Motor Cosworth DFV dominou a F1 por mais de uma década

Do álcool ao turbo: os regulamentos de motor da história da F1

Em artigo escrito pelo colega Bruno Ferreira, o Projeto Motor explicou em detalhes como opera o ultracomplexo sistema de propulsão da F1 atual. Adotado em 2014, o regulamento tem sérios problemas de custo para montadoras e quipes e de experiência sensorial para os pilotos (sim, o barulho…), mas é provavelmente o mais tecnológico já visto na categoria, mesmo levando-se em conta os contextos e limitações de cada época.

Na história da F1, os organizadores do campeonato jamais se mostraram insones ao longo dos 67 anos de Mundial. Conforme mostraremos a partir de agora, a F1 realizou pelo menos 25 alterações de pequena, média ou grande escala em suas regras de motorização, o que perfaz média de pelo menos uma mudança a cada três anos.

Diferentemente do que se propaga, a categoria quase sempre abriu espaço para experimentações com sobrealimentação e afins. Outra surpresa é que nem sempre os bólidos foram obrigados a beber gasolina. Nos primeiros anos de certame as equipes usavam misturas malucas de gasolina azul com benzeno e… álcool, muito álcool, sob altíssimas taxas de compressão. As misturas eram tão fortes que, logo após o fim das corridas, os propulsores tinham de ser desmontados e mergulhados em petróleo a fim de evitar corrosão da peças.

A evolução do regulamento de motor da F1

1950 – Resquícios do pré-guerra

Em meio à retomada de desenvolvimento com o fim da II Guerra Mundial, as “baratas” iniciaram o Mundial de F1 ainda utilizando usinas criadas na década de 1930. O regulamento previa a utilizaççao de unidades naturalmente aspiradas de 4,5 litros, ou sobrealimentadas com compressor mecânico de 1,5 litro. Era o caso das Alfetta 158/159, cujo motor 8-cilindros em linha dispunha de compressor com 0,8 atmosfera de pressão e bebia metanol, chegando a 430 cv (a 9.300 rpm) na configuração usada em 1951.

Motor 1.5 com compressor mecânico das Alfetta 158 e 159 era um projeto de 1935
Motor 1.5 com compressor mecânico das Alfetta 158 e 159 era um projeto de 1935

1952 -A pequena era da F2

Com a debandada da Alfa e a permanência da Ferrari como única escuderia relevante na grelha, a F1 adotou o regulamento da F2 para não morrer com eventos totalmente esvaziados. Capacidade cúbica dos motores naturalmente aspirados caiu para 2 litros, e a dos sobrealimentados, para meras 750 cc (o que praticamente inviabilizou a tecnologia). A Ferrari 500 de Alberto Ascari era empurrada por um 4-cilindros em linha de 190 cv a 7.200 rpm.

1954 -Retorno da F1 como… F1

Volta de um regulamento específico para a F1, com motores aspirados de 2,5 litros. Infelizmente os mecanicamente comprimidos continuaram restritos a 750 cc. O 8-cilindros em linha da Mercedes, dotado pela primeira vez de injeção direta de combustível e válvulas com comando para admissão e escae, alcançou 295 cv (a 8.500 rpm) em 1955.

1958 – Lobby pela gasolina

Pressão exercida pelas fornecedoras de combustível da época, que custeavam boa parte da brincadeira, levou a organização a padronizar o uso de gasolina de aviação (Avgas) e limitar a octanagem entre 100 e 130 octanas. BRM e Vanwall tiveram enormes problemas em converter seus motores, especialmente devido às mudanças nas taxas de compressão. Stirling Moss perdeu o título de 58, em partes, por conta dos problemas de confiabilidade do VW5.

1961 – Redução drástica de potência

Como consequência do acidente fatal de Alan Stacey e Chris Bristow no GP da Bélgica de 1960, trágica história que o Projeto Motor já contou, a F1 restringiu a capacidade cúbica de seus motores a patamar ínfimo: entre 1,3 e 1,5 litro, pela primeira vez sem nenhuma possibilidade de sobrealimentação. Com isso, a potência no primeiro ano despencou para menos de 200 cv (a Ferrari 156, campeã daquela estação, rendia 190 cv, mas esquadras menores sequer chegavam a 150 cv), embora o peso mínimo também tenha caído, para 450 quilos. A única boa notícia é que tudo isso acelerou a evolução dos chassis com propulsores centrais-traseiros. Com a evolução natural do tempo, o Lotus 33 de 1965 atingiu o pico de 230 cv sob este regulamento.

