorganizarem todo o formato do fim de semana. Isso porque a categoria optou por usar em Lausitz um pacote aerodinâmico semelhante ao dos superspeedways, com asas menores, o que potencialmente daria menor pressão aerodinâmica. Este fato, aliado à pouca familiaridade com a nova pista, fez com que a organização transformasse a sexta-feira, a véspera da corrida, em um dia dedicado a treinos livres. Assim, a tomada de classificação foi cancelada, e o grid de largada seria formado a partir da ordem do campeonato – o que era uma má notícia para Zanardi, que assim iniciaria a corrida somente em 22º. 

Mas, quando os carros foram para a pista, o cenário se mostrou animador, já que Zanardi e seu parceiro de equipe, Tony Kanaan, foram os mais rápidos tanto nos treinos livres como no warm-up. Ou seja, o carro estava competitivo, algo raro para Zanardi naquela temporada. 

E o bom rendimento também foi visto na corrida. Zanardi e Kanaan escalaram o pelotão e passaram a ocupar as primeiras posições. Ao final da volta 142, de 154 no total, o piloto italiano foi aos boxes para fazer um splash and go – ou seja, um rápido reabastecimento, sem trocar pneus, apenas para ter combustível suficiente para completar a corrida. Foi quando aconteceu o acidente que mudaria para sempre a vida de Zanardi. 

Quando deixava o pitlane, o piloto perdeu o controle de seu carro ainda na pista de saída dos boxes, rodou e entrou desgovernado no traçado de corrida. Patrick Carpentier vinha imediatamente atrás e conseguiu desviar, mas Alex Tagliani, o carro a seguir, não teve o mesmo destino. Tagliani acertou em cheio o carro de Zanardi, em uma velocidade estimada de 305 km/h, naquilo que foi praticamente uma batida em “T”, quando um piloto atinge a lateral do concorrente.

Ao ver as imagens do acidente, o veterano médico da CART, Steve Olvey, imediatamente pensou que se trataria de uma fatalidade dupla. Já Terry Trammell, médico ortopedista da categoria, se impressionou ao chegar no resgate com uma enorme poça próxima ao carro de Zanardi, que ele inicialmente pensava ser óleo. Mas era sangue. O impacto arrancou toda a porção dianteira do carro de Zanardi, o que amputou na hora as suas duas pernas. E, segundo Olvey, não é nem que as pernas de Zanardi foram arrancadas, mas sim, como definiu, foram “explodidas” – em ferimentos quase iguais aos de soldados que pisam em minas terrestres.

Atendimento, consequências e recuperação de Zanardi

A perda intensa de sangue era um dos pontos mais críticos da cena do acidente. Os médicos tiveram de improvisar um torniquete usando um cinto para conter o intenso sangramento da perna esquerda, a mais afetada pela batida. O piloto foi transportado de helicóptero a um hospital em Berlim, a cerca de 130 km da pista, com um estado de saúde considerado “extremamente crítico”.

Ele respirava por conta própria, mas havia perdido cerca de 75% do sangue de seu corpo, o que deixou sua pressão arterial muito baixa e também poderia comprometer o funcionamento de órgãos vitais. Isso fez com que seu coração parasse de bater por sete vezes no trajeto até o hospital, mas os médicos conseguiram reanimá-lo. Para melhorar o seu estado, foi feita a aplicação de uma solução salina intravenosa para ajudar no transporte de oxigênio para o cérebro e estabilizá-lo. 

A situação de Zanardi era a mais preocupante, mas havia um outro envolvido no acidente. Para o alívio de todos, Tagliani já estava consciente e alerta pouco depois do impacto, apenas se queixando de dores nas costas. Ele foi levado ao mesmo hospital que Zanardi para fazer checagens de rotina e foi liberado um dia depois, inclusive podendo continuar a temporada da CART normalmente.   

Ao chegar ao hospital, Zanardi se submeteu a uma cirurgia de três horas, o que resultou na amputação de suas duas pernas acima do joelho (isso porque a perna direita havia sido amputada abaixo do joelho no acidente e mais 8 cm foram removidos na cirurgia). Ele também havia sofrido uma fratura na pélvis. Já seus sinais neurológicos eram considerados normais, mas o piloto ficou em coma induzido por alguns dias para reduzir o estresse em seu corpo. Ainda era um quadro sério, mas que trazia certo otimismo dada a gravidade do acidente. Segundo Olvey, se Zanardi demorasse de 10 a 15 minutos a mais para chegar ao hospital, ele muito provavelmente teria morrido devido à quantidade de sangue perdida. 

Quatro dias após o acidente, Zanardi saiu do coma e foi informado por sua esposa sobre as lesões que sofreu. A sua reação positiva chamou a atenção de todos, já que o piloto se mostrava grato por estar vivo, e por ter a família ao seu lado. No dia 30 de outubro, um mês e meio após quase morrer em Lausitz, Zanardi recebeu alta do hospital em Berlim, e saiu pela porta da frente com um enorme sorriso no rosto. 

Aliás, a mentalidade de superação ditou esta nova fase da vida de Zanardi. Com modelos adaptados, o piloto voltaria a competir, inclusive vencendo corridas no Mundial de Turismo e experimentando de novo um carro de F1. Em 2003, ele retornou ao circuito de Lausitz para completar as voltas que lhe faltaram naquela corrida de 2001, em um momento que emocionou toda comunidade da categoria. 

Zanardi conquistou quatro medalhas de ouro e duas pratas nas Paralimpíadas, além de 12 títulos mundiais de paraciclismo
Zanardi conquistou quatro medalhas de ouro e duas pratas nas Paralimpíadas, além de 12 títulos mundiais de paraciclismo

E foi no ciclismo que Zanardi canalizou toda sua energia competitiva, o que também lhe rendeu quatro medalhas de ouro nas Paralimpíadas de Londres, em 2012, e do Rio de Janeiro, em 2016. Porém, ainda haveria um duro obstáculo pela frente em sua vida. Em junho de 2020, em um evento de ciclismo de estrada na Itália, ele colidiu contra um caminhão e sofreu severas lesões faciais e neurológicas. Zanardi ainda se recupera pouco a pouco do ocorrido. 

Esta é mais uma batalha para Zanardi, mas seu passado de superação mostra como é possível lidar com as dificuldades. Kanaan, seu antigo parceiro de equipe, resumiu na altura dos acontecimentos em Lausitz: “Sempre me perguntei por que coisas ruins acontecem com pessoas boas como Zanardi. A única resposta que encontrei é que ele é a única pessoa forte o bastante para nos mostrar como superar coisas assim.”

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