1966 – A grande era dos 3.0

O trauma de 60 já passara e, atendendo às súplicas das construtoras, que viam a F1 perder prestígio devido aos carros mais lentos do que vários protótipos de habitáculo fechado, a F1 liberou novamente os propulsores de maior capacidade cúbica, desta vez até 3 litros em configuração naturalmente aspirada ou 1,5 litro com sobrealimentação. A troca era tão brusca que, na primeira temporada, vários participantes optaram por unidades intermediárias de 2 litros fornecidas por BRM e Coventry-Climax. Outra consequência foi o princípio de uma guerra maluca por projetos com tração integral, que só arrefeceu porque a evolução aerodinâmica do fim da década se mostrou mais relevante.

Graças ao novo regulamento foi possível apostar novamente em arquiteturas como os V12 da Ferrari, os H16 da BRM, os 12-cilindros boxer da Alfa Romeo e até uma insana ideia de Colin Chapman de criar um propulsor sobrealimentado por turbina (o fracassado Lotus 56B). Quem imperou, contudo, foi o confiável, elástico e acessível Ford Cosworth DFV V8.

Também foi a maturação deste regulamento por mais de uma década que permitiu, no GP da Inglaterra de 1977, que a Renault resolvesse explorar pela primeira vez na história do Mundial uma usina sobrealimentada por turbocompressor, através de um V6 de 1,5 litro construído em parceria com a Gordini. Começava ali, de forma gradativa, a primeira era turbo da categoria. Pouco a pouco os veículos turbocomprimidos da marca francesa começaram a superar os naturalmente aspirados em potência. Faltava resolver questões como confiabilidade e turbolag, algo dirimido no início dos anos 80 e que permitiu aos engenheiros obter números assustadores em dinamômetro.

1972 – Tudo tem limites, até os cilindros

Ok, as regras vigentes eram bastante permissivas quanto à criatividade dos construtores, mas tem coisas que não dá. O BRM H16, por exemplo. Por isso a categoria estipulou naquele ano que nenhuma unidade poderia ser desenhada com mais de 12 cilindros.

1981 – Só valem os 4-tempos

Obrigatoriedade de algo que já se padronizara naturalmente: uso de motores de ciclo Otto e quatro tempos (admissão, compressão, explosão e exaustão).

1984 – Consumo contido

A fim de conter a sanha dos turbo, que já superavam 1.000 cv em acerto de classificação, o consumo de combustível dos carros sobrealimentados passou a ser restrito a 220 litros por corrida. Não adiantou muita coisa para quem competia com unidades naturalmente aspiradas.

1986 – Plenitude do turbo

A discrepância dos bólidos turbocomprimidos para os aspirados era tamanha que, em 86, a FISA decidiu obrigar que todos os participantes do grid utilizassem propulsores 1.5 sobrealimentados. Por outro lado, o consumo de combustível ficou ainda mais restrito, agora a 195 litros por GP.

1987 – Volta dos aspirados e controle de pressão

Introdução de válvulas de alívio com limitadores de pressão do turbo, estipulada em quatro atmosferas para aquela temporada. Regresso das usinas aspiradas, agora com 3,5 litros de capacidade, a partir da criação de um campeonato paralelo para carros atmosféricos, denominado Copa Jim Clark. Dele fizeram parte Tyrrell (a campeã), Larrousse-Lola, March e AGS, todas clientes do Ford Cosworth DFZ. Na verdade, toda essa movimentação já era uma prévia do que estava para ocorrer dois anos adiante.

1988 – Crepúsculo dos turbocompressores

Com o regulamento de 89 já divulgado, aquele seria o último ano da era turbo, e também o mais restrito: pressão baixou para máximas 2,5 atmosferas, o que reduziu a potência do motor Honda, o mais forte daquela estação, a “apenas” 675 cv em configuração de classificação.

O fim da primeira era turbo na F1

1989 – Reinado atmosférico

Banimento dos turbocompressores. A partir de então, os motores deveriam ser sempre naturalmente aspirados de 3,5 litros, independemente da arquitetura. Foi o que permitiu o surgimento de unidades V10 (Honda e Renault), V12 (Ferrari, Lamborghini e Porsche), V8 (Ford Cosworth e Judd) e até bizarrices como o 12-cilindros boxer da Subaru e o W12 da Life. Potência variou de 675 cv a 13.000 rpm (Honda 89) a até 820 cv a 15.800 rpm (Ferrari 94).

1994 – Controle de combustível

Além do famoso banimento dos apetrechos eletrônicos, a FIA também proibiu para 94 o uso dos chamados “combustíveis especiais”, enriquecidos com chumbo. Para compensar tal perda, a entidade passou a permitir a aplicação de fluidos refrigerantes.

1995 – Novo “downsizing”

A morte de Ayrton Senna e Roland Ratzenberg motivou uma verdadeira cruzada por carros mais seguros. Uma das medidas foi reduzir a capacidade cúbica dos propulsores para 3 litros, diminuindo com isso a potência. Tal decisão praticamente aniquilou a vida dos V12 e também dos V8, tornando os V10 muito mais vantajosos. A Renault começou a corrida na frente, com um 10-cilindros de 750 cv a 14.300 rpm. Sob este regulamento a BMW chegou a 950 cv e incríveis 19.000 giros em 2005. Também foi a fornecedora bávara quem estabeleceu o até hoje inatingível recorde de rotações por minuto de um propulsor de F1: 19.200 rpm em 2003.

2000 – Reinado dos V10

Como praticamente não valia mais a pena investir em outras arquiteturas, a F1 passou a obrigar a fabricação de usinas V10 de 3 litros.

2003 – Fim dos motores de classificação

A criação do sistema de parque fechado (que impede as equipes de mexerem nos carros entre a classificação e a corrida, exceto em casos excepcionais) matou os chamados motores especiais de classificação, criados especialmente para render mais durante um número bastante limitado de voltas.

2004 – Restrição de unidades por temporada

Cada participante de um GP passou a ter o limite de um único motor por fim de semana.

2005 – Mais limitações

Restrição aumentou para um único motor a cada dois fins de semana. Também foi estabelecido um limite de cinco válvulas por cilindro.

2006 – O império dos V8

Adoção de usinas V8 de 2,4 litros, naturalmente aspiradas, com no máximo quatro válvulas por cilindro (duas de admissão mais duas de escape). Sistemas de comando variável de válvulas, geometria variável, pré-refrigeração de ar e injeção de aditivos junto à mistura de ar e combustível passaram a ser proibidos. Limitação de um bico injetor e uma bobina de ignição por cilindro. Uma curiosidade é que, nos dois primeiros anos deste regulamento, a Toro Rosso recebeu permissão para correr com um Ford Cosworth V10 adaptado e munido de limitador de giros, pois a sucessora da Minardi não possuía uma fornecedora.

2007 – Segura essas rotações aí

Giros limitados a 19.000 rpm e desenvolvimento das usinas totalmente congelado.

2009 – Tímido início da era híbrida

Em meio à revolução aerodinâmica dos veículos, a FIA também promoveu nova limitação de giros, desta vez a 18.000 rpm. Determinou, ainda, que cada participante não poderia usar mais do que oito motores por temporada, por questão de custos. Introduziu, por fim, o Kers, sistema de recuperação de energia cinética das frenagens capaz de gerar 80 cv extras por um período de seis segundos ao longo de uma volta. Além disso, ficou possível “quebrar” o desenvolvimento congelado desde que com autorização prévia da FIA, visando à equalização de forças ou ao aumento de confiabilidade. Tal brecha foi bastante aproveitada para promover ganhos de potência.

A chegada do motor híbrido

2014 – A segunda era turbo (e híbrida)

As usinas que conhecemos hoje: arquitetura V6 de 1,6 litro, sobrealimentada por um turbo, gerenciada por transmissão automatizada SSG de oito velocidades e auxiliada por duas unidades elétricas: MGU-K (recuperação da energia cinética das frenagens) e MGU-H (recuperação da energia gerada pelo calor do turbo). Juntos, eles geram cerca de 160 cv extras por período de 33 segundos a cada volta. Peso mínimo do conjunto é de 145 kg. No princípio do regulamento a potência combinada era de aproximadamente 760 cv, mas os bólidos já começaram a romper a casa de 1.000 cv no ano passado.

Isso mesmo com as regras impostas a fim de tornar as usinas mais eficientes e “ecologicamente corretas”: consumo de combustível limitado a 100 kg por GP e com vazão máxima de 100 kg/hora; pressão de injeção máxima de 500 atmosferas; e giros restringidos a 15.000 rpm. Sem elas, já teria sido possível alcançar 2.000 cv. Por questões de custos, foi limitado a cinco o número de unidades motrizes por temporada a cada piloto. O desenvolvimento deixou de ser totalmente congelado, mas ficou norteado por tokens: cada motor era “dividido” em 42 partes, que recebia de grau 1 a 3 em importância, totalizando 66 tokens. Cinco deles tinham seu desenvolvimento vetado, permitindo ação evolutiva sobre os demais 61.

2015 – Mexendo nos tokens

Fim do desenvolvimento congelado para determinados tokens. Cada fornecedora poderia mexer nas partes que quisessem, desde que respeitando o limite de 32 tokens por temporada.

2017 – Novos limites

Na iminência do início daquela que, muito provavelmente, será a era dos F1 mais velozes já vistos, a FIA determinou o fim da limitação do desenvolvimento dos motores por tokens. Além disso, o consumo foi readequado a 105 kg por GP, tendo em vista que os ases passarão maior parte das passagens com o pé cravado no acelerador. Entretanto, o limite de propulsores por temporada caiu para singelas quatro unidades por competidor.

